O vice-presidente de recursos humanos do Carrefour, João Senise, afirmou que a empresa promoveu mudanças no modelo de segurança das lojas em Porto Alegre após o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, em novembro. O executivo destacou, em entrevista ao Gaúcha Atualidade, na manhã desta sexta-feira (5), que a companhia migrou para um modelo de contratação direta na Capital, com 37 colaboradores:
— Trocamos toda a equipe de segurança das quatro lojas de Porto Alegre. Internalizamos as equipes de segurança, que hoje representam e espelham a distribuição étnica e a diversidade do Rio Grande do Sul.
Senise destacou que essa alteração em Porto Alegre é uma espécie de ensaio para expandir o modelo para o resto do país ainda neste ano.
— A ideia é ter nessa troca do modelo de segurança do Rio Grande do Sul um piloto. Nós queremos estender para o todo país até outubro deste ano. A ideia é internalizar toda a nossa equipe de segurança — explicou.
Revisão nas políticas da empresa
O vice-presidente de recursos humanos afirmou que o Carrefour já tinha políticas claras para contratação de terceiros e que esses terceiros passam por treinamento, mas reconhece que houve falha no processo e que uma revisão está em andamento:
— Lógico que a gente precisa reconhecer com humildade que, apesar de já termos iniciativas voltadas para a questão do respeito à diversidade, à inclusão, alguma coisa falhou. Desde então, estamos fazendo uma revisão profunda das políticas, das formas de treinamento e em uma série de outras iniciativas para evitar que uma coisa dessas volte a acontecer.
O vice-presidente de recursos humanos também citou a criação de um comitê externo sobre diversidade, composto por nove personalidades, como um movimento importante nessa etapa de transformação.
— Com humildade, percebemos que haviam coisas que precisavam ser melhoradas. Nos associamos e aceitamos todo o aconselhamento e acompanhamento que tem sido fantástico desse comitê externo. Estamos abraçando a responsabilidade de mobilizar a sociedade e outras empresas com um processo de transformação que é fundamental para a sociedade brasileira.
Crise de imagem e lições
Senise afirmou que a principal lição após o episódio foi perceber que sempre há alguma coisa para melhorar nos procedimentos e nas políticas da empresa, destacando uma mudança na postura da companhia em relação ao combate ao racismo:
— A conclusão é que nós somos uma empresa não racista há muito tempo, com uma plataforma de diversidade e inclusão desde 2012. Mas não basta ser uma empresa não racista. A gente precisa se transformar em uma empresa antirracista.
Política de tolerância zero
Senise destacou um plano de ação elaborado com o apoio do comitê de diversidade, que prevê oito compromissos contra o racismo e outras formas de discriminação. Entre essas diretrizes o executivo destaca a política de tolerância zero, com a revisão de alguns procedimentos da empresa e inclusão de uma cláusula de não aceitação radical de qualquer forma de racismo e discriminação. O profissional explicou que a necessidade desse compromisso também é estendida aos fornecedores do Carrefour.
— Dentro do Carrefour, há uma série de iniciativas agora acontecendo, da revisão das políticas, do retreinamento de toda a nossa população, em especial de toda a área de segurança, mas sendo estendida para todos os nossos 95 mil colaboradores.
Fundo contra o racismo
Questionado sobre o prejuízo sofrido pelo Carrefour em razão do caso, Senise afirmou que não consegue quantificar.
O vice-presidente de recursos humanos lembrou a criação de um fundo para combater racismo, logo após o assassinato de João Alberto. Na época, esse fundo contava com R$ 25 milhões. Com o repasse dos resultados das vendas da rede nos dias 20, 26 e 27 de novembro, esse montante subiu para R$ 40 milhões, segundo o dirigente.
— Nós temos hoje um fundo de R$ 40 milhões justamente para investir em ações de combate ao racismo. Ao invés de pensarmos no prejuízo que nós tivemos, olhamos para como é que transformamos esse evento trágico realmente em uma oportunidade de aprendizado para nós e de transformação da sociedade.
Cobrança da sede da empresa após o caso
O executivo citou que a matriz da empresa abriu processo de investigação e de auditoria interna para entender o que havia acontecido no caso registrado no Brasil, dando apoio à liderança da organização:
— Essa é a postura correta de uma empresa, que é, de uma maneira isenta, fazer uma investigação interna e ao mesmo tempo apoiar para que ações fossem tomadas.
Questionado sobre a principal lição que o caso deixou, Senise afirma que o episódio reforça o grande papel social que as grandes organizações têm. Segundo o executivo, por meio de colaboradores e fornecedores, é possível impulsionar essa transformação na sociedade.
— Nosso aprendizado principal foi esse. Como nós agimos como uma organização antirracista e que promova o combate ao racismo em todo o país. Através dos nossos fornecedores, dos nossos 95 mil colaboradores.
Processo de compensação à família
O executivo do Carrefour afirma que o processo de compensação à família de João Alberto está quase concluído. Segundo ele, das nove pessoas, sete já estão com a ação praticamente concluída.
— Basicamente só não está mais avançado com a viúva. Em seis desses sete casos, estamos aguardando apenas uma homologação do Ministério Público — afirma.
O que diz a defesa da viúva de João Alberto Silveira Freitas
Procurado pela reportagem de GZH, Hamilton Ribeiro, que representa a viúva de João Alberto, afirmou que o entrave nas negociações ocorre em razão do cálculo usado pelos advogados do Carrefour para o valor da indenização. Segundo Ribeiro, a empresa ofereceu o teto das condenações a título de dano moral com base em premissa do Superior Tribunal de Justiça (STJ): 500 salários mínimos (R$ 550 mil). O advogado afirma que esse valor é desproporcional e discorda da fixação desse teto em casos de dano moral, pois existem situações e personagens diferentes em cada ocorrência.
— Acho um absurdo, porque o dano moral tem de ser estudado caso a caso. O que importa no julgamento do dano moral é a qualidade da vítima e do ofensor, o poder econômico da vítima e do ofensor.
Ribeiro avalia que os representantes legais do Carrefour demonstram no processo postura diferente da adotada pela empresa na mídia, sendo irredutíveis em relação à negociação por um valor maior de indenização e prepotentes.
— Todos nós somos muito pequenos perante o tamanho do Carrefour. Essa é a verdade. Eu fico num dilema de ter que ou aceitar um acordo com o Carrefour ou arrastar a Milena (viúva) por anos de litígio, arriscando ainda um limite de 500 salários, que é o que o STJ manda — afirma.