Diante do cenário que não só eleva as dificuldades para as pessoas em busca de emprego, mas também reduz o potencial de produtividade do país, especialistas afirmam que a saída passa por "repensar a educação". Essa reflexão é considerada o único elemento capaz de diminuir o abismo existente entre a oferta de mão de obra sem qualificação e a demanda no mercado de trabalho. A fórmula? Unir esforços entre o poder público e o setor produtivo.
E, de alguma maneira, é isso que começa a acontecer. De acordo com o diretor de Educação da Federação das Entidades Empresariais do RS (Federasul), Fernando de Paula, cada vez mais as empresas terão de levar iniciativas de preparação para além dos próprios muros. Trata-se, segundo ele, de um "novo caminho" sem volta:
— Empresas se deram conta que precisam fazer a formação chegar até a comunidade. Há convergência, porque as comunidades também se dão conta que as pessoas necessitam de preparo.
Já o governador Eduardo Leite afirma que o papel do Estado é oferecer, seja no ensino regular ou em cursos, formações mais condizentes com as novas demandas da economia.
— Por isso, temos cada vez mais o reforço de professores de matemática para aumentar a carga horária e a capacidade de raciocínio lógico. O poder público deve estar alinhado para que a formação venha na direção do que o mercado de trabalho vai exigir — argumenta.
Em 2022, lembra o governador, entra em vigor o novo Ensino Médio. A ideia é corrigir, em parte, o problema com a ampliação das atuais 800 horas-aula/ano, para mil horas-aula/ano. Para o diretor do Sesc e Senac-RS, José Paulo da Rosa, a mudança é muito bem-vinda porque existe uma espécie de "inversão" que segrega os profissionais e as oportunidades do mercado.
De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas 10,5% dos estudantes de Ensino Médio brasileiros fazem algum tipo de curso técnico. Por outro lado, a média dos 38 países desenvolvidos signatários da organização fica em 42,2%. Já, no Brasil, diz Carlos Trein, diretor do Senai, há uma prevalência de opções pelos cursos superiores.
— Não jogo contra a graduação, mas fica evidente que existe desequilíbrio entre o que se vê em países desenvolvidos e o que praticamos aqui. Enquanto nesses países existem mais pessoas inseridas no mercado de trabalho, aqui, para cada um aluno que faz curso profissional existem seis que preferem a graduação. Isso atrasa a formação técnica, retarda o ingresso no mercado de trabalho e provoca essa grande falta de profissionais — argumenta.
De acordo com o diretor de Educação da Federasul, cada vez mais as empresas terão de levar iniciativas de preparação para além dos próprios muros. Trata-se, segundo ele, de um "novo caminho" sem volta. No Rio Grande do Sul, não é diferente.
Uma série de iniciativas nasce, seja no interior das organizações ou em conjunto com os governos, para amenizar a defasagem em curto e médio prazo. Não é por acaso que, no dia 14 de outubro, o governo gaúcho lançou o programa Avançar na Educação. Entre as metas do projeto, que conta com investimento de R$ 1,2 bilhão, estão melhorias em infraestrutura, tecnologia, capacitação e ações para turbinar a aprendizagem no Estado.
Projeto Bússola
Esta reportagem integra a série que o Grupo RBS preparou para a retomada econômica com iniciativa do setor produtivo. Quatro temas fundamentais foram mapeados e serão aprofundados pelo Projeto Bússola, que tem patrocínio do Sebrae: capacitação de profissionais, distribuição e logística, sustentabilidade e novas regras sanitárias. A série será veiculada em GZH, Zero Hora, Rádio Gaúcha, no "Gaúcha +", e RBS TV, no "RBS Notícias".
Desafio de atender a demanda por tecnologia
Todos os anos 100 mil novas vagas em tecnologia da informação (TI) são criadas no Brasil. Em contrapartida, em igual período, apenas 46 mil profissionais saem das universidades, cursos técnicos e institutos federais do país preparados para exercê-las. Assim, a defasagem de pessoas qualificadas nesse segmento aumenta 8% em média, a cada mês. Até 2024, a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) projeta a criação de 420 mil postos de trabalho. A má notícia é que 150 mil não serão preenchidos por falta de pessoas qualificadas.
No Rio Grande do Sul, não são poucas as iniciativas destinadas a solucionar a equação desfavorável em um setor que movimentou R$ 24,5 bilhões na economia gaúcha em 2020, e tem projeção de crescer 14%, em 2021. Uma é a +praTI, que reúne 40 empresas e oferece quatro trilhas de formação. Das 4 mil vagas, mais de mil bolsas estão disponíveis.
