Com o Banco Central (BC) flertando com o tamanho do novo aumento na taxa básica de juro, setores da economia avaliam que a sequência desse movimento terá impacto na retomada da atividade. A estimativa predominante no mercado é de que o Comitê de Política Monetária (Copom) eleve em um ponto percentual a Selic no encontro que começa amanhã e vai até quarta-feira. Hoje, a taxa está em 5,25% ao ano.
Especialistas de mercado e economistas de entidades setoriais ouvidos por GZH apontam desaceleração na retomada da economia com escalada da Selic, mas parte deles destaca que a ação visa evitar danos maiores no médio prazo.
O economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) Rafael Cagnin avalia que esse ciclo de altas na Selic não traz impacto imediato para a economia, mas deve desacelerar a retomada entre a reta final deste ano e o primeiro semestre de 2022. Cagnin afirma que essa sequência de elevação na taxa de juro não ocorre no momento ideal, pois freia o crescimento justamente quando o qual o país tenta sair do buraco após crises.
— Você adia ainda mais o retorno, a virada de página da crise da covid. E isso afeta tudo: a geração de produção, ou seja, de crescimento, consequentemente de reposição do emprego, e vai deteriorando algumas expectativas em relação ao ritmo de dinamismo da economia de 2022 e 2023.
O vice-presidente da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande Sul (Federasul) e coordenador da divisão de economia da entidade, Fernando Marchet, afirma que a alta da Selic deve diminuir o passo da retomada no Estado. No entanto, Marchet destaca que a elevação é necessária para que não ocorra um descontrole na economia do país com inflação mais alta:
— É moderar o passo de crescimento e de retomada da economia para evitar que uma perda de controle nessa velocidade faça com que lá na frente o efeito seja muito negativo. Seja na elevação de preços e, consequentemente, na taxa de juros. Aí sim teria uma parada brusca na economia.
Marchet destaca que os setores no geral vão sentir essa diminuição de ritmo de crescimento, mas com destaque para serviços e comércio, pois a medida afeta o crédito do varejo.
O presidente da Associação Gaúcha para Desenvolvimento do Varejo (AGV), Sérgio Galbinski, também avalia que a Selic mais alta deve frear o crescimento no curto prazo, mas criar um ambiente mais saudável no médio e longo prazo. Galbinski afirma que, neste primeiro momento, segmentos ligados a financiamentos e de bens duráveis vão sofrer os impactos dessa desaceleração com mais intensidade:
— Deve afetar mais os segmentos que usam financiamento, como os ligados a materiais de construção e venda de móveis.
Valter Bianchi Filho, sócio-diretor da Fundamenta Investimentos, afirma que o mercado, após flertar com projeções de aumento de 1,25 e 1,5 ponto percentual, trabalha com a estimativa de aumento de um ponto. Esse cenário ganhou força após o presidente do BC, Roberto Campos Neto, sinalizar o percentual na semana passada. Bianchi Filho explica que a alta da Selic para combater a inflação acaba diminuindo a circulação de dinheiro em alguns setores.
— O aumento de juros amplia a atratividade de pessoas a deixarem o dinheiro parado, rendendo, em vez de sair para consumir, para comprar, que é o que gira a economia.
O economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira, avalia que as próximas altas da Selic, caso fiquem em um ponto percentual, já estão precificadas no mercado. Oliveira afirma que uma mudança mais brusca na economia pode ocorrer caso o BC surpreenda com elevação mais robusta na taxa, na casa de 1,25 ou 1,5 ponto, projeção que perdeu força nos últimos dias.
Caso ocorra uma medida mais drástica nesse sentido, o economista avalia que a desaceleração do crescimento da economia ocorre em ritmo maior no curto prazo. Oliveira destaca que, caso se confirme, a continuidade do aumento da taxa de juro terá efeitos no consumo e no investimento no próximo ano.
— Existe uma defasagem de tempo entre o aumento de juro e o impacto que isso tem na economia ao longo do tempo. Então, esse aumento de juro que está precificado agora vai impactar a atividade econômica no ano que vem — explica Oliveira.
Mudanças na política e planejamento energético
Em alguns casos, a inflação controlada pela Selic no país ocorre em razão de excesso de demanda. No entanto, alguns especialistas avaliam que a inflação que afeta o Brasil atualmente ocorre por causa de outros problemas, como o descompasso nas cadeias produtivas diante da falta ou do preço elevado de insumos. Nesse cenário, temos uma inflação elevada que não é causada apenas pela demanda.
Bianchi Filho avalia que uma das soluções para tentar combater a inflação seria no âmbito do câmbio. O sócio-diretor da Fundamenta afirma que o governo precisa buscar estabilidade política e fiscal para resolver o problema do dólar alto, pois o câmbio no país é flutuante e sensível a esses fatores:
— Se houvesse um comportamento um pouco diferente por parte das instituições que comandam o país, provavelmente o câmbio estaria abaixo de R$ 5, as pressões inflacionárias estariam muito menores e os juros teriam que subir muito menos do que está tendo que subir.
Cagnin, do Iedi, avalia que um melhor planejamento no âmbito energético sustentável tem de ocorrer para evitar intervenções após o início do problema, o que também impacta em inflação mais alta. Outro ponto de atenção para evitar inflação e Selic elevadas ocorre no âmbito dos combustíveis, que é ligada ao câmbio, segundo o economista:
— Tem de haver algum nível de previsibilidade nesse ajuste de preço, que é fundamental e precisa ser feito, mas tem de ser previsível. Uma regra para que os agentes se planejem.