A inadimplência engatou mais um mês de alta em Porto Alegre e segue pressionando a economia. Em fevereiro, o percentual de famílias com contas em atraso subiu para 39,5%. A cifra mostra aceleração em relação a janeiro (36,4%) e avanço mais robusto ante o mesmo mês do ano passado (32,4%). Com movimento no mesmo molde do observado no primeiro mês do ano, a parcela de domicílios em inadimplência é a maior para um mês de fevereiro nos últimos cinco anos e a segunda mais expressiva na série histórica desde 2010, nesse recorte. O indicador também atingiu o nível mais elevado nos últimos sete meses. Inflação e juros elevados, reorganização de contas e dívidas sazonais de início de ano seguem explicando esse cenário, segundo especialistas. Além de afetar o orçamento das famílias, o movimento também freia a atividade econômica.
Os dados fazem parte de pesquisa da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado (Fecomércio-RS) com base em relatório da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. O levantamento consulta apenas famílias que moram em Porto Alegre, mas é analisado como retrato de todo o Estado.
A economista da Fecomércio-RS Giovana Menegotto afirma que a inflação e o juro ainda em patamares elevados seguem pressionando o orçamento das famílias. Nesse contexto, contas adicionais características de início do ano prejudicam ainda mais o pagamento de dívidas, segundo a economista:
— Tem um aspecto da época do ano, como taxas, matrículas, material escolar. Isso foi provavelmente uma pressão adicional para as famílias que estão com o orçamento muito apertado.
A economista da Fecomércio destaca que o comprometimento da renda familiar com o pagamento de dívidas também cresceu de um ano para o outro, o que prejudica a capacidade de pagamento e de consumo:
— Esse quadro dificulta a gestão do orçamento familiar, com maior risco de desequilíbrio e, portanto, da inadimplência.
O percentual de famílias sem condições de pagar nenhuma parte das dívidas atrasadas em prazo de 30 dias segue em patamar baixo (2%). Olhando o recorte de pessoas que têm dívidas em atraso, esse percentual fica em 5%. Segundo Giovana, apesar das famílias encontrarem dificuldades para honrar as dívidas, os consumidores estão se esforçando para evitar o descontrole generalizado das contas atrasadas e tentar manter o acesso ao crédito.
O professor Ely José de Mattos, da Escola de Negócios e pesquisador do laboratório PUCRS Data Social, afirma que a dinâmica de organização das contas também pode pesar nesses números de inadimplência em um cenário de retomada lenta da economia. O economista destaca que existe um certo delay entre a pessoa conseguir emprego e a mitigação de dívidas:
— Tem o peso da crise econômica ainda sendo carregado, tem a questão da reorganização das contas das casas das pessoas, que leva um tempo. E com o juro alto isso fica mais difícil. Esse efeito está presente.
O economista e professor da Universidade Feevale José Antônio Ribeiro de Moura afirma que a inadimplência afeta o desenvolvimento da economia. Com o orçamento cada vez mais focado em itens essenciais, bens e serviços que não são de primeira necessidade acabam ficando de lado, segundo o professor. Com isso, existe uma espécie de freio no crescimento da atividade, com menos dinheiro circulando.
— Teoricamente as pessoas vão cortando serviços, como cursos, academia. São atividades que elas necessitam, mas agora elas precisam eleger prioridades. O comércio também é afetado porque as pessoas vão ter que segurar um pouco as compras, adquirindo apenas o necessário — explica.
O percentual de famílias endividadas, que considera também as dívidas que estão sendo pagas, caiu de 94,3%, em fevereiro de 2022, para 91,6% em fevereiro de 2023. Cartão de crédito, carnês e financiamento de carro permanecem na ponta dos principais gastos (veja mais abaixo).
Cenário menos otimista no curto prazo
A economista da Fecomércio afirma que a recuperação do mercado de trabalho em 2022 aliada ao alívio pontual da inflação no terceiro trimestre diante de desonerações e o reforço nas transferências de renda contribuíram para um alívio no orçamento familiar na época. No entanto, o cenário deste ano é diferente, segundo a especialista:
— Para este ano, o desafio no quadro de endividamento e inadimplência dificilmente terá alívio, porque além de juros altos e inflação pressionada, também tem mercado de trabalho desacelerando, afastando uma perspectiva de reversão no quadro.
O professor José Antônio Ribeiro de Moura, da Feevale, estima que a inadimplência seguirá em patamar elevado enquanto não houver uma equalização das taxas de juros e melhora da economia. Moura também cita o avanço de pautas do governo federal no Congresso como outro fator que pode impactar esse movimento. Enquanto o cenário não melhora, os inadimplentes seguem sofrendo em um cenário de juro alto, segundo o docente:
— Aqueles que vão pagando as contas em atraso, acumulando juros vão ter um desafio crescente. Porque não estão conseguindo sair dessa amarra.
Dicas para organizar as contas
Wendy Haddad Carraro, professora de Ciências Contábeis da UFRGS e coordenadora de programa de extensão em educação financeira na universidade, recomenda:
- Organize seu orçamento para saber o quanto poderá destinar para a quitação de dívidas.
- Na impossibilidade de pagar a dívida, tente negociar com os credores novos prazos e com parcelas que caibam no seu orçamento.
- Caso não possa quitar todas as dívidas, priorize contas com juros mais altos, assim você evita que a conta fique ainda maior.
- Fique atento aos juros abusivos (acima do mercado) e procure orientação junto ao Procon ou à Defensoria Pública.
- Analise se é interessante contrair novo empréstimo com juros menores para quitar dívida atual com parcelas maiores e taxas mais altas.
- Evite atraso no pagamento e o pagamento mínimo da fatura do cartão de crédito, porque o saldo acumulado se torna uma dívida muito cara.
- Se possível, não use o cheque especial, que tem juros muito altos.
- Procure buscar alguma alternativa de renda extra para aumentar seus rendimentos.