O alívio durou pouco. Depois de permanecer por dez meses acima de R$ 5 e iniciar uma curva de baixas, em 21 de março, quando fechou em R$ 4,94 e seguiu em declive, a taxa de câmbio voltou trazer preocupações. Puxada por expectativas de aumento no rimo de elevações dos juros dos Estados Unidos e temores com a forte desaceleração na economia chinesa, o real se desvalorizou em 4,9% em abril diante da moeda norte-americana e, no primeiro pregão de maio, encerrou a segunda-feira (2) em alta de 2,63%, cotada a R$ 5,07.
O ponto de partida para o novo processo de desvalorização do real aconteceu na sexta-feira (22/4), ocasião em que o dólar foi alçado à casa dos R$ 4,80. Desde então, com exceção do pregão da quinta-feira (27/4), acumula avanços. Para entender melhor a trajetória, é preciso retornar ao dia 1º de julho de 2021. À época, após longo período de sobe-e-desce, a taxa bateu em R$ 5,01 e por lá permaneceu.
Na sequência de um aumento de 14,57%, chegou ao pico de R$ 5,74, em 20 de dezembro do ano passado. Desde então, inverteu o rumo e, em 4 de abril, atingiu o nível mais baixo do ano (R$ 4,60), após queda de 19,8% entre a maior e a menor cotação, ficando pouco mais de um mês fixada no campo inferior aos R$ 5.
Agora, existe um consenso entre os analistas. Segundo eles, dois fatores pressionam o câmbio no Brasil e nos demais países. O primeiro, diz respeito a projeção de que a reunião do Fomc (comitê de política monetária dos Estados Unidos) possa elevar a taxa de juros do país, dos atuais 0,5 pontos percentuais para 1, na próxima quarta-feira (4). O segundo é o temor com as medidas restritivas implantas em Xangai e Pequim na China, para conter novos casos de covid-19, que teriam força para provocar uma forte desaceleração, pois comprometem a organização de cadeias produtivas e do fluxo logístico no planeta.
Por isso, a ansiedade que cerca os investidores, conforme explica o economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Marcelo Portugal, teve origem nas declarações do presidente do Banco Central dos Estados Unidos, o Fed, Jerome Powell, há dez dias, indicando que a tendência é de ampliação na escalada dos juros daquele país. A ação seria necessária para conter a inflação que já rompe os 8% no mercado doméstico, algo não visto ´por lá desde 1981.
— Os juros nos Estados Unidos são uma variável fundamental para determinar o câmbio no mundo todo. Há 45 dias o Fomc aumentou a taxa em 0,25 ponto percentual. A expectativa era de repetir esse patamar, mas manifestações recentes indicam que o ritmo vai dobrar soma-se a isso a China, ou seja, o receio é dado pelo fato de que as duas locomotivas econômicas do planeta começam a fraquejar — resume Portugal.
Efeitos
Na prática, acrescenta o economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, a dinâmica estabelecida, a partir das manifestações do Fed, funciona como uma espécie de “convocação” para que os dólares voltem para casa: os EUA. Isso significa menos investimento em carteiras emergentes, caso do Brasil. O resultado é a valorização mais expressiva da moeda norte-americana, não apenas frente ao real, mas também, perante todas as demais (veja mais no gráfico).
Da Luz lembra que esse dinheiro ingressou no Brasil atraído pelas elevadas taxas de juros locais, mas não chegou via investimento estrangeiro direto, que é o aplicado em empresas, propriedades ou projetos duradouros e, portanto, tem pouca liquidez. Pelo contrário, o capital desembarcou por aqui de forma especulativa:
— Agora vai sair com a mesma velocidade que entrou.
Para o economista-chefe da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-Porto Alegre), Oscar Frank, o momento é de incertezas, mas as cartas jogadas à mesa indicam que os reflexos serão um combustível extra para a inflação no Brasil. Os preços do atacado, mais sensíveis ao câmbio, terão impactos mais rápidos, sustenta.
Por outro lado, Frank afirma que eventuais os benéficos com o dólar abaixo de R$ 5 (de 21 de março a 2 de maio) não tiveram tempo de serem absorvidos, isto é, foram nulos para reduzir custos de produção e de matérias primas, remarcados durante o período de alta. E, agora, comenta, o horizonte anuncia, outra vez, um ambiente de maior imprevisibilidade que afeta, sobretudo, decisões de consumo, investimento e contratações no mercado interno.
Volatilidade é o fator mais prejudicial, dizem economistas
Mais prejudicial do que o patamar – elevado ou baixo – do dólar é a volatilidade. O sobe e desce das valorizações, conforme aponta Valter Bianchi Filho, sócio-diretor da Fundamenta Investimentos, é ruim porque boa parte dos preços de bens transacionados no Brasil é referenciado nas cotações em dólar. Isso vale para a agricultura, indústria e comércio.
Assim, comenta, na esteira de mudanças cambiais bruscas, vem os ajustes, que geram problemas para o planejamento, tanto dos vendedores quanto dos compradores. No caso do Rio Grande do Sul, acrescenta Bianchi, que é exportador de produtos agrícolas e importador de fertilizantes e outros insumos (ambos com preços internacionais em dólar), essa volatilidade impõe desafio ainda maior.
Na mesma linha, o economista-chefe da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), André Nunes, assegura que, no setor, mudanças abruptas, como as que acontecem hoje, atrapalham projetos e vendas no exterior. Mesmo que as maiores empresas consigam acessar instrumentos de proteção cambial, caso do chamado hedge (operação em bolsa para fixar o preço do dólar futuro), isso tem um custo e não está ao alcance de todos.
E a pior notícia, acrescenta o economista e professor Portugal, é que essa trajetória de volatilidade deve permanecer bastante intensa, pelo menos, até a quarta-feira (4). Na ocasião, os investidores terão acesso aos novos movimentos do Banco Central norte-americano e os ânimos poderão ser acalmados ou não:
— O dólar é como uma previsão climática, difícil de acertar. As vezes sobe no boato e cai no fato. É que quando o que se espera acontece, mesmo que seja ruim, passa a ser conhecido. A reunião vai ser boa para tirar a cortina de fumaça sobre as reais tendências do Fed.