Coordenador do Observatório de Estatais da Fundação Getulio Vargas (FGV), o economista Márcio Holland aponta a falta de planejamento como um dos grandes entraves às privatizações no Brasil. Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 2011 e 2014, no governo Dilma Rousseff, o professor sustenta que é necessário superar as amarras ideológicas para debater o tema de forma produtiva. Confira os principais trechos da entrevista.
No início do mandato, o atual governo anunciou uma onda de privatizações, mas o processo não deslanchou. Como avalia isso?
Não tem sido fácil fazer privatizações no Brasil por dois motivos básicos. Primeiro, porque uma empresa estatal é constituída por lei para atender ao interesse coletivo ou ao imperativo de segurança nacional. Para alienar esse ativo, é preciso, portanto, autorização do Congresso, e aí começa o problema. O segundo ponto tem a ver com a forma como são desenhadas as privatizações no Brasil.
Falta planejamento?
Sim. Privatizar pode significar perda de controle do Estado sobre uma empresa, mas não necessariamente perda de participação. Isso não é discutido claramente com a sociedade. Por exemplo: muitos economistas dizem que o Banco do Brasil está pronto para ser privatizado, mas aí surgem várias perguntas. Com a venda, haveria perda total ou parcial de controle? Sendo total, quem assumiria as funções sociais do banco, como ofertar crédito rural? Sendo parcial, qual seria a estratégia adotada? Faltam estudos e o debate é puramente ideológico.
Em tempos de radicalismo político, é difícil superar isso, não?
Sim, mas precisamos superar. A privatização em si não deveria ser tratada como assunto ideológico, mas como discussão da melhor estratégia de participação do Estado na economia brasileira, sem essa paixão toda: “ah, vou privatizar porque não concordo com estatais” ou “não vou, porque as estatais são nossas”. Aí o debate acaba.
Olhando para outros países, onde há bons exemplos?
Os países que privatizaram suas estatais o fizeram nos anos de 1980, começando pelo Reino Unido. O Brasil está bastante atrasado e segue com volume enorme de empresas. Identifiquei cerca de 400 em um estudo que fiz, considerando federais, estaduais e municipais. Esse número é ainda maior se levarmos em conta as participações. Só a Eletrobras chegou a ter 900 conselheiros. Na essência, a estatal deveria cumprir uma função social, mas isso se desvirtuou no país. Por exemplo: o Banco do Amazonas foi fundado para promover o ciclo da borracha, só que o ciclo acabou e ele continuou existindo.
Temos estatais em excesso, em comparação com outros países?
Os países que compõem a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) tinham, em média, em 2019, cerca de 50 estatais.
Esse número seria adequado no Brasil?
A questão é complexa. Por que existem estatais? Porque há falhas de mercado. Ou seja, o setor privado, sozinho, não consegue oferecer tudo o que a sociedade precisa, então é preciso ter a intervenção do Estado. Quais são as falhas de mercado no Brasil? Uma delas é o crédito privado de longo prazo. Quando o BNDES sai de cena, os bancos privados não oferecem as condições que os investimentos de longo prazo requerem. Então, é essencial termos um banco de desenvolvimento, mas precisamos de 11 instituições financeiras federais? Creio que não. Não sou liberal puro sangue, nem intervencionista. Acredito no meio-termo.
Muitos países que se destacaram em privatizações, como o Reino Unido, acabaram promovendo reestatizações em alguns setores. O que podemos aprender com isso?
Aí entra a discussão sobre a função social, que já mencionei. Não se trata de adotar a ideia privatizante do liberal de quermesse, de sair vendendo tudo porque é “feio”, nem a ideia sindicalista, de não vender nada porque o patrimônio é nosso. Ambos estão equivocados. Há falhas de mercado e há necessidade de intervenção do Estado em alguns setores. Isso é inquestionável. O Brasil precisa aprender a entender melhor a importância das estatais. Uma estatal pode ser relevante, mas precisa ter bons níveis de governança corporativa e ser blindada de interesses político-partidários para atender a sua função social.