Outra ação é o Campus Caldeira, programa que terá área de 4 mil metros quadrados na zona norte de Porto Alegre. A meta: preencher 2 mil postos mapeados.
Em São Leopoldo, estão abertas 3 mil vagas gratuitas — 540 para este ano — em parceria entre o Senac, a Unisinos e o Tecnosinos. Mais 6 mil são disponibilizadas nas unidades do Senac-RS.
Recentemente, o governo do Estado entrou no desafio. Com financiamento do BRDE, criou o Dev the Dev. A ideia é formar mil desenvolvedores de sistemas — 500 garotos e 500 garotas —, estudantes da rede pública estadual de todas as regiões do RS.
A coordenadora do programa no Tecnopuc, Daniela Carrion, explica que a ação ocorrerá no Centro de Inovação PUCRS, que, normalmente, atende a demanda por formação das empresas do polo. Nesse contexto, já existem as chamadas Aceleradoras Inclusiva e Ágil, destinadas às pessoas em alguma situação de vulnerabilidade socioeconômica ou egressos do Ensino Médio.
Agora, explica, será possível ganhar escala e chegar a um número expressivo de pessoas com a mesma metodologia do Centro de Inovação e a expertise dos professores da PUCRS. Matheus Varella é um dos jovens que sentiu na pele o papel transformador deste modelo. Ele foi um dos integrantes da aceleradora em 2016. Aos 18 anos, tinha reserva financeira para um semestre de faculdade. Errar na escolha do curso não era opção para o momento. Por isso, buscou curso técnico, a fim de "validar" as próprias expectativas.
Descobriu no Tecnopuc que seu lugar era no design de softwares. Concluiu a formação em 2018 com o primeiro emprego garantido. Em menos de quatro anos, passou por consultorias, startups e instituições financeiras até chegar ao posto de sênior product designer do iFood, ou seja, faz parte da equipe que projeta a experiência dos usuários do aplicativo.
— Teve um papel transformador, fundamental, para encurtar o processo de entendimento do que queria fazer e, sobretudo, para aprender a aprender — diz Varella.
Qualificação transformada em história de vida
Nem tão distante das necessidades tecnológicas, o comércio enfrenta as mesmas dificuldades. Ainda que o preenchimento de vagas no segmento econômico que emprega 977 mil gaúchos, segundo o IBGE, possa parecer menos complexo, na prática, o que se vê é bem diferente.
Na Lojas Colombo, a preocupação vem de longa data. Tomou forma, em 2012, com a UniColombo (Universidade Colombo). Atualmente, com 91 cursos, de nove categorias, a iniciativa formou mais de 5 mil alunos.
A analista de Educação e Desenvolvimento Sênior da rede, Elisane Wartha Gregolin, trabalha há 16 anos na empresa. Começou como temporária, foi efetivada e, mais tarde, participou da construção da plataforma de treinamentos. Naquela época, conta, a maior carência era em técnicos de vendas para abastecer as 240 lojas físicas da varejista em três Estados.
— A escola não prepara para o primeiro emprego. Em nenhum momento os estudantes são orientados, e as empresas precisam assumir a responsabilidade de desenvolver as pessoas para que possam prosperar — resume.
Foi assim com Ricardo Alex Gross, 45 anos, atual gerente comercial do Grupo Colombo. Antes de ocupar um dos postos mais almejados na hierarquia organizacional, ele passou por várias formações internas.
Em fevereiro de 1997, quando chegou à Colombo, tinha no currículo o Ensino Médio, uma breve experiência na indústria calçadista de Igrejinha e outra em um hotel da serra gaúcha.
— Até brinco que não entendo por que me contrataram. Deve ser pela mesma dificuldade que hoje ainda temos em alguns cargos — diz.
A primeira função exercida foi a de cobrador. Seis meses depois, passou para as vendas. Em 2005, viria a primeira chance em programa de trainee. Após 90 dias, Gross foi um dos selecionados para gerente de loja. Há cinco anos, participou de mais um processo, desta vez para supervisor de lojas. Assumiu a cobiçada região metropolitana de Porto Alegre. Em abril de 2021, chegou a promoção para gerente comercial.
Hoje, ele participa dos programas, ao lado de outros colegas, como exemplo de sucesso. Assim como Gross, cerca de 95% dos cargos de gestão são exercidos por "pratas da casa".
— Em fevereiro de 1997, eu buscava um emprego. Jamais imaginei que encontraria uma história de vida — comenta.