Enquanto o Comitê de Política Monetária (Copom) finalizava a reunião que elevaria a taxa Selic pela 12ª vez consecutiva, nesta quarta-feira (3), o ministro da economia, Paulo Guedes, palestrava para uma plateia repleta de interessados diretos no fim do ciclo de aperto monetário que reduz o fluxo de recursos e os ganhos no mercado de capitais. Guedes participou do primeiro dia do XP Expert — um festival de investimentos — promovido pela XP Inc, em São Paulo, que retomou o formato presencial após três anos. Na ocasião, ele voltou a defender a taxação de lucros e dividendos em 15% para retiradas acima de R$ 500 mil mensais.
De acordo com o ministro, a medida, contida na reforma tributária em tramitação no Congresso, abrangeria apenas 60 mil investidores e poderia garantir a fonte de receitas necessárias para bancar a ampliação orçamentária, estimada entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões, para reajustar o Auxílio Brasil para R$ 600.
— Não pensem que isso atinge todos vocês, são só 60 mil pessoas que retiram mais de meio milhão de reais. Isso é um imperativo moral — declarou.
Com carreira no mercado, o ministro apresentou um balanço do que considera as suas principais reformas. Aplaudido em diversas ocasiões, pintou um quadro recheado de positividade. Segundo ele, depois de “amparar” 78 milhões de brasileiros e “salvar” 11 milhões de empresas durante a pandemia, o país está “em pé” e “condenado a crescer pelos próximos 10 anos”.
— A inflação está caindo, os empregos estão subindo, o ciclo de juros chegou à estabilidade, reforçamos o nosso quadro fiscal, e as taxas de crescimento estão em constante revisão para cima. Temos R$ 890 bilhões em intenções de investimento nos próximos 10 anos. Ou seja, o Brasil está condenado a crescer pelos próximos 10 anos — enfatizou.
Para Guedes, atualmente, já existe uma “reforma tributária invisível”, no que se refere à redução de impostos diretos sobre combustíveis, energia elétrica e outros itens essenciais. A ideia é avançar. Até o final do ano, projeta o envio de proposta para zerar o IPI (imposto sobre produtos industrializados). Mas não respondeu diretamente ao questionamento sobre eventual avanço na tentativa de privatizar a Petrobras.
Ao celebrar a abertura de 388 mil empresas apenas no mês passado, o ministro afirmou que o país chegará ao final do ano com uma taxa de desemprego de 8%, que seria a mais baixa desde 2013.
Empreendedorismo
A temática já havia frequentado os debates da manhã, quando, em um dos painéis, presidente-executivo da XP Inc., Guilherme Benchimol, dividiu o palco com Fabricio Blosi, criador do iFood, e Pedro Franceschi, idealizador da startup de pagamentos BREX, que em cinco anos já é avaliada em US$ 12,3 bilhões. Ao falar do histórico da empresa, fundada por ele em uma sala de Porto Alegre – que, aliás, ganhou uma réplica em exposição na XP Expert —, Benchimol lembrou que o Brasil tem 23 milhões de empreendedores, que empregam 50 milhões de pessoas. Outros 10 milhões, acrescenta ele, estão nas três esferas do governo.
— O Produto Interno Bruto (PIB) movimenta R$ 9 trilhões, e a carga de impostos chega a cerca de R$ 3,5 trilhões. Metade disso quem paga são os empreendedores, e a outra, os funcionários. Ou seja, quem faz o Brasil acontecer são os empreendedores. Se tivéssemos 30 milhões de empreendedores, teríamos mais emprego, mais desenvolvimento. Mas esse ciclo seria mais rápido se tivéssemos educação — declarou.
Até quinta-feira (4), cerca de 30 mil pessoas são esperadas nos pavilhões da Expo São Paulo, onde 150 estandes reúnem o que há de mais atual no mercado de capitais do país. Entre os temas, estão criptomoedas, ESG (meio ambiente, social e governança, na sigla em inglês) e assuntos sobre estratégias de investimentos, que devem ser acessados por mais de um milhão de espectadores pelo canal online da programação.
Nomes como Lawrence H. Summers, ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Theresa May, ex-primeira-ministra do Reino Unido, Amy Webb, futurista americana, autora, fundadora e CEO do Future Today Institute, e Serena Williams, tenista norte-americana, participam dos painéis de encerramento.
Nos EUA, oportunidades apesar da inflação
Se por aqui o quadro apresentado pelo ministro é de otimismo, nos Estados Unidos, onde a inflação também corrói os ganhos em capital de risco e a alta dos juros redireciona investimentos aos títulos do tesouro (T-Bonds), o momento é de oportunidades. Pelo menos, é que sustenta o megainvestidor americano Howard Marks, sócio-fundador e vice-presidente da Oaktree Capital Management, maior empresa de private equity do mundo, com US$ 164 bilhões sob gestão.
Com fortuna pessoal avaliada em US$ 2,1 bilhões, Marks ofereceu uma verdadeira aula aos presentes. Segundo ele, sua trajetória de mais de 50 anos no universo do capital de risco começou com um ensinamento que considera a noção de três estágios de um mercado otimista. O primeiro, em que apenas uma quantidade restrita de investidores percebe melhorias à frente. O segundo, em que se aceita de maneira generalizada as projeções positivas de futuro. E o terceiro, em que se passa à euforia e a acreditar que “tudo vai ficar bem para sempre”.
— No primeiro estágio, é quando você consegue os melhores preços (de ações) e ganha-se muito dinheiro. No terceiro, é quando você perde porque os papéis estão precificados bastante acima de algo razoável. Portanto, entender a diferença e ter a noção de em que ambiente se está é fundamental — ressaltou.
Marks, que viveu o último período de inflação de dois dígitos nos Estados Unidos, por oito anos, na década de 1970, identifica um cenário em que há muitos aspectos negativos, mas que não devem ser duradouros, e diz crer que o percentual, atualmente em 9%, chegue a 4% no próximo ano.
Sobre a inflação norte-americana, além de aspectos relacionados com a pandemia e a quebra das cadeias logísticas, ele lembra que, naquele país, após demissão voluntária em massa de 4 milhões de pessoas, existem, hoje, mais vagas de trabalho em aberto do que funcionários para ocupá-las. Isso, de acordo com sua leitura, exerce pressão para maiores salários, que, por consequência, despeja mais dinheiro na economia e eleva o que considera uma “expectativa de inflação que se autorrealiza”.
Ainda assim, quando o assunto é a estratégia de investimento, costuma dizer que é preciso evitar o chamado efeito manada. E garante que o processo depende menos das projeções macroeconômicas e mais de opiniões, mesmo que “imperfeitas” sobre os cenários.
— Prefiro sempre olhar de baixo para cima e comprar as empresas mais baratas no momento. Até porque existe uma frase sobre previsões que diz que existem aqueles que pensam que sabem e os que não sabem que não sabem e não me recordo de um grande investidor que tenha se caracterizado por fazer projeções macro — argumenta.