O novo modelo adotado pelo governo estadual para privatizar a Corsan deve facilitar o processo de venda e aumentar o interesse de investidores ao afastar o setor público da empresa, na avaliação de especialistas consultados por GZH. Ainda assim, o pouco tempo disponível para concretizar os planos até dezembro permanece como um obstáculo a ser superado.
O Piratini revela que pelo menos 15 possíveis investidores já buscaram contato, mas é preciso realizar uma audiência pública e receber aval do Tribunal de Contas do Estado (TCE) para publicar o edital até 31 de dezembro. Caso isso não ocorra, conforme o secretário-executivo de Parcerias do Estado, Marcelo Spilki, será preciso submeter novamente os planos da companhia à aprovação na Assembleia Legislativa. Sindicatos e associações de trabalhadores são contrários à desestatização.
Na terça-feira (30), a empresa comunicou a abertura de uma sala de informações que, na prática, significa a disponibilização de documentos e dados a interessados em adquirir a Corsan. Ao mesmo tempo, foi enviada nova documentação para manifestação do TCE, que havia suspendido o processo anterior.
O formato abandonado previa a venda pulverizada das ações, com a manutenção do Estado na composição acionária, em um valor estimado pouco acima de R$ 3,4 bilhões. Em vez disso, o governo optou pela venda integral, sem participação estatal na futura administração. Uma nova avaliação sobre o valor ainda está sob sigilo.
O economista Ricardo Hingel aponta vantagens legais e de mercado na mudança de rumo. Na avaliação do especialista, há três pontos principais favoráveis na proposta atual em comparação à tentativa prévia. Um deles é o aumento da atratividade a investidores pelo simples fato de o Estado não estar mais presente na composição acionária – o mercado costuma temer interferências políticas nesses casos.
— A venda de 100% da empresa afasta a interferência estatal, o que valoriza a empresa e permite que o vendedor peça um prêmio de controle, o que pode aumentar entre 20% e 30% o valor da venda — observa o economista.
Segundo benefício apontado por Hingel, o chamado prêmio de controle é um acréscimo no preço da empresa pela entrega do comando da gestão decorrente da venda integral das ações. O terceiro ponto que pode favorecer a nova tentativa de privatização é que, ao descartar o formato de controle disperso, com inúmeros acionistas minoritários, o processo não depende mais da regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e se torna menos complexo.
Por ter como responsabilidade a proteção de acionistas de menor porte, a CVM supervisionava o processo anterior de venda. A negociação integral, ao permitir que os interessados tenham acesso a todas as informações necessárias da empresa, transfere essa responsabilidade para o próprio comprador.
Hingel afirma que há outras questões que podem interferir na atratividade da companhia, como dúvidas sobre a regularidade dos aditivos contratuais assinados por municípios com a Corsan, ainda não homologados pela agência reguladora.
— Pela nossa análise jurídica, os contratos são válidos e não necessitam de ratificação. Quem não aditivou é que tem obrigação de informar como vai atingir suas metas — afirma Spilki, se referindo aos parâmetros de 99% de abastecimento de água e de 90% de serviço de esgoto até 2033 em todo o país.
Fator eleitoral
O advogado Gustavo Kaercher, autor de um parecer sobre a privatização, concorda que a saída encontrada pelo Estado é bem-vista pelo setor privado. Mas lembra que o período eleitoral pode interferir nos planos.
— No ano passado, não tínhamos esse fator. No caso de haver mudança de governo, pode haver uma parada (na privatização), o que poderia levar investidores a ficar indecisos — opina Kaercher.
Marcelo Spilki sustenta que o governo conta com uma manifestação do TCE em até 90 dias. Durante esse período, deve ser realizada uma audiência pública, em data a ser marcada. Com o aval do tribunal, poderia ser publicado o edital. O leilão teria de respeitar um período mínimo de 15 dias para ocorrer.
— Se o TCE usar o prazo de 90 dias, prevemos lançar o edital entre o final de novembro e o começo de dezembro, e fazer o leilão antes do Natal — afirma Spilki.
O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado (Sindiágua) é contrário à privatização e pretende criticar essa medida em uma marcha programada para 22 de setembro.
O sindicato considera que a companhia tem condições de atingir as metas de saneamento, e a privatização vai elevar o custo da tarifa para a população. Também avalia que os contratos atuais com os municípios não estão regulares e teriam de ser ratificados pelas prefeituras.
— Esse processo é um balão de ensaio do governo. Os municípios não querem a privatização do serviço de água — afirma o presidente do Sindiágua, Arilson Wunsch.
Histórico da tentativa de privatização da Corsan
2021
17 de março - O governo federal sanciona o novo marco do saneamento. Ele passa a estabelecer metas mais ambiciosas de atendimento à população, prevendo 90% de cobertura de esgoto e 99% de água até 2033.
18 de março - O Piratini anuncia a intenção de vender o controle acionário da Corsan. Essa é uma forma de atrair capital privado e conseguir atender às novas metas de cobertura de serviço. O modelo prevê que o Estado mantenha 30% das ações.
31 de agosto - A Assembleia aprova o projeto de lei que autoriza a privatização da Corsan, abrindo caminho para a oferta de ações no mercado.
16 de dezembro - Termina o prazo para que os prefeitos assinem aditivos aos contratos com a Corsan, com benefícios especiais, para adequar esses contratos às novas metas de cobertura dos serviços de água e esgoto. Pouco mais de 70 cidades das 317 atendidas aderem.
2022
31 de março - Vence o prazo final estabelecido em lei federal para que os contratos vigentes sejam aditados para inclusão das novas metas de universalização.
7 de julho - Tribunal de Contas do Estado determina a suspensão da venda das ações da Corsan pedindo correções na modelagem econômico-financeira do projeto.
13 de julho - Piratini desiste da venda de ações da Corsan e anuncia uma mudança no plano de privatização, que passa a prever a oferta integral da companhia a um investidor privado. O governo informa que pretende concluir o processo até o final do ano.
30 de agosto – Por meio de um comunicado, é aberta a possibilidade de interessados buscarem dados, documentos e informações sobre a Corsan, ao mesmo tempo em que a documentação sobre a nova tentativa de privatização, sob outro formato, é enviada para avaliação do TCE. O tribunal deverá ser manifestar em 90 dias.