Se a pandemia secou o barril de chope das cervejarias artesanais ao inviabilizar aglomerações e eventos, algumas empresas locais do ramo encontraram em um novo tipo de envase a solução para seguir vendendo e de forma ainda mais competitiva do que antes da chegada do coronavírus.
Quem consome cerveja com regularidade já deve ter deparado recentemente com algum growler PET (garrafa plástica descartável) em geladeiras de grandes e pequenos supermercados. Geralmente, essas embalagens têm entre 1 e 1,5 litro de chope pilsen, lager, ipa ou outros tipos, e são comercializadas por cervejarias locais com envase com contrapressão, que garante maior durabilidade e qualidade.
De maneira geral, há duas formas mais utilizadas por empresas gaúchas consultadas pela reportagem para vender chope em PET. Uma delas é com processo automatizado em grandes máquinas (veja vídeo abaixo) e a outra é com o uso de contrapressão em torneiras de chopeiras ou tanques de chope (veja galeria de fotos a seguir).
A Stier, de Igrejinha, no Vale do Paranhana, apostou na novidade a partir de abril de 2020, no início da pandemia.
— Quando fecharam bares e restaurantes, a venda de barris travou completamente. Assim, passamos a fazer a venda do chope em PET em supermercados da região e pegue e leve no nosso pub — explica a sócia e administradora da Stier, Silmara Andreatti, 42 anos.
Nos primeiros três meses da nova operação em 2020, a Stier afirma que envasou 33 mil litros em PET. Agora, no primeiro trimestre de 2021, praticamente triplicou esse número, segundo Silmara. Atualmente, a marca está presente em cerca de 250 pontos de venda, contabiliza a sócia.
A Stier tem capacidade para produzir 100 mil litros de chope por mês. Atualmente, o percentual de bebida envasado em growler PET corresponde a cerca de 60% do volume total produzido a cada 30 dias.
Investimento
Como o chope em PET passou a corresponder a um alto volume da produção mensal, a Stier optou por máquina automatizada.
— Temos uma envasadora de PET automática, do mesmo tipo que envasa refrigerantes de grandes marcas, com capacidade de 4 mil PETs/hora. Abastecemos o PET e conectamos o chope e ela nos entrega o produto envasado e empacotado, pronto para enviarmos para o cliente — explica Silmara.
Diretor-executivo da Zegla, que atende a Stier e trabalha com máquinas de envase em garrafa PET desde 1982 (com chope, desde 2014), em Bento Gonçalves, na Serra, Arthur Milani Stringhini confirma a expansão desse mercado e avalia que a automatização tem benefícios, como agilidade na produção e controle de CO2 (gás carbônico, responsável pela carbonatação da bebida, que garante o colarinho) e controle de torque das tampas (para fechamento mais adequado possível), entre outros.
— Tivemos muitos clientes adaptando linhas que operam com vidro para trabalhar com PET. Acredito que em aparelhos novos tivemos um aumento de 25% nas vendas de máquinas PET para cervejarias (no último ano) — diz o diretor.
E-commerce
Porém, nem todas as marcas dependem tanto da venda em growler PET, o que faz com que, em muitos casos, não se justifique o investimento em automatização. Um exemplo é a marca Al Capone. Com fábrica em Porto Alegre, passou a operar com PET há um ano. O produto representa 10% da produção mensal de cerca de 80 mil litros. Ainda assim, o PET faz grande sucesso e, atualmente, é o campeão de vendas do e-commerce da marca.
Utilizando o envase com contrapressão, no próprio tanque do chope ou na torneira da chopeira, o PET da Al Capone tem validade de 90 dias sob refrigeração. Para obter a tecnologia de alta qualidade, cada torneira da fábrica teve de receber um investimento de aproximadamente R$ 800.
