Quando são divulgados os dados de desemprego, a primeira reação é imaginar uma fila de pessoas em disputa por pouquíssimas vagas disponíveis. Também é possível pensar que a economia anda mal e as empresas não conseguem gerar oportunidades suficientes para dar conta de atender a quem busca por uma chance no mercado de trabalho.
Nem sempre é assim. Não se trata de negar os 14,4 milhões de desempregados, mapeados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas existe um fator tão prejudicial quanto qualquer outro reflexo macroeconômico nessa equação. É a carência de formação profissional.
O Rio Grande do Sul, por exemplo, tem uma das menores subutilizações (inclui, além de desempregados, quem trabalha menos do que poderia) da força de trabalho do país. Com 17,7%, o Estado fica atrás apenas de Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, e bem abaixo da média nacional, fixada em 28,6%.
Ainda assim, são mais de meio milhão de gaúchos à procura de colocação no mercado. E, ao direcionar o foco da análise para as vagas em aberto, percebe-se, em muitos casos, que não faltam oportunidades, mas sim qualificação para preencher os requisitos necessários.
Técnico do IBGE no RS, Walter Rodrigues explica que, por mais que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) não demonstre onde estão as sobras, existem fortes indícios do peso da ausência de capacitação profissional nos resultados:
— Acredito que haja correlação. Temos o problema do desemprego, mas não é só isso. É o emprego com carga horária baixa e o aproveitamento aquém do potencial.
Um dos segmentos em que a relação fica mais evidente é a tecnologia da informação (TI). No Estado, as contratações do setor saltaram 16,3% na última década. Foram 33 mil só no segundo trimestre deste ano.
O panorama não é uma exclusividade das ocupações tecnológicas. Pelo contrário, em funções de menor complexidade e, especialmente, na indústria de transformação, cuja redução de contratações foi de 26,6% em igual período, nota-se que essa também é uma realidade.
Projeto Bússola
Esta reportagem integra a série que o Grupo RBS preparou para a retomada econômica com iniciativa do setor produtivo. Quatro temas fundamentais foram mapeados e serão aprofundados pelo Projeto Bússola, que tem patrocínio do Sebrae: capacitação de profissionais, distribuição e logística, sustentabilidade e novas regras sanitárias. A série será veiculada em GZH, Zero Hora, Rádio Gaúcha, no "Gaúcha +", e RBS TV, no "RBS Notícias".
Dificuldades
Para vários especialistas, executivos e estudiosos do assunto, não faltam ofertas de trabalho. Na verdade, o que anda em escassez é gente qualificada. Diretor regional do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-RS), Carlos Trein é uma entre tantas vozes a endossar a premissa. O problema, constata, é que mais dificuldades se anunciam no horizonte. Isso acontece, segundo ele, porque a pandemia escancarou lacunas já existentes no desempenho dos estudantes em competências básicas como leitura, interpretação de texto e raciocínio lógico.
— Agravou a situação, principalmente, no ensino público, onde há previsão de evasão elevada e a estrutura é inadequada para substituir as aulas presenciais — afirma.
Dados do Insper para o Ensino Médio nacional confirmam o temor. Indicam que, em modelo remoto, o aprendizado dos estudantes chegou somente a 17% do conteúdo esperado em matemática e 38% em língua portuguesa no ano passado.
O mesmo levantamento, assinado pelo especialista Ricardo Paes de Barros, crava com base em metodologia da Organização das Nações Unidas (ONU) que, salvo por recuperação das perdas educacionais, cada um dos alunos prejudicados sofrerá corte de renda fixado entre R$ 20 mil e R$ 40 mil, ao longo da vida laboral. Assim, o prejuízo já superaria a marca de R$ 700 bilhões no Brasil.
E essa é apenas uma das maneiras de calcular as consequências da carência de formação, neste caso, acentuada pelo vetor pandemia. Os efeitos do que já ocorria, antes das mudanças provocadas pela covid-19 nas salas de aula, também se relacionam com o desenvolvimento econômico.
Especialista educacional e vice-presidente do Instituto Ayrton Senna por 15 anos, entre 2006 e 2021, Emílio Munaro comenta, com base em outro estudo do Insper, que nas últimas três décadas o Brasil quase dobrou o tempo médio de educação. O indicador saltou de quatro para 7,2 anos.
A produtividade, por outro lado, diz Munaro, cresceu apenas 0,02% no período. Enquanto isso, países como Coreia do Sul, Malásia e Chile, em igual intervalo de tempo, viram suas médias educacionais saltarem de sete para 12 anos e a produtividade exibir curvas exponenciais. O motivo? Investimentos melhor direcionados, afirma Munaro:
— Com 220 milhões de habitantes, mais de 60 milhões de estudantes, o que supera a população inteira da Espanha, e 2,5 milhões de professores, é preciso olhar com uma lupa e viés de política pública para endereçar essas pessoas ao mercado de trabalho.