Após um ano marcado pelo início da retomada da economia, serviços e comércio apresentaram a melhor arrancada entre os setores no começo de 2022 no Rio Grande do Sul. Ambos os segmentos registraram variação positiva no acumulado dos dois primeiros meses do ano ante o mesmo período de 2021, enquanto a indústria apresentou recuo. Os dados fazem parte das pesquisas mensais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgadas nos últimos dias.
Um dos setores mais afetados pelas restrições impostas pela pandemia, serviços apontou a maior alta no primeiro bimestre. Recuperação após abertura das atividades e espaço maior para retomada estão entre os fatores que ajudam a explicar esse movimento, segundo especialistas.
Principal ponto de tração da economia no país, o setor de serviços avançou 1,6% em fevereiro e segue acima do patamar pré-pandemia. No acumulado dos dois primeiros meses do ano, esse segmento anota alta de 12,8% em relação ao ano anterior. No mesmo período do ano passado, serviços registraram queda de 8% (veja mais abaixo).
— Se você olhar o que está aumentando, são os serviços prestados às famílias, que, no ano passado, estavam extremamente restritos. Aquele final de mês de fevereiro apresentou queda de atividade porque já tinha a questão da pandemia ganhando mais força. Tivemos isso de novo em março do ano passado. Essas coisas acabam derrubando a base de comparação e tornando os dados deste ano muito mais significativos — explica a economista-chefe da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), Patrícia Palermo.
O grupo de serviços prestados às famílias, que também agrega atividades de hotelaria e de alimentação, teve o maior avanço dentro do setor, no acumulado deste ano, com alta de 21,7%.
O professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do RS (UFRGS) Maurício Weiss afirma que o fato de o segmento de serviços não ser um grande tomador de juros ajuda o setor a avançar mais no contexto atual da economia do país:
— Você vai fazer um consumo e paga à vista. Não vai fazer um financiamento para consumir o setor de serviços. O setor de serviços não sofre tanto impacto do aumento da taxa de juros — explica Weiss.
Já o comércio varejista acumula alta de 6,8% no primeiro bimestre. No entanto, esse volume ainda é menor do que a perda no mesmo período de 2021. Na comparação com o nível antes da crise sanitária, o comércio mantém patamar praticamente estável. Inflação e juros altos são alguns dos fatores que impedem cenário melhor para o comércio, segundo a economista-chefe da Fecomércio-RS.
O que a gente está sentindo com os empresários é uma certa quebra de expectativas que se tinha, que a gente iria ter um maior nível de normalização das cadeias de suprimentos e junto com isso uma estabilização dos custos de produção
ANDRÉ NUNES DE NUNES
Economista-chefe da Fiergs
— Por mais que você pegue hoje os indicadores ligados à intenção de consumo das famílias e observe que elas estão menos pessimistas, elas ainda não estão otimistas. A previsão do ano para o varejo é repleta de desafios — destaca Patrícia.
Os segmentos de livros, jornais, revistas e papelaria e de artigos farmacêuticos têm destaque na variação dentro do comércio no Estado no acumulado do ano.
A indústria vive momento inverso ao registrado no início do ano passado, quando liderava durante a retomada. Nos dois primeiros meses deste ano, a indústria gaúcha recuou 4,8%, mas segue em patamar acima do pré-pandemia.
O economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), André Nunes de Nunes, afirma que os indicadores do setor neste início de ano são comparados com uma base forte da indústria no ano passado. Além desse fator, a quebra de expectativa em relação à normalização das cadeias de suprimentos e estabilização dos custos de produção também entram nessa equação, segundo o especialista. Nunes salienta que a guerra na Ucrânia ajuda a manter esse cenário de insumos com preço elevado.
— É um momento em que a gente vê o empresário industrial com uma certa dificuldade de enxergar o que vai ser o futuro. Uma certa encruzilhada no sentido de saber como vai se dar essa evolução dos custos em relação à evolução do que se tem esperado para a demanda — explica o economista-chefe da Fiergs.
Os segmentos de couro e calçados, produtos de borracha e plástico e móveis apresentaram os maiores recuos dentro da indústria no acumulado deste ano.
Cenário para os próximos meses
Especialistas avaliam que a permanência de alguns problemas, como inflação persistente, que corrói os rendimentos das famílias, e taxa de juro em patamares elevados, limitam o avanço da atividade econômica no país. As eleições podem colocar mais um ingrediente nesse movimento.
Nesse sentido, analistas e entidades projetam ano com crescimento tímido da economia no país. No Rio Grande do Sul, a sequência de meses com chuva insuficiente derruba ainda mais as expectativas para o fechamento do ano.
Por mais que a gente tenha um resultado positivo no comércio no acumulado do ano até agora, isso não vai se manter. Isso vai se deteriorar ao longo do ano. Tem a inflação corroendo a renda das famílias, os juros altos diminuem o apetite por crédito e pesam nas dívidas anteriores e existe a incerteza
PATRÍCIA PALERMO
Economista-chefe da Fecomércio-RS
A economista-chefe da Fecomércio reforça que 2022 será um ano desafiador. Alta de preços e dificuldade de obter crédito com condições melhores freiam o consumo da população, segundo a especialista. Patrícia destaca que o Estado tem uma questão a mais dentro desse processo:
— A gente enxerga mais potencial para serviços do que para bens, mas ambos não viajam em céu de brigadeiro. Ambos têm seus limitadores, um maior do que o outro, e sofrem. A gente vê claramente um ano no qual a economia como um todo vai crescer pouco. Aqui no Rio Grande do Sul, é muito provável que tenha até desempenho negativo em virtude da estiagem.
Na indústria, o economista-chefe da Fiergs afirma que ainda é cedo para projetar com mais precisão como o setor vai fechar 2022. No entanto, ele destaca que dificilmente será um ano de avanço mais expressivo, como o registrado em 2021.
— Se a gente tiver crescimento, vai ser tímido, com uma taxa de um dígito e bem baixa. Isso na medida em que a gente espera uma retração do PIB da economia gaúcha como um todo, muito por conta das consequências da estiagem — pontua Nunes.