Com a crise do coronavírus longe de ser superada e a demanda por serviços públicos cada vez maior, as prefeituras vivem momentos de apreensão e de expectativa. Entre os 10 maiores municípios do Rio Grande do Sul, sete projetam queda na arrecadação ou trabalham com a perspectiva de manutenção de valores, contando apenas com a reposição da inflação.
Os casos mais críticos envolvem Rio Grande, Viamão e Canoas. Em Rio Grande, a previsão é de 17% de redução na receita. Em Viamão, são 13%. Em Canoas, o orçamento indica contração de 10%.
— Nosso desejo é a prosperidade e vamos trabalhar para isso, mas o cenário é de dificuldades. O orçamento de 2020 foi de R$ 2,25 bilhões e agora é de R$ 1,9 bilhão. É uma queda considerável — afirma o prefeito de Canoas Jairo Jorge.
Além de ações para estimular a recuperação da economia, como a desburocratização de processos e a atração de empresas, estão no radar dos mandatários planos para reduzir gastos, melhorar a capacidade de arrecadação e reforçar a cobrança de devedores.
Mesmo nos municípios onde há previsão de aumento de receitas, como Porto Alegre, Pelotas e Caxias do Sul, os gestores reconhecem que será um ano desafiador. Em parte, porque não há sinais de que o apoio financeiro do governo federal, que fez toda a diferença em 2020, voltará a se repetir em 2021.
Na Capital, o secretário da Fazenda Rodrigo Fantinel já trabalha com a perspectiva de cortes. Ele tem dúvidas se será possível, de fato, atingir a cifra orçada para este ano, que supera em 7,5% a previsão feita em 2020.
— A avaliação é de que o valor foi superestimado. A gente vai ter de contingenciar despesas — sintetiza Fantinel (leia a entrevista completa).
Ao menos até que a covid-19 esteja sob controle, pondera o economista François Bremaeker, do Observatório de Informações Municipais, a saída será pisar no freio. Bremaeker diz que os municípios de médio e grande porte são os mais afetados pela crise, não só porque dependem mais de ICMS e de ISS, impostos sobre o consumo, mas também porque são polos de saúde e acabam despendendo mais recursos na área.
— Tudo vai depender do futuro da pandemia. Se o quadro piorar, como já está se vendo, será um ano muito complexo para os administradores municipais. Mesmo com a vacina, o efeito não será imediato — adverte o especialista.
A seguir, confira as perspectivas em cada uma das 10 maiores cidades do Estado, segundo prefeitos e secretários municipais.
Porto Alegre: desafio de aumentar receitas sem elevar impostos
Em Porto Alegre, a Secretaria Municipal da Fazenda trabalha com a perspectiva de que o orçamento previsto para 2021, de R$ 8,6 bilhões, não irá se concretizar. Além de ser 7,5% acima do orçado em 2020, a cifra é 13% superior ao valor de fato arrecadado no ano passado.
Uma das razões para a avaliação é o fim do socorro federal, que injetou R$ 600 milhões na Capital no último semestre e que tende a não se repetir. A saída, na avaliação do novo secretário, Rodrigo Fantinel, é cortar gastos e apostar na eficiência da Receita Municipal, área da qual é oriundo. Isso inclui a reativação o programa da nota fiscal eletrônica em Porto Alegre e a aposta na autorregularização de contribuintes com atrasos junto ao Fisco.
Canoas: 55 medidas para a retomada
Com pendências financeiras de R$ 281 milhões herdadas da gestão anterior, o prefeito de Canoas Jairo Jorge projeta dificuldades em 2021. Segundo ele, a receita prevista é de R$ 1,98 bilhão, 10% abaixo dos R$ 2,2 bilhões projetados em 2020.
— Temos um cenário de adversidades, com quadro econômico difícil, e é a primeira vez, desde 2009, em que há retração, mas não adianta ficar olhando para trás. Vamos implantar um programa de retomada do desenvolvimento com 55 medidas — ressalta o gestor.
