Em um ambiente de atividade econômica acomodada e incerteza sobre reação nos próximos meses, o trabalho intermitente apresentou salto neste ano no Rio Grande do Sul. A abertura de vagas nesse modelo, que permite acionar funcionários de acordo com a demanda, cresceu 146,45% no primeiro quadrimestre ante o mesmo período de 2022. Os dados são do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego e atualizados nos últimos dias.
De janeiro a abril, foram abertas 2.080 vagas nesse regime. No mesmo período do ano passado, esse montante ficou em 844. Uma das principais mudanças instituídas pela reforma trabalhista de 2017, o trabalho intermitente prevê prestação não contínua de serviços, que permite a alternância de períodos de trabalho e de inatividade. Funcionários sob esse contrato têm carteira assinada e direitos trabalhistas com repasse proporcional, como depósitos do FGTS e recolhimento das contribuições previdenciárias.
A coordenadora do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Lodonha Maria Portela Coimbra Soares, afirma que o salto na busca por esses contratos ocorre diante do cenário econômico do país. Em um contexto de crescimento lento, o trabalho intermitente ganha força como alternativa menos onerosa:
— Tem menos ônus para o empregador. E essa modalidade ganha força em períodos de maior incerteza em relação ao cenário econômico. E é o que estamos vivendo agora. Temos alguns problemas relacionados à aprovação de reformas, problemas políticos e uma desaceleração da atividade. Isso corrobora o aumento no trabalho intermitente.
Lisiane Fonseca da Silva, economista que atua na área do mercado de trabalho e professora da Universidade Feevale, afirma que o impacto dessas contratações na economia é limitado, porque o empregado usa o rendimento com maior parcimônia diante da falta de previsibilidade em relação ao futuro da demanda por seu trabalho:
— Esse valor entra no mercado, mas com direcionamento mais voltado para subsistência. A pessoa vai pagar aquilo que é mais urgente. Tem um grau de insegurança maior.
Abrindo os dados por segmentos econômicos, o setor de serviços lidera, concentrando praticamente todo o volume de vagas intermitentes geradas no período (veja mais no gráfico).
A economista da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS) Giovana Menegotto afirma que o avanço do trabalho intermitente nos primeiros meses do ano ocorre na esteira da retomada do setor de serviços. Ela explica que esse ramo não tem demanda contínua, principalmente na área de alimentação e eventos. A especialista afirma que a reabertura consolidada ao longo do ano passado respingou com força no segmento:
— É uma contratação que faz muito sentido nesse tipo de atividade, de eventos, de bares, restaurantes. Faz parte dessa retomada do setor de eventos, tanto de lazer, quanto de atividades mais corporativas, como feiras, congressos.
Impasse no STF
O avanço do trabalho intermitente ocorre em paralelo a um impasse judicial. A legalidade desse modelo de emprego foi questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) por uma série de entidades, entre elas, a Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo. Os ministros analisam ação direta de inconstitucionalidade (ADI), que conta com outras duas ações apensadas.
O STF pode encaminhar três possíveis cenários na votação. Reconhecer as ações, considerando o modelo de trabalho intermitente inconstitucional, não acolher os pedidos das ADIs, declarando esse regime constitucional, ou confirmar a constitucionalidade em parte, modificando alguns pontos desse tipo de trabalho. Até o momento, quatro ministros votaram (dois pela inconstitucionalidade), mas o julgamento foi suspenso no fim do ano passado após pedido de vista e segue sem nova movimentação.
Futuro depende de reformas e aquecimento da atividade econômica
As especialistas ouvidas pela reportagem de GZH afirmam que o futuro do trabalho intermitente depende do aquecimento da economia, que está ligado ao avanço de alguns fatores, como reforma tributária, queda do juro e da inflação.
A economista da Fecomércio-RS afirma que a perspectiva é que o movimento das contratações de intermitentes “se mantenha ao redor dos níveis atuais, sem forte crescimento como no anterior”, caminhando para uma acomodação.
A professora Lodonha, da UCS, estima sequência de números elevados na busca por esse modelo de trabalho no curto prazo diante da manutenção de incertezas econômicas e políticas. Projeção no médio e longo prazo depende do comportamento do mercado de trabalho convencional, que está ligado ao avanço de reformas e estímulos econômicos:
— Se a gente ampliar para o médio e longo prazo, no final deste ano e início do próximo, tem a expectativa de que haja um aumento no emprego formal na modalidade normal, ortodoxa.
A economista Lisiane Fonseca da Silva afirma que a revisão de alguns indicadores, como o Produto Interno Bruto (PIB), inflação e juro, para patamares mais positivos permite vislumbrar cenário melhor para o emprego formal nos próximos meses.
— Tem essa expectativa de um movimento positivo na economia e que talvez se consiga ter vagas mais consistentes, com permanência maior do que o trabalho intermitente.
No entanto, a professora da Feevale deixa claro que a previsão de melhora da economia precisa se concretizar para ocorrer esse efeito sobre as vagas de emprego.