Depois de encerrarem o ano passado no campo positivo, os três principais setores da econômicos começam a se descolar do ambiente de retomada após os momentos mais críticos da pandemia por covid-19, em 2020 e 2021. Entre janeiro e março de 2023, cada um dos segmentos passou a demonstrar distintos comportamentos. Comércio e serviços seguem em alta, apesar de marcas abaixo das obtidas no mesmo período do ano passado, e a indústria teve redução drástica na mesma comparação.
Com base nas pesquisas mensais, realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até março, na relação com igual período de 2022, os Serviços puxam a atividade no Estado com uma alta de 8,1% no volume, semelhante a do Comércio, que avançou 6,1%, mas ambos ficam abaixo dos patamares obtidos em igual intervalo do ano passado. A indústria gaúcha, por outro lado, amargou o pior primeiro trimestre, desde 2015, ao exibir queda de 9,2% na produção física em idêntico período.
O desempenho, verificado nos três meses iniciais do ano, reforça a dicotomia entre Serviços e Indústria que persiste desde a flexibilização das medidas de distanciamento social. Isso acontece, porque a fabricação de bens atingiu um pico no início de 2021, exato momento em que os serviços iniciaram a evolução mais consistente, em uma consequência direta da pandemia.
Na prática, quando as pessoas ganharam mobilidade, por conta da melhora dos quadros sanitários, houve a realocação dos recursos e os orçamentos familiares passaram a consumir menos bens (produzidos pela indústria), em detrimento dos serviços. É o que explica o economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-POA), Oscar Frank
De acordo com ele, a continuidade das trajetórias, nesses setores, também é reflexo da menor exposição dos Serviços aos problemas relacionados com a quebra das cadeias logísticas internacionais de insumos e suprimentos e a baixa sensibilidade do segmento à taxa de juros (que permanece em 13,75%, ao ano, desde agosto de 2022, e acima de dois dígitos há 15 meses). Em contrapartida, esses mesmos fatores, diz Frank, atingem em cheio a atividade industrial, que demanda por maior capacidade de financiamentos para aquisição de maquinário.
— Ainda assim, trata-se de crescimento forte e expressivo dos serviços, sobretudo, porque acontece no segmento de maior representatividade para a nossa economia e sobre uma base elevada . É algo que acaba puxando o agregado e é naturalmente positivo para a economia gaúcha — considera.
Indústria sofre os impactos mais diretos dos juros e da inflação
O economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Giovani Baggio, reforça que o freio de mão industrial não começou "ontem", data em que o IBGE divulgou os dados referentes ao mês de março para o setor, mas se arrasta desde meados do ano passado e, atualmente, sofre os impactos mais diretos dos juros e da inflação.
Ele lembra que por ser caracterizada pela produção de bens de capital (equipamentos e instalações que servem para a produção de outros bens ou serviços) a indústria gaúcha é “duplamente penalizada” pelo atual patamar da taxa Selic, pois também reduz as exportações. Aliás, já são cinco meses consecutivos de vendas externas em baixa no segmento, recorda Baggio.
De acordo com o economista, ainda assim, o resultado de 9,2% negativo no primeiro trimestre do ano – que coloca o RS na condição de maior entre as unidades da Federação no trimestre – foi potencializado por uma conjuntura bastante específica. Trata-se da maior paralisação da história da Refinaria Alberto Pasqualini, em Canoas, que pesou ainda mais sobre os resultados gaúchos.
— Se extraíssemos quatro pontos percentuais relativos ao fato, a queda teria sido de 5,2%. Mas, isso não muda um panorama com perspectivas não muito animadoras — afirma.
Resultado do comércio surpreende
No que se refere à Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) não são poucos os economistas que questionam os dados. Uma das razões está relacionada com a inclusão de combustíveis e lubrificantes nos resultados. Outra, fica evidenciada com o cruzamento das referências de notas fiscais emitidas, junto à Receita Estadual, o que, argumentam os especialistas, sempre acaba por refletir uma performance inferior a relatada pelo IBGE.
Feitas as ressalvas, a economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo, enfatiza que o primeiro trimestre deste ano pode ser considerado “surpreendente”, sobretudo, quando o enforque da avaliação recai sobre o Estado. Ela resume:
— O varejo gaúcho foi um superlativo dos resultados brasileiros. Quando o Brasil foi bem, o Rio Grande do Sul foi melhor. Quando o Brasil foi mal, o Rio Grande do Sul foi pior.
Patrícia acrescenta que na comparação com o trimestre anterior, encerrado em dezembro, o comércio gaúcho cresceu 3,9%. Entre as atividades positivas, destaca os combustíveis, enquanto hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo apresentaram queda de 0,7%.
Segundo a economista, apesar da política monetária restritiva, do alto endividamento das famílias e do atual nível de inadimplência, o varejo performou bem no primeiro trimestre. Isso porque em contrapartida, ela aponta para um mercado de trabalho menos deteriorado do que o esperado e mais circulação de renda.
— Parece que estamos estruturalmente mais resilientes. Isso pode vir da dinâmica do mercado de trabalho que não perde o folego como se acreditava e um processo de desinflação, sobretudo, nos alimentos, que já exerceram muita pressão. Essas coisas ajudam, porque geram mais acesso à renda — pontua.
Elementos que moldam o atual cenário
Fatores Negativos
- Política monetária restritiva, com juros elevados
- Inflação que reduz o ritmo, mas de maneira lenta e gradual
- Menos poupança acumulada pelas famílias desde a pandemia
- Alto nível de endividamento e inadimplência
- Nova estiagem na safra de grãos do Rio Grande do Sul
Fatores positivos
- Melhora na cadeia internacional de insumos e suprimentos
- Resiliência na geração de vagas do mercado de trabalho
- Medidas do governo Federal para incentivar o consumo
- Impulsos fiscais para a recomposição de renda em programas sociais