O prefeito promete, entre outras ações, desburocratizar a abertura de empresas, reduzir e simplificar exigências na área da construção civil, oferecer microcrédito a juro zero, agilizar a liberação de cerca de mil alvarás retidos durante a pandemia e buscar novos negócios.
— A ideia é ajudar o empreendedor e aumentar a receita sem elevar impostos, como fiz nos meus mandatos anteriores, quando tripliquei a arrecadação — diz Jairo.
Santa Maria: aposta na volta às aulas
Em Santa Maria, a projeção de receitas para 2021 foi calculada sobre valores de 2019, acrescidos da inflação. A expectativa é atingir R$ 855 milhões, abaixo do previsto em 2020 (R$ 870 milhões), mas acima do que acabou de fato entrando em caixa (R$ 830 milhões).
— 2020 foi atípico, não deve ser tomado como base. Além disso, Santa Maria tem características singulares, por isso estamos otimistas. A questão é qual será a velocidade da recuperação, se a passo de tartaruga ou de papa-léguas. Quanto mais rápido avançar a vacinação, melhor. Confiamos na volta às aulas no segundo semestre, que muda tudo, e não trabalhamos com a palavra déficit — diz o secretário de Finanças Mateus Frozza.
Um dos fatores que favorece a economia local é a presença de universitários, militares e servidores públicos, capazes de mobilizar setores como comércio e serviços e atenuar o impacto da crise.
Caxias do Sul: esperança na construção civil
O orçamento de Caxias do Sul para este ano prevê R$ 1,65 bilhão em receitas no Executivo, 4,88% acima do orçado em 2020. Na prática, aproxima-se do projetado em 2019, antes da crise do coronavírus.
— Temos esperança na recuperação da economia e vamos usar todas as ferramentas de gestão para otimizar recursos e desburocratizar processos. Apostamos muito na construção civil, que já emite sinais de reaquecimento — diz o secretário da Receita Municipal Roneide Dornelles.
Apesar do otimismo, o diretor-geral da secretaria, Gilmar Santa Catharina, teme o impacto do fechamento das fábricas da Ford sobre o polo metal-mecânico e prevê maior demanda por serviços públicos. Prevê desafios.
— O ano de 2020 foi extremamente duro, com investimento reduzido e muita contenção. Isso não se mantém para sempre — pondera Santa Catharina.
Gravataí: foco na reforma da Previdência
A previsão de receitas em Gravataí para 2021 (R$ 800 milhões) pouco muda em relação ao valor arrecadado em 2020. Descontando o auxílio do governo federal durante a pandemia, o secretário municipal da Fazenda Davi Keller Severgnini prevê 1% de aumento.
— Na prática, não prevemos redução em relação a 2020 nem tampouco incremento. Sem o aporte federal, vamos ter de arcar com as despesas. Vai ser um ano muito difícil. A economia precisa voltar a girar — avalia.
Na tentativa de ampliar a arrecadação, o secretário aposta em um convênio-piloto com o Banco do Brasil para a cobrança de dívida ativa (aquela que a prefeitura tem a receber) e no levantamento de ativos que possam ser vendidos. As medidas para reduzir gastos incluem uma proposta de reforma da Previdência dos servidores, a ser apresentada no primeiro semestre, e uma auditoria da folha de pagamento do município.
Viamão: incentivos ao agronegócio
A prefeitura de Viamão decidiu revisar o orçamento que havia sido elaborado pela gestão anterior, reduzindo a projeção de receitas em 2021 de R$ 823 milhões para R$ 715 milhões. O valor também é 13% menor do que o previsto em 2020.
— Essa crise não é setorial, é uma crise que atinge toda a cadeia produtiva e afeta muito a arrecadação. Optamos por não superestimar os números, mas esperamos conseguir uma receita semelhante à de 2020, a partir de medidas já enviadas à Câmara, que envolvem eixos de desenvolvimento — afirma o prefeito Valdir Bonatto.
Entre as ações propostas, está a criação de um fundo para a melhoria de estradas e acessos, a abertura do parque municipal do agronegócio, destinado a receber empreendimentos, a instalação de uma central de comercialização de vendas para ajudar produtores rurais e a adoção do autolicenciamento.
