Com a instabilidade econômica impulsionada pela pandemia de coronavírus, os brasileiros vêm buscando maneiras de aumentar a economia na hora de comprar alimentos e outros produtos para a casa. Uma das alternativas é o chamado atacarejo, modelo que mistura atacado com supermercado.
Esse tipo estabelecimento oferece serviço para consumidores finais e também comerciantes, que revendem as mercadorias. O preço dos produtos geralmente varia nessas lojas de acordo com a quantidade de itens adquiridos. Maiores volumes costumam gerar mais descontos.
Pesquisa da consultoria Nielsen aponta que o atacarejo ocupa 32,2% de todo comércio varejista do Rio Grande do Sul no acumulado de 2021, entre a primeira semana de janeiro e o dia 21 de março. No país, esse peso é de 40% e o setor atinge seis em cada 10 famílias, segundo a Nielsen. Na Região Sul, esse percentual é de 29% e pelo menos cinco em cada 10 famílias já usam esse serviço.
Olhando a variação das vendas do atacarejo no Estado, esse indicador teve queda de 1,8% no período, puxada pelo segmento de bebidas. A pesquisa não informa recorte com o impacto nos domicílios em âmbito estadual.
Morador de São Leopoldo, no Vale do Sinos, o eletricista Rafael da Silva, 32 anos, vê no atacarejo uma alternativa para, além de conseguir preços melhores de acordo com a quantidade de itens, concentrar a compra de produtos não perecíveis e de frios em uma única saída no mês. Casado e pai de três filhos, Silva vê nesse método uma boa estratégia para equilibrar o orçamento, evitando compras não planejadas, deixando claro que essa é uma avaliação particular.
— Se deixar para comprar pingado, quando precisar, normalmente não vai no mercado e compra só o que precisa. Estou precisando, vamos supor, de azeite. Vou lá comprar um azeite e já compro outra coisa. Se botar tudo na ponta do papel, no final do mês, acaba perdendo — explica Silva.
O aposentado Derly Chaves, 59 anos, é outro consumidor que prefere realizar parte das compras do mês em atacarejos. O aposentado costuma ir às lojas desse tipo a cada mês ou no intervalo de dois meses, sempre em busca do principal atrativo do modelo:
— O preço. O custo de vida está cada vez mais caro. Nesses mercados, tu consegue um desconto bom, dependendo dos produtos que vai comprar.
Chaves costuma comprar principalmente produtos não perecíveis, como arroz e feijão, em maiores quantidades, e itens de limpeza.
Wendy Haddad Carraro, professora do curso de Ciências Contábeis da UFRGS e coordenadora de programa de extensão em educação financeira na universidade, afirma que os atacarejos são ferramentas importantes na hora de tentar equilibrar as contas em um cenário onde os preços dos alimentos estão elevados.
Além de preços mais atrativos e da possibilidade de formar estoque, diminuindo as saídas de casa, a possibilidade de compras coletivas entre familiares e vizinhos também encorpa o crescimento desse modelo, segundo a professora:
— Tu concentras um comprador para vários consumidores. As pessoas estão comprando mais em grupo, respeitando os protocolos de segurança.