“A cerveja viva é o mesmo chope que sai das torneiras do barril. Uma cerveja viva é uma cerveja não pasteurizada que mantém a estabilidade por ser refrigerada. Nessas condições, o chope tem duração de até seis meses, sem prejudicar a qualidade. No envase desse produto em growler PET, por conta do recipiente, ele perde a carbonatação ao longo do tempo porque ocorre a troca de gás, por isso, para garantir que a cerveja continuará carbonatada (gaseificada), damos o prazo de até três meses”, explica a empresa, em nota.
O diretor da cervejaria Hunsrück, Miguel Engelmann, de Dois Irmãos, no Vale do Sinos, ainda não investiu em equipamento para envase com contrapressão, mas reconhece que o produto está em expansão e faz planos:
— Não temos o produto em supermercados porque vendemos o PET apenas enchendo growlers na cervejaria (sem contrapressão, para consumo instantâneo). Não temos ainda o equipamento adequado para envase mais profissional. Mas estamos em busca desse maquinário para, em breve, buscar uma venda maior. É um mercado que não tem volta e vai continuar em franca ascendência. O PET veio para ficar.
Falta de matéria-prima
O presidente da Associação Gaúcha de Microcervejarias (AGM), João Giovanella, ressalta que o PET tornou-se importante também pela estabilidade do fornecimento desse vasilhame, já que a pandemia gerou escassez de latas e garrafas long neck, por exemplo.
— Sentimos logo que faltaria lata e garrafas de vidro (no começo das restrições das atividades econômicas). Sempre acontece quando há oscilação. Por não conseguir vender barril, o PET virou a fonte de sobrevivência para muitas microcervejarias — explica Giovanella.
Proprietário da cervejaria Salva, o próprio Giovanella apostou na nova embalagem. Em abril de 2020, a fábrica envasou 20 mil litros em PET. Em dezembro, foram 160 mil litros, no melhor mês do ano para esse vasilhame. Para isso, também foi necessário adaptar o maquinário.
— Aproximadamente 85% do nosso volume de produção era vendido em barril. E ele desapareceu do dia para a noite. Tivemos de readaptar nosso maquinário e, 30 dias após o fechamento de bares, já estávamos envasando PET. Hoje, produzimos de 100 mil a 120 mil litros de chope para PET por mês, em média. Atualmente, entre 80% e 90% da nossa produção é para o PET. Foi uma explosão e muito importante. Inclusive, conseguimos contratar novos funcionários na pandemia em razão disso — conta Giovanella sobre a fábrica da Salva localizada em Bom Retiro do Sul.
Preço e sabor
Os diferenciais que tornaram o growler PET atrativo para o consumidor são, basicamente, dois: preço e sabor. Se antes as bebidas de cervejarias locais eram apreciadas apenas em barris ou garrafas, na maioria dos casos com preços impopulares, o PET em contrapressão garantiu a possibilidade de venda em maior escala. Com essa tecnologia, a validade do produto, sob refrigeração, pode variar entre 30 e 90 dias, segundo os prazos estabelecidos por marcas ouvidas na reportagem.
Com maior escala, o preço do litro para o consumidor final caiu consideravelmente. É possível encontrar growler PET com 1,5 litro de chope pilsen, por exemplo, por R$ 11,90 em mercados. Basta uma simples comparação com o preço por litro de marcas tradicionais nas gôndolas para se dar conta de que o chope em growler PET tem, em alguns casos, valor menor ou bem próximo de cervejas pasteurizadas produzidas por grandes indústrias e vendidas em lata.
Entenda como funciona o processo automatizado de envase de chope em growler PET*
- Se inicia pela retirada das garrafas de pallets, que pode ser de forma automática ou manual (dependendo da quantidade de garrafas por hora)
- A próxima etapa acontece na enchedora, onde as garrafas passam por lavagem, enchimento e fechamento. Tudo isso é feito em um único equipamento
- Após o envase, ocorre a aplicação dos rótulos na máquina rotuladora. Podem ser rótulos tipo autoadesivos ou cola quente
- Finalizando a rotulagem, as garrafas são agrupadas e empacotadas com um plástico envolvente, passando pelo equipamento empacotadora
- Essas são as etapas de uma linha de média produção para envase de chope em PET de forma automatizada
Fonte: Zegla