Uma combinação de fatores internos e externos, que afeta de maneira distinta os diversos segmentos do setor produtivo, acende alerta na Federação das Indústrias do Estado (Fiergs). A preocupação dos empresários fabris é em relação aos efeitos de um cenário de imprevisibilidade, que podem afetar a manutenção da mão obra e as próximas negociações salariais dos trabalhadores.
Em comunicado, a entidade afirmou que a indústria gaúcha vive “crise inédita”. O motivo, segundo o presidente da entidade, Gilberto Porcello Petry, é que os principais indicadores não conseguem traduzir a real situação do setor, que enfrenta várias crises ao mesmo tempo.
— Sempre fazemos uma série de pesquisas e chegamos a uma média. Se três empresas aumentaram 10% das vendas e uma baixou 10%, o resultado ainda vai ser positivo. Resolvi ouvir os empresários individualmente porque o que chega até mim, muitas vezes, não coincide — afirmou Petry.
Os relatos dos empresários foram coletados durante reunião de diretoria da entidade, com representantes de 30 atividades instaladas no Estado. Problemas com fornecimento de implementos e matéria-prima, altos custos de produção e até recusa de pedidos diante da incerteza sobre os ganhos estão entre os problemas listados pelos industriais que relataram dificuldades.
Em declaração à colunista Marta Sfredo, o presidente da Fiergs disse que o fato da crise ser considerada "inédita" não significa que seja a pior já enfrentada pelo setor.
Uma combinação de fatores conjunturais leva ao quadro. A primeira é a desorganização na cadeia de suprimentos, que se soma a uma inflação externa causada pelo conflito entre Rússia e Ucrânia, influenciando, principalmente, o custo da energia, como o preço do petróleo.
Também entram na conta os efeitos do câmbio, com oscilações do dólar, e a logística externa, afetada pela falta de contêineres e outros gargalos do transporte marítimo.
Há ainda os fatores internos. A inflação no país é outro complicador para a produção, já que há um sobrepreço em grande parte dos insumos. Além do alto custo do frete, também impactado pelo preço dos combustíveis.
Segundo dados da Pesquisa Industrial Mensal — Produção Física Regional, divulgados nesta sexta-feira (8) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção industrial no Rio Grande do Sul registrou queda de 3,3% em fevereiro na comparação anual.
Já no Índice de Desempenho Industrial gaúcho (IDI-RS), medido pela Fiergs, houve alta de 3,7% em fevereiro ante o mesmo mês de 2021, a 18ª taxa positiva consecutiva. Na avaliação mensal, porém, a atividade teve recuo de 1,4% em fevereiro ante janeiro.
O dado da Fiergs mostra a desigualdade entre os setores. No acumulado do ano, enquanto as indústrias de máquinas e equipamentos (+15%), de veículos automotores (+15,8%) e de informática e eletrônicos (+23,8%) tiveram desempenhos positivos, alimentos (-2,8%), móveis (-10,4%) e produtos de metal (-3,9%) mostraram os recuos mais relevantes.
Para a economista Maria Carolina Gullo, professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), o contexto que leva ao alerta da entidade tem como destaque o momento de heterogeneidade no setor industrial. Ou seja, há uma grande diferença entre os vários segmentos que compõe o setor, com realidades distintas nas empresas.
— São vários segmentos dentro da indústria, alguns estão bem, outros nem tanto. Na média, parece que está tudo certo, mas temos um setor que na verdade está muito heterogêneo. Quando se leva isso para fora, fica parecendo que o setor está bem, quando na verdade o que estão alertando é que o indicador não reflete exatamente o que está acontecendo — avalia a economista.
Efeitos
Como reflexo, o “cenário de imprevisibilidade”, diz Petry, tende a respingar na contratação de mão de obra e nas negociações salariais dos trabalhadores da indústria. Os contratos coletivos têm como base o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que é calculado pelo IBGE.
— O empresário tem que planejar o futuro do seu negócio e não sabe o que vai acontecer. Isso soma ao fato de que começa a época das negociações coletivas. Com índice de INPC elevado, já não sabemos se muitas empresas vão conseguir dar, como vão resolver, se vão ter que parcelar — admite o dirigente.
Novamente, o efeito deve atingir o setor de maneira distinta.
— Provavelmente, os setores que não estão conseguindo bons resultados vão ter mais dificuldade de incorporar o aumento salarial que será colocado baseado na média do setor. Para quem está muito bem, talvez incorpore sem dificuldades, mas aqueles que estão na outra ponta, que estão sofrendo com todos os fatores colocados, terão maior dificuldade de honrar esse dissídio, o que pode até eventualmente implicar em redução de mão de obra nessas fábricas — diz Maria Carolina.
Ricardo Franzoi, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que intermedeia as negociações salariais, acrescenta que o setor privado sempre faz ajustes pela folha de pagamento nos momentos de crise, ou seja, cortando postos. E que é inevitável que as categorias tentem buscar, pelo menos, o poder de compra perdido com a inflação.
— Não tem como abrir mão de uma inflação que possivelmente vá bater em 12% ou 13%. Ainda mais quando está sendo causada por itens que são de difícil redução de consumo, como energia elétrica e gás de cozinha. Só esses dois itens consomem praticamente 40% de um salário mínimo — defende Franzoi.
O economista ponderou o tom do comunicado da Fiergs, dizendo que entidade costuma relatar incertezas quando se aproximam as datas-bases das negociações, que no Rio Grande do Sul se concentram no mês de maio. Franzoi citou 2018, quando uma nota dos industriais endereçada ao governo do Estado exigiu uma série de medidas, entre elas a reforma administrativa, a reforma da previdência e privatizações, para criar um ambiente favorável aos investimentos.