No primeiro mês completo da adoção do distanciamento social para conter a pandemia de coronavírus, a produção industrial no Brasil e no Rio Grande do Sul despencou. É o que apontam indicadores das fábricas divulgados nesta quarta-feira (3) referentes a abril. A Pesquisa Industrial Mensal - Produção Física (PIM-PF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicou retração de 18,8% frente ao mês anterior. No mesmo período, o Índice de Desempenho Industrial (IDI-RS) da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs) apurou recuo de 13,2% na atividade gaúcha.
No país, a queda em abril é a maior já registrada desde 2002, quando começou a PIM-PF. Em relação ao mesmo período de 2019, a contração chega a 27,2%. Em abril, 22 dos 25 setores analisados tiveram desempenho negativo, entre eles os segmentos de veículos automotores, reboques e carrocerias (-88,5%), outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores (-76,3%) e preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos para viagem e calçados (-48,8%). Na contramão, a fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos teve alta de 6,6%.
Situação semelhante é verificada no Rio Grande do Sul pela Fiergs. A atividade na indústria de transformação em abril chegou ao menor patamar já verificado na série do IDI-RS, iniciado em 2003. Frente ao mesmo período de 2019, o tombo vai a 23,1%. Ao todo, 16 dos 17 setores da indústria gaúcha analisados apresentaram perdas. O resultado foi puxado pelos segmentos de vestuário e acessórios (-52,8%), couros e calçados (-45,2%) e veículos automotores (-44,2%). A exceção foi o ramo de alimentos, único a ter alta, de 0,9%.
— É a maior queda que já tivemos na indústria gaúcha e não significa que ela parou por aí —resume Gilberto Petry, presidente da Fiergs.
Impactos da queda
O avanço da pandemia trouxe forte queda na demanda e levou à paralisação da linha de produção de uma série de fábricas. Como reflexo, as indústrias optaram por enxugar o quadro de funcionários. No Rio Grande do Sul, o corte chegou a 25,5 mil vagas de emprego com carteira assinada somente em abril.
Um dos motores da economia gaúcha, o setor automotivo praticamente parou. Na Serra, maior polo industrial do Estado, as empresas optaram por dar férias coletivas ou utilizar banco de horas entre o final de março e a primeira quinzena de abril. Segundo o presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região (Simecs), Paulo Spanholi, esse fator ajuda a explicar a retração histórica vivenciada pelo setor automotivo.
— Foi o pior mês que temos conhecimento para o setor. A queda foi muito grande e ainda não vemos saída (da crise) — avalia Spanholi.
A indústria calçadista também apresentou redução expressiva no nível de produção. O presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira, lembra que o fechamento do comércio em diversas cidades e Estados afetou as vendas. Com isso, o setor já encerrou 35,2 mil empregos entre o final de março e o início de junho. Apenas no Rio Grande do Sul foram 10,3 mil demissões desde o começo da pandemia.
— O pior reflexo da crise é o aumento do desemprego. O setor, no país, já perdeu 13% da força de trabalho — constata Ferreira.
No caso do setor farmacêutico, que apresentou crescimento na produção nacional, em abril, o resultado é visto como sazonal. O presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos Farmacêuticos do Estado (Sindifar-RS), Thomaz Nunnenkamp, aponta que o desempenho vinha de uma base de comparação baixa no mês anterior. Além disso, no início da pandemia, o setor se beneficiou da antecipação de compras de medicamentos no varejo.
— A situação pode ter dado uma pequena melhora em abril, mas a indústria farmacêutica vem sofrendo bastante. A atividade está perdendo representatividade nos últimos anos — pondera Nunnenkamp.
Ainda sem perspectiva de retomada
Além da queda abrupta na produção verificada desde o início da pandemia, a falta de perspectiva de reaquecimento da demanda preocupa dirigentes industriais gaúchos. O clima de incertezas e a perda de renda da população acabam reduzindo as vendas do comércio e, por tabela, diminuem os pedidos à indústria, lembra o presidente da Fiergs, Gilberto Petry.
Diante deste cenário, as fábricas gaúchas não descartam novos cortes nos quadros de funcionários. Ainda que o governo federal tenha lançado medidas para conter demissões, como a possibilidade de suspensão e redução de jornada e crédito para folha salarial, muitos empresários preferem não aderir a elas, já que teriam de garantir estabilidade aos funcionários após o término da vigência do benefício.
— O empresário prefere não ficar amarrado e ter a liberdade de manter o quadro de acordo com a capacidade financeira dele. Estamos numa situação de insegurança que nunca vivemos antes — salienta Petry.
Nem mesmo a reabertura do comércio deve estancar as demissões no setor calçadista, um dos mais atingidos pela pandemia. A avaliação é de que a volta dos pedidos dos lojistas deverá demorar para ganhar fôlego. Desta maneira, a redução na demanda por calçados em 2020 leva à contração da produção nas fábricas e se refletirá no nível de emprego.
— Infelizmente, as demissões podem aumentar ainda nas próximas semanas. A flexibilização da abertura do comércio é um passo importante, mas as indústrias ainda estão operando abaixo da capacidade — menciona Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados),
O dirigente defende a prorrogação da Medida Provisória (MP) 936, que possibilita a redução de jornada de trabalho ou suspensão de contrato, para evitar mais demissões na indústria.