Pelotas: esforço em inteligência fiscal
Com perspectiva otimista, a Secretaria da Fazenda de Pelotas projeta aumento de 6,4% nas receitas consolidadas em relação a 2020, atingindo R$ 1,37 bilhão neste ano. Se isso se concretizar, serão R$ 82,3 milhões a mais em caixa. O secretário municipal da Fazenda Jairo da Silva Dutra aposta na retomada econômica e em medidas de inteligência fiscal para ampliar a arrecadação, mas reconhece que não será fácil superar os obstáculos.
— Em 2020, no início da pandemia, me assustei bastante. Projetei queda de 20% a 30% na receita. Os recursos do governo federal ajudaram a reverter isso, assim como o auxílio emergencial, que fez girar a economia. Em 2021, o quadro de incertezas persiste, porém não daquele tamanho. Há um otimismo, uma expectativa de melhora. A partir daí, projetamos crescimento, mas teremos de monitorar mês a mês e, se a receita não acompanhar o projetado, será preciso pisar no freio — diz.
Novo Hamburgo: corte de despesas até o limite
Em 2021, o orçamento da prefeitura de Novo Hamburgo será menor do que em 2020. A previsão é de queda de 2% a 9,04% nas receitas. A redução de 2% diz respeito ao valor total previsto, que deve ficar em R$ 1,32 bilhão. Já a diminuição de 9,04% envolve a arrecadação própria. O cenário preocupa a prefeita Fátima Daudt:
— Antes da pandemia, fizemos um trabalho de captação de empresas que trouxe bons resultados, como a vinda do Grupo Santander e previsão de 5 mil novos empregos, mas ainda assim o momento é de apreensão. Estamos cortando despesas até o limite, porque os serviços essenciais não podem parar.
Entre as medidas para tentar alavancar a arrecadação, Fátima aposta em leilões de bens inservíveis, que a prefeitura recebe em pagamento de dívidas (como imóveis e terrenos). Ela também defende que as associações de municípios pressionem o governo federal a revisar o pacto federativo e a manter repasses extras enquanto a pandemia não arrefecer.
São Leopoldo: combate à inadimplência
Diante do cenário incerto, a prefeitura de São Leopoldo projeta receita de R$ 1,1 bilhão em 2020, praticamente igual à de 2020, exceto pela reposição da inflação no período. A projeção leva em conta as dificuldades no caminho.
— É uma estimativa conservadora, mas a instabilidade da economia, agravada pelos efeitos do coronavírus e pelas dificuldades da vacinação, nos deixam em um cenário bastante delicado. Vai ser um ano muito difícil, com grandes incertezas — diz o secretário municipal da Fazenda Eduardo Peters.
Segundo o gestor, durante a pandemia, houve aumento de sete pontos percentuais na inadimplência do IPTU. A intenção, passado o auge da crise, é procurar os devedores para que regularizem a situação junto ao Fisco. O mesmo vale para a cobrança da dívida ativa, que teve uma trégua nos meses de maior impacto nas atividades econômicas.
Rio Grande: redução nos gastos com custeio
À frente da prefeitura de Rio Grande, Fábio Branco se prepara para um primeiro ano de gestão com redução de 17% nas receitas orçadas para o poder Executivo, estimadas em R$ 641,2 milhões.
— O município tem problemas estruturais, gasta quase 53% da receita com pessoal (acima do limite prudencial definido por lei) e já enfrentava dificuldades antes da pandemia. Vamos entrar com o freio de mão puxado, trabalhar para diminuir o custeio e ampliar as receitas próprias. Também precisamos melhorar o ambiente de negócios, reduzir a burocracia e nos aproximar do governo do Estado para usar melhor o porto — afirma Branco.
O secretário municipal da Fazenda Christian Küster aposta ainda na reestruturação de contratos e na atualização da planta do IPTU, sem aumento de alíquotas, mas com a revisão de áreas construídas. Küster pretende reforçar o controle sobre contribuintes que tentam burlar o sistema para não pagar impostos.