O Rio Grande do Sul desponta como destino brasileiro mais cobiçado para a exploração de uma nova, promissora e bilionária fonte de energia limpa. O Estado concentra o maior número de empresas interessadas em implantar parques eólicos em alto-mar no país, com 17 dos 54 empreendimentos desse tipo cadastrados até agora no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ou quase um terço das iniciativas. Para concretizar esse potencial, pelo qual apenas uma companhia prevê aplicar mais de R$ 100 bilhões, é preciso fazer um tema de casa que inclui o ajuste de normas legais e novas ampliações da capacidade de transmissão elétrica.
A exploração dos ventos sobre mar ou lagoas, chamada offshore, é uma das modalidades de geração energética com melhores perspectivas no mundo em razão da busca por fontes mais sustentáveis do que os combustíveis fósseis. O custo para implantar esse tipo de usina ainda pode ser mais do que o dobro em relação aos complexos terrestres, mas a diferença vem sendo reduzida, e muitas grandes empresas já priorizam esse modelo de exploração em razão dos ventos mais fortes, constantes e da menor disputa por espaço.
— Empresas que atuam na Europa, onde existe pouca terra desocupada, já foram para o alto-mar. Além disso, recebem bonificações de fundos internacionais de financiamento por desenvolverem projetos semelhantes em países em desenvolvimento. O crescimento do offshore vai ocorrer no Brasil, e os Estados que tiverem melhores recursos de vento e logística saem na frente — afirma a diretora de Operações e Sustentabilidade do Sindicato da Indústria de Energias Renováveis do Estado (Sindienergia-RS), Daniela Cardeal.
Ainda não há nenhum empreendimento do tipo no Brasil, mas os gaúchos estão no pelotão de frente dessa corrida pela transição energética. Para isso contam com ventos fortes sobre o mar, onde o potencial de geração chega a 80 gigawatts — para comparação, isso representa quase quatro vezes mais do que toda a capacidade instalada em parques eólicos terrestres atualmente no Brasil. Mas há outros itens que ajudam a explicar o interesse do setor privado, como a estrutura e o espaço disponíveis no porto de Rio Grande, a qualificação da mão de obra e a excelência das universidades.
— O vento é condição necessária, mas não suficiente. Projetos offshore envolvem grande complexidade, necessidade de infraestrutura de portos e capacidade de transmissão. O Rio Grande do Sul tem se mostrado atrativo justamente por já ter uma boa infraestrutura — avalia a presidente-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum.
O Estado tem hoje uma folga de aproximadamente 8,8 gigawatts para transmitir a energia gerada, obtida por meio da aplicação de R$ 6,5 bilhões. Mas já é preciso pensar em mais investimentos porque somente a capacidade dos projetos cadastrados somam mais de 15,5 gigawatts em solo e outros 44,7 gigawatts no mar. Novas ampliações dependem de leilões organizados pelo governo federal a partir de demandas discutidas com representantes do Estado. Por meio dos leilões, interessados da iniciativa privada assumem o custeio e a construção das novas linhas.
— Temos nos organizado com a Agência Nacional de Energia Elétrica e com o Ministério de Minas e Energia para discutir a ampliação da malha. Acreditamos ter tempo suficiente (até que os projetos atuais virem realidade) para aumentar ainda mais a nossa rede — afirma a secretária estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura, Marjorie Kauffmann.
Embora seja considerada uma fonte energética mais limpa, a exploração do vento sobre águas também mobiliza ambientalistas. Entidades como a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) já pediram "regras claras e fiscalização ativa e transparente" para parques offshore, assim como prever multas e planos de ação para eventuais desastres ambientais.
Primeiros projetos devem sair do papel até 2030
Especialistas e gestores públicos trabalham com o horizonte de 2030 para as primeiras eólicas offshore começarem a transformar vento em energia no Estado. Se os investimentos previstos se confirmarem, o Rio Grande do Sul poderia dar um salto econômico significativo nos anos seguintes.
O Ibama já definiu o que deve ser apresentado nos estudos ambientais. Mas falta definir a questão de como será feita a cessão de uso da área (marítima). Isso caberá ao Ministério de Minas e Energia (...). Também há um projeto tramitando no Congresso que prevê algo um pouco diferente, então acho que até meados do próximo ano teremos segurança jurídica para esses projetos.
EDUARDO WAGNER DA SILVA
Coordenador da Divisão de Licenciamento Ambiental de Energia Nuclear, Térmicas, Eólicas e Outras Fontes Alternativas do Ibama
O prazo é necessário para o país concluir os ajustes nas normas legais a fim de dar segurança jurídica ao processo de licenciamento dos projetos em alto-mar, para que as empresas interessadas realizem estudos ambientais em busca das licenças prévias, de instalação e operação, e para a montagem dos parques de aerogeradores sobre as águas. O processo de licenciamento ocorre em nível federal, no caso de complexos sobre o mar, ou na esfera estadual, no caso de águas internas como lagoas. O Rio Grande do Sul já conta com interessados em instalar parques na Lagoa dos Patos, por exemplo.