Dicas para aproveitar melhor as compras
Veja as recomendações de Wendy Haddad Carraro, professora do Curso de Ciências Contábeis da UFRGS e coordenadora de programa de extensão em educação financeira na universidade:
- Planejar e fazer lista. Isso ajuda a ser certeiro na hora da compra e na organização, economizando tempo
- Consultar e pesquisar os valores dos produtos que pretende comprar. Além das listas dos próprios estabelecimentos, aplicativos que comparam os preços dos itens, como o Menor Preço — Nota Gaúcha, auxiliam nessa pesquisa
- Dimensionar o uso do produto que será adquirido, analisando a quantidade necessária, o tempo de consumo e as condições de venda desse item nos estabelecimentos. Esse método ajuda a evitar desperdícios e perdas de produtos por vencimento
- Buscar parceiros para compras coletivas, desde que sejam seguidos todos os protocolos de segurança contra a covid-19. Essa ação em grupo de familiares ou de vizinhos ajuda a economizar idas ao mercado e garantir descontos em compra de produtos em maior volume
- Em caso de compras pela internet, o consumidor tem de estar atento às particularidades desse modelo, como tempo de entrega, condições de compra, custos adicionais de logística, consulta de outros compradores para evitar surpresas etc
Participação de mercado
O coordenador de atendimento ao varejo da Nielsen, Bruno Achkar, afirma que o modelo de atacarejos apresenta tendência de desenvolvimento nos Estados do sul do país. Achkar destaca que parte dos consumidores dessa região ainda tem uma maior lealdade ao formato de autosserviço (hipermercados e supermercados) se comparado ao restante do país, mas que isso deve mudar em um futuro próximo:
— O shopper (consumidor) do Sul tardou um pouco mais em relação ao restante do país por conta do perfil de não querer abrir mão 100% dos serviços e da experiência de compra em detrimento do preço. Mas não é porque o shopper não fez essa troca ainda que ele nunca fará. A gente vê que ele está cada vez mais buscando esse canal.
Roberto Müssnich, CEO do Atacadão, braço de atacarejo do grupo Carrefour, afirma que a crise sanitária acabou impulsionando a tendência de o público valorizar mais o que ganha e buscar melhores preços, movimento que já vinha crescendo antes da pandemia. Müssnich destaca que os consumidores também enxergam no atacarejo uma boa alternativa para diminuir as idas ao varejo, aliando melhores preços, qualidade e facilidade na compra de abastecimento.
— O que notamos, do ano passado para cá, foi uma redução da frequência de visita em loja. Te digo que, no Atacadão, tivemos uma redução entre 11% e 12% da frequência. Nosso número de operações caiu 12%, porém o tíquete médio subiu 25%. Isso significa que as pessoas estão indo menos ao mercado e comprando mais — explica.
O CEO do Atacadão destaca outro movimento que ganhou corpo com as restrições causadas pela pandemia: o ato de cozinhar em casa. Müssnich afirma que existe uma procura maior por produtos de qualidade e de especiarias para satisfação do paladar. O executivo também aponta o crescimento na busca por embalagens com maior conteúdo como uma das mudanças de comportamento entre os consumidores:
— Mudou um pouco o perfil, sem dúvida nenhuma, mas aumentou a quantidade de consumo de produtos. As embalagens maiores, por exemplo. As pessoas tendem a economizar mais comprando em maior quantidade.
Diretor-presidente do Grupo Imec, rede gaúcha que também aposta na união entre atacado e supermercado, Leonardo Taufer enxerga expansão do modelo de atacarejo no Estado. Taufer afirma que o grupo vê o modelo como vetor de crescimento para a empresa nos próximos cinco anos. Na última quinta-feira (8), a rede abriu uma nova unidade em Esteio. O executivo destaca que esse sistema atinge uma variedade de públicos, como famílias e pequenos consumidores formais ou informais.
— A gente tem percebido que, cada vez mais, o atacarejo é um formato democrático. Ele não é apenas um segmento de negócios voltado às camadas mais baixas de renda. A gente tem o nosso negócio voltado para uma relação de qualidade e de economia e recebe muito bem todos os públicos — diz Taufer.
O presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, afirma que o atacarejo é mais uma alternativa ao consumidor, e não a substituição de algum modelo. Segundo o empresário, assim como lojas de conveniências e lojas premium, o atacarejo é mais um formato que vai coexistir no setor.
— É mais um formato que vem atender a necessidade. Vem incrementar — pontua.
Sobre a demora para esse segmento chegar ao Estado, se comparado ao restante do país, Longo diz que há a exigência do consumidor, que quer encontrar tudo no mesmo local, e a grande concorrência do setor de supermercados. O presidente da Agas destaca que alguns supermercados também já atuam com a opção de oferecer preços mais baixos em alguns produtos nos casos de compra de mais unidades.