Depois de mais de 50 horas de conferências com prefeitos, reuniões com associações e governo do Estado, o presidente da Assembleia Legislativa (AL), Gabriel Souza (MDB) apresentou, nesta segunda-feira (23), uma proposta para a regionalização do saneamento no Rio Grande do Sul. O texto traz alternativas para alguns pontos de maior resistência, identificados por boa parte dos municípios, nos projetos de lei (PL) protocolados pelo Poder Executivo no mês passado.
A movimentação nasce da necessidade de cumprimento das metas do marco legal do saneamento. A legislação federal prevê universalizar, até 2030, o abastecimento de água e, em 2033, o esgotamento sanitário no país.
Para tanto, o governo gaúcho lançou três projetos de lei (PLs). Um deles, o PL 211/2021, dispõe sobre a privatização da Corsan. Outro, o PL 210/2021, cria a Unidade Regional de Saneamento Básico (URSB) Central, com os municípios que possuem contratos em andamento com a estatal. Ambos correm em regime de urgência e devem trancar a pauta da Assembleia a partir do próximo dia 31. Há ainda o PL 234/2021, que institui três URSBs: Sul, Nordeste e Litoral Norte.
Com a nova proposta, são duas as principais alterações. A primeira sobre a prestação de serviço regionalizada nos locais não atendidos pela Corsan. Nessas 190 cidades, existem modelos de autarquias, de privatizações e de administração diretas, em que as próprias prefeituras oferecem o serviço.
A ideia, explica o presidente da AL, é reuni-las em uma URSB. Mas, diferentemente do que prevê o PL 234/2021, criar a chamada unidade Interfederativa. Neste fórum, as prefeituras ganhariam autonomia para a criação de sub-blocos de prestação e teriam 50% dos votos, com 20% resguardados aos comitês das 25 sub-bacias hidrográficas existentes no Rio Grande do Sul. Os 30% restantes ficariam com o governo gaúcho, que, antes, detinha a metade dos votos.
– Não temos a pretensão de fazer qualquer concessão de saneamento que seja obrigatória, é preciso preservar a autonomia dos municípios – resume.
Outro aspecto diz respeito à governança regional integrada. Souza explica que a proposta não pretende ser definitiva, porém inclui os comitês de bacias, porque é neles em que, na prática, o saneamento acontece. Este tópico também seria válido para o bloco Corsan.
– As sub-bacias teriam assento na unidade interfederativa dos dois blocos. Autorizamos a essa unidade delegar competências de decisões de nível tático (obras, questões de poluição), fazendo com que haja uma governança mais territorial, mais regional – explica.
Segundo o deputado, os gestores ganhariam mais protagonismo e tempo, pois a definição dos consórcios não seria imposta pelo poder Legislativo ou Executivo, e sim pelos municípios, de acordo com seus interesses de soluções regionais.
Neste contexto, as próprias autarquias municipais, em alguns casos, poderiam ser preservadas. Esta é uma das reivindicações de Poro Alegre, por exemplo. Pela proposta do Estado, destaca, os lotes de concessão ficariam restritos a três grandes blocos. Souza também afirma que esta formatação permitirá, no futuro, incluir das decisões sobre resíduos sólidos e drenagem urbana, também previstas no marco legal do saneamento.
Repercussões
O secretário-chefe da Casa Civil, Artur Lemos, afirma que o governo não esteve fechado às sugestões. Segundo ele, a manutenção de 50% dos votos destinados ao Estado nos comitês Interfederativos foi pensada para gerar equilíbrio entre os municípios de menor e maior porte, com a mediação do governo gaúcho.
– Compreendemos que a proposta trazida pelo parlamento pense diferente. Não haverá motivos para não considerá-la. Ao ter 50%, o estado, também assume mais responsabilidade diante dos órgãos de controle e no cumprimento das metas do marco legal. Ou seja, é o contrário do que afirmar que isso retira a autonomia dos municípios.
Sobre a inclusão de resíduo sólidos e drenagem urbana na mesma lógica das sub-bacias, ele diz que o tema deverá ser tratado, mas o momento é desconexo, porque, neste caso, as bacias tem menor relevância do que aspectos de infraestrutura e logística.
Por fim, quanto ao regime de urgência Lemos diz que é preciso separar as pautas. Isso porque, até março de 2022, por força de legislação federal, os municípios precisarão estar com os contratos de concessão adequados. Naqueles em que já existe a prestação da Corsan, será necessário conhecer também a natureza da companhia, se estatal ou privada. Por isso, os PLs que versam sobre esses temas tramitam com em prazo diferenciado no parlamento.
Crítico dos projetos do governo, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo marco comenta que os blocos em tramitação não respeitam os critérios das bacias. Por isso, as alterações são bem-vindas.
– Quando os municípios têm afinidades hidrográficas com uma bacia ou região e, de comum acordo, queiram formar um consórcio, é preciso assegurar que tenham o direito de fazê-lo - comenta.
Segundo Melo, a Capital deve apresentar um posicionamento, embasado por consultorias, à Assembleia nos próximos dias. Ele também pede a retirada do regime de urgência sobre os textos do governo gaúcho para ampliar o tempo de debate.
Prefeito de Esteio Leonardo Pascoal, também reforçou os avanços nas contribuições. Ele acredita que a nova proposta dá mais segurança e tranquilidade aos municípios. Assim como vários prefeitos e deputados, Pascoal amplia o coro dos que pedem a retirada do regime de urgência, a fim de ganhar tempo de debate.
– Mais do que isso, é importante que possamos alinhar a inclusão dos resíduos sólidos e da drenagem urbana. Estamos atrasados e com essa nova regionalização podemos discutir os quatro eixos do saneamento dentro dos mesmos fóruns – considera.
O marco legal do saneamento
- Universaliza, até 2030, o abastecimento de água
- Universaliza, até 2033, o esgotamento sanitário
- Garante a meta de 99% da população com acesso à água potável
- Garante a meta de 90% de tratamento e coleta de esgotos
Proposta do governo do Estado para regionalização
- URSB Central: reúne 307 municípios com contratos ativos com a Corsan
- URSB Sul: reúne 44 municípios, entre eles, Amaral Ferrador, Bagé, Canguçu, Hulha Negra, Minas do Leão, Pelotas, Santana do Livramento, São Gabriel e Uruguaiana.
- URBS Nordeste: reúne 77 municípios, entre eles, André da Rocha, Anta Gorda, Bom Princípio, Caxias do Sul, Erechim, Nova Bréscia, Picada Café e Westfália.
- URSB Noroeste e Litoral Norte: 67 municípios, entre eles, Alegria, Itacurubi, Joia, Novo Hamburgo, Porto Alegre, São Leopoldo e Salvador das Missões.
- Unidade Interfederativa: 50% dos votos para o Estado e 50% para municípios
- Prevê a prestação de serviço regional de maneira única nas URSBs
Nova proposta da Assembleia para a regionalização
- URSB 1 Corsan: reúne os 307 municípios com contratos com a Corsan
- URSB 2 diferentes prestadores: reúne 190 municípios com outros prestadores
- Unidade Interfederativa: com 50% municípios, 30% Estado e 20% sub-bacias
- Permite que a URSB 2 crie subunidades de acordo com os interesses municipais
- Preserva as autarquias municipais, caso de Porto Alegre
- Amplia o prazo para definição dos blocos até 31 de dezembro