Em relação ao licenciamento federal, o Ibama publicou o termo de referência para estudos de impacto ambiental ainda em 2020. O governo federal agora ajusta os últimos detalhes para dar maior segurança jurídica aos processos de licenciamento — por enquanto, apenas dois empreendimentos já deram entrada formalmente nesta etapa, ambos localizados no Ceará.
— O Ibama já definiu o que deve ser apresentado nos estudos ambientais. Mas falta definir a questão de como será feita a cessão de uso da área (marítima). Isso caberá ao Ministério de Minas e Energia, mas estava faltando uma regulamentação interna do ministério. Também há um projeto tramitando no Congresso que prevê algo um pouco diferente, então acho que até meados do próximo ano teremos segurança jurídica para esses projetos — avalia o coordenador da Divisão de Licenciamento Ambiental de Energia Nuclear, Térmicas, Eólicas e Outras Fontes Alternativas do Ibama, Eduardo Wagner da Silva.
No Rio Grande do Sul, segundo a secretária de Meio Ambiente e Infraestrutura, Marjorie Kauffmann, está em fase final de conclusão o termo de referência que servirá como baliza para incluir a exploração offshore no plano de zoneamento eólico do Estado — documento que orienta processos de licenciamento no setor.
Ainda é difícil prever todo o investimento possível de se concretizar no Estado, até porque pelo menos quatro projetos se sobrepõem a outros já existentes e não terão como ser todos viabilizados. Também será necessário passar por todas as etapas de licenciamento ambiental. Mas somente um dos projetos mais adiantados, da Ocean Winds, que assinou um memorando com o governo gaúcho para implantar dois complexos, prevê investir até R$ 120 bilhões.
A companhia estima que hoje, no Brasil, o custo de implantação de uma usina eólica em alto-mar para gerar 1 gigawatt fique entre R$ 13 bilhões e R$ 16 bilhões. Como o Estado tem projetos em fase inicial com capacidade acumulada para 44 gigawatts, isso representaria, em tese, potencial de até R$ 704 bilhões. Mas essa cifra deve ser vista com cautela, pois depende de uma série de fatores ambientais, legais e de mercado para, ao longo das próximas décadas, aos poucos transformar vento em energia e recursos para os gaúchos.
Se o interesse dos investidores se confirmar, seria um sopro inédito de recursos privados para o Rio Grande do Sul. Para referência, um dos maiores investimentos discutidos recentemente no Estado - o complexo de regaseificação em Rio Grande - foi avaliado em cerca de R$ 6 bilhões.
— Precisamos levar em conta que esses investimentos ocorreriam ao longo de vários anos, não em um único momento. Mas, ocorrendo paulatinamente, têm capacidade de manter a nossa economia aquecida por um longo tempo. Além disso, teríamos um efeito positivo em toda a cadeia produtiva associada, impactando na indústria de transformação, em centros de tecnologia — avalia o secretário-chefe da Casa Civil, Artur Lemos.
Oito empresas já procuraram o porto de Rio Grande
Nos projetos para exploração de energia eólica em alto-mar, portos são considerados uma das instalações mais importantes para permitir a chegada, o manejo ou o despacho de peças de grande porte. Por isso, o porto de Rio Grande, no sul do Estado, já vem atraindo a atenção de possíveis investidores desse setor.
O gerente de Planejamento da Portos RS, Fernando Estima, revela que oito grupos empresariais já procuraram formalmente a gestão do porto gaúcho com interesse em transformar o local em uma possível base de operações para projetos offshore.
— Até já desenhamos uma rotina de atendimento para receber os representantes dessas empresas. Temos profundidade suficiente (para receber navios grandes), dois estaleiros disponíveis, muito espaço e mão de obra qualificada. Já recebemos muitos equipamentos grandes para complexos eólicos em terra, como pás e aerogeradores — afirma Estima.
Até já desenhamos uma rotina de atendimento para receber os representantes dessas empresas. Temos profundidade suficiente (para receber navios grandes), dois estaleiros disponíveis, muito espaço e mão de obra qualificada. Já recebemos muitos equipamentos grandes para complexos eólicos em terra, como pás e aerogeradores.
FERNANDO ESTIMA
Gerente de Planejamento da Portos RS
O gerente lembra que duas ou mais empresas podem compartilhar os estaleiros. A intenção do governo gaúcho, segundo o secretário-chefe da Casa Civil, Artur Lemos, é aproveitar o impulso trazido pelos ventos marinhos para alavancar outros setores da economia estadual, com a intenção de que a maior parte possível dos materiais utilizados nos complexos eólicos seja construída no próprio Estado.
— A ideia é aproveitar as qualidades do Rio Grande do Sul, a cadeia produtiva, as universidades, para que esses investimentos sejam um novo vetor de desenvolvimento — observa Lemos.