Parques eólicos que se converteram em símbolo de desperdício de dinheiro público no interior gaúcho, após serem paralisados sete anos atrás por problemas de gestão e um incidente climático, podem ganhar outro significado em breve e ilustrar nova onda de investimentos na geração de energia limpa no Rio Grande do Sul.
Conjuntos de aerogeradores desativados em Santana do Livramento, na Fronteira Oeste, estão sendo transferidos para novos investidores que prometem retomar as operações, e a CGT Eletrosul vai injetar R$ 2,1 bilhões em novo complexo a ser construído na mesma região. Os ventos favoráveis sopram ainda em outras direções: atualmente, há 78 novos projetos em andamento para produzir energia eólica no Estado, incluindo empreendimentos em busca de licenciamento em alto-mar com potencial bilionário. Se forem concretizadas, essas iniciativas previstas em terra, mar e lagoas dobrariam a quantidade de unidades geradoras em relação à estrutura atual.
O Rio Grande do Sul conta hoje com 80 parques instalados - a quinta maior produção desse tipo de energia no país. Mas quatro deles, integrantes de uma subunidade do Complexo Eólico Cerro Chato, estão fora de operação desde o final de 2014 na zona rural de Livramento - Cerro Chato 4, 5, 6 e Trindade. Uma quinta unidade, Ibirapuitã, é a única em funcionamento no empreendimento sob responsabilidade da Livramento Holding, cuja composição societária inclui a empresa pública CGT Eletrosul, detentora de 78% das ações, e do fundo de investimentos Brasil Energia Renovável, dono dos 22% restantes.
Monumentos
Os parques deixaram de operar desde que oito das 27 torres foram derrubadas por um temporal, e as demais acabaram inutilizadas, por volta do mesmo período, após a companhia argentina que era responsável pela manutenção e operação das estruturas, a Impsa, entrar em crise e encerrar as atividades no Brasil. Como só essa empresa contava com a capacidade técnica para manter seus equipamentos em atividade, as torres viraram gigantescos monumentos ao desperdício fincados no Pampa.
Agora, uma nova esperança sopra entre as pás imóveis das torres com mais de cem metros de altura. Em fase final de venda por parte da CGT Eletrosul e da Brasil Energia Renovável, os cinco conjuntos de aerogeradores erguidos a custo final de R$ 418 milhões serão assumidos por investidores que prometem recolocar todos os parques em operação. A negociação saiu por menos de R$ 5 milhões - cerca de 80 vezes abaixo do que foi desembolsado para montar o complexo hoje parcialmente sucateado.
— Não podemos adiantar detalhes porque ainda estamos fechando a operação (de aquisição) e, até isso ser concluído, temos cláusulas de confidencialidade a cumprir. Mas posso dizer que a ideia é levantar novamente os quatro parques que não estão operativos — diz o representante dos compradores, Arthur Moura, em contato por telefone desde o Rio de Janeiro.
O contrato foi assinado em nome de sua empresa, Arthur Moura Engenharia, mas o responsável afirma que haverá outros investidores envolvidos na recuperação do complexo, ainda a serem divulgados.
Segundo nota da assessoria de comunicação da Eletrosul, a alienação das estruturas está bem encaminhada: "o contrato de compra e venda de ações foi assinado, e a consolidação do processo, com a transferência das ações, está condicionada à obtenção das anuências necessárias e à deliberação da Assembleia Geral dos Acionistas" - passos que devem ser cumpridos nas próximas semanas.
Potencial
Se a intenção dos futuros proprietários se confirmar, seria possível retomar o potencial de geração de 79 megawatts (MW) de energia do complexo sob responsabilidade da Livramento Holding - o suficiente para atender 450 mil pessoas, mais do que a população de Canoas e Esteio somadas. Atualmente, são gerados apenas 25 MW em Ibirapuitã. O Estado conta hoje com potência instalada total de 1,8 mil MW de energia eólica.
— As iniciativas na área de Livramento são significativas porque marcam uma retomada de investimentos em um Estado que ficou bom tempo sem atrair empreendimentos porque estava sem linhas de transmissão, e foi feito trabalho forte para recuperar essa capacidade de transmitir a energia gerada — afirma a presidente-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum, em referência a R$ 6,5 bilhões que estão sendo aplicados em obras para ampliar em 8,8 mil MW a margem de transmissão no RS.
Em razão da confidencialidade até que a negociação esteja concluída, ainda não há informações sobre o valor necessário para recolocar todo o complexo de Livramento em funcionamento, prazos ou o tipo de equipamento que será empregado, já que as torres da Impsa deixaram de funcionar pela saída da empresa do país.
O complexo eólico localizado às margens da BR-293, que há mais de sete anos se mostrava como um conjunto de parques-fantasmas com as gigantescas estruturas de metal, fibra e plástico paralisadas, agora aguarda que os novos ventos mudem o rumo de uma história que parecia condenada ao fracasso.
O histórico dos cinco parques
- Os cinco parques da Livramento Holding, também conhecida pela denominação Eólicas do Sul, entraram em operação a partir de 2013 com 39 aerogeradores e 79 megawatts (MW) de potência (capaz de atender 450 mil pessoas).
- O empreendimento, em sociedade da CGT Eletrosul (78% das ações) e da Brasil Energia Renovável (22%), contava com equipamentos da empresa argentina Impsa, que fazia a operação e manutenção de 27 geradores de quatro parques (Cerro Chato 4, 5, 6 e Trindade), e da WEG, responsável pelos 12 restantes do parque de Ibirapuitã.
- Em dezembro de 2014, um temporal derrubou oito dos 27 cata-ventos da Impsa. A Eletrosul alegou "evento de força maior", mas relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apontou que poderia ter sido adotado "maior coeficiente de segurança" nos equipamentos. Além disso, a Impsa passou a enfrentar crise financeira que suspendeu suas atividades no país.
- A Eólicas do Sul contratou consultoria para tentar manter as unidades em funcionamento. A conclusão foi de que, como só a Impsa detinha o conhecimento técnico para operar os sistemas informatizados, capacidade de repor peças e fazer manutenção, não haveria como reativar os quatro parques afetados.
- Só o parque de Ibirapuitã seguiu operando, com 12 aerogeradores da WEG e potência de 25 MW.
- No ano passado, a Eletrosul, vinculada à Eletrobras, decidiu se desfazer das ações da Livramento Holding, com possibilidade de venda conjunta das ações da Brasil Energia Renovável.
- Em março deste ano, a empresa Arthur Moura Engenharia assinou contrato de aquisição de 100% das ações, com a transferência ainda dependendo de questões burocráticas para efetivação. A promessa dos compradores é de voltar a investir para recolocar todo o complexo em atividade.