Dias depois de o governo autorizar a retomada de atividades comerciais e do atendimento presencial em bares e restaurantes, a primeira impressão de quase todos os segmentos é a mesma: faltou combinar o retorno com os clientes. A situação mais crítica é a relatada por bares e restaurantes. Segundo representantes do setor e donos de estabelecimentos, o movimento na maior parte dos locais ficou entre 10% e 20% do normal. Muitos já amargam prejuízos.
— Está sendo horrível. Os (dias) melhorzinhos estão registrando em torno de 20% do movimento. Todos, sem exceção, estão trabalhando no vermelho — diz Ari Anselmini, presidente da Associação dos Restaurantes do Centro de Porto Alegre (Arpoa).
Segundo Anselmini, cerca de 70% dos 60 associados, todos restaurantes com bufê — que tiveram de suspender o self service —, reabriram nos últimos dias. A maior parte reduziu o número de funcionários e as opções de pratos para diminuir os custos. Ainda assim, o retorno das atividades não compensou.
Proprietário do restaurante Bene Mangiare, na Rua 24 de Outubro, Alcemir Cousseaul opera no negativo desde que retomou o atendimento, na quinta-feira (21). Distanciou as mesas, disponibilizou álcool em gel e destacou um funcionário para servir os clientes. Ainda assim, as cerca de 400 refeições que servia diariamente, agora, não passam de 50.
— Em 24 anos, já passamos por várias crises. Mas, desse jeito, nunca. Se isso se estender por todo o inverno, não tem como continuar — lamenta.
A situação não é diferente no restaurante Prato Verde, no Bom Fim, onde os primeiros dias também têm sido de mesas vazias. Na sexta-feira (22), o local de 160 lugares disponíveis — reduzidos em razão do distanciamento social —, recebeu apenas 15 clientes.
— Nossa ideia era atender até 40 pessoas ao mesmo tempo. Mas, no dia em que teve mais gente, vieram 30 pessoas durante todo o almoço — conta o sócio Tiago Flores.
Apesar do pouco fluxo, Flores mantém-se otimista. Acredita que os clientes, ao verem as medidas de segurança adotadas pelo restaurante, irão recomendá-lo a outras pessoas. Para enfrentar o momento crítico, adotou ações de redução de custos, cortando mais da metade da equipe e diminuindo o estoque de alimentos.
Na boêmia Cidade Baixa, o primeiro fim de semana com bares abertos também teve movimento tímido. Ainda assim, a dirigente da Associação dos Comerciantes da Cidade Baixa, Maria Isabel Nehme, acredita que os locais estão tendo desempenho melhor do que o dos restaurante:
— É cedo para avaliar, e o movimento não é constante, mas os bares estão indo, aos poucos. Percebemos que varia conforme o tipo de público. Os que são voltados para os mais jovens, não retornaram.
O receio de que os clientes não apareçam está entre os motivos para diversos estabelecimentos do setor terem optado por aguardar para voltar a atender de forma presencial. Segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), cerca de 50% dos estabelecimentos ainda não quiseram reabrir nos primeiros dias da flexibilização. O presidente do Sindicato de Hospedagem e Alimentação de POA e Região (Sