O endividamento dos porto-alegrenses vem crescendo ao longo da pandemia de coronavírus, mas a inadimplência está em queda. É o que indica pesquisa da Federação do Comércio de Bens e Serviços do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS).
O levantamento de janeiro de 2021 mostra que 72% das famílias de Porto Alegre – ou sete em cada 10 – possuíam dívidas. Destas, 25,8% estavam com contas em atraso e 9,3% afirmaram não ter condições de arcar com seus compromissos.
O percentual de famílias com dívidas subiu pelo nono mês consecutivo, apresenta elevação de 6,9 pontos percentuais em relação a janeiro de 2020 e atingiu o maior patamar desde julho de 2019. Por outro lado, o índice de inadimplentes teve a terceira redução seguida, caiu 3,2 pontos frente igual período do ano passado e chegou ao menor nível desde agosto de 2019.Já a quantidade de lares que não têm condições de pagar as dívidas apresenta redução de 4,2 pontos em um ano, a melhor situação desde agosto de 2019.
Motivos
Ainda que o descolamento entre o aumento da dívida e a melhora nas condições de pagamento possa parecer uma contradição, existem diversos fatores que explicam a situação incomum. A economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo, aponta que programas governamentais, como o auxílio emergencial e o de manutenção de empregos, e a renegociação de dívidas entre consumidores e bancos contribuíram para segurar a disparada da inadimplência, esperada pelos economistas no início da crise do coronavírus.
– Esse ajuste por parte dos ofertantes de crédito foi muito relevante. Não quer dizer que a renegociação viesse eximida de juros, mas as pessoas ganharam prazo, e isso é algo importante para não se tornar inadimplente – aponta Patrícia.
No momento, o cartão de crédito segue como a principal origem do endividamento na Capital, alcançando 84,6% das famílias. Na sequência, aparecem carnês (35,8%) e cheque especial (15,8%).
Em janeiro, o tempo médio de comprometimento com as dívidas era de 5,8 meses. Um ano antes, era de 6,4 meses. Entre os que estão com contas em atraso, o prazo médio da inadimplência era de 55,4 dias. No primeiro mês de 2020, ficava em 66,5 meses.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) aponta que, entre março e dezembro de 2020, 16,8 milhões de contratos de pessoas físicas e jurídicas foram renegociados em todo o país, com saldo devedor de R$ 971,5 bilhões. A soma das parcelas suspensas nas operações repactuadas chegou a R$ 146,7 bilhões. Segundo o Banco Central (BC), as concessões de crédito para composição de dívidas – quando uma pessoa faz acordo para unir mais de uma modalidade de crédito em uma só – dispararam 72,7% em 2020.
E não são apenas os dados da Fecomércio-RS que sinalizam para a redução da inadimplência. Em dezembro do ano passado, conforme o BC, a taxa de inadimplência das operações de crédito no Rio Grande do Sul ficou em 1,59%, o menor nível da série histórica iniciada em 2004.
– O ano passado foi marcado por uma atuação extremamente forte do Estado para tentar atenuar impactos da recessão. Mas os elementos que ajudaram a conter a inadimplência agora se encontram menos potencializados ou deixaram de existir – pondera Oscar Frank, economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-POA).
Em cenário marcado ainda por incertezas sobre o avanço da pandemia e o ritmo de vacinação da população, pelo desemprego elevado e pela renovação do auxílio emergencial com valor e duração menores e de outras medidas adotadas pelo governo na pandemia, a tendência é de que os indicadores de inadimplência voltem a crescer em 2021. Além disso, Frank lembra que a taxa básica de juro, a Selic, hoje em 2% ao ano, tende a subir ao longo deste ano, encarecendo a renegociação de dívidas.
Capital segue tendência nacional
O cenário de maior endividamento das famílias e menor inadimplência não é uma exclusividade de Porto Alegre. A versão nacional da Peic de janeiro de 2021, divulgada nesta quinta-feira (18) pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), evidencia movimento semelhante no restante do Brasil.
No país, o endividamento atingiu 66,5% das famílias no mês passado. Foi a segunda alta consecutiva do indicador. Ao mesmo tempo, 24,8% das famílias estão com contas em atraso, indicador que acumula cinco meses de quedas consecutivas. Por outro lado, 10,9% dos lares apontam não ter condições de pagar suas contas, redução de 1,3 ponto percentual em comparação com o mês anterior.
Economista da CNC responsável pela pesquisa, Izis Ferreira enfatiza que o fim do auxílio emergencial e o atraso no calendário de vacinação pressionará as famílias de menor renda a adotarem maior rigor na organização do orçamento doméstico.
— É preciso seguir ampliando o acesso aos recursos com custos mais baixos, mas também alongar os prazos de pagamento das dívidas para manter a inadimplência sob controle — salienta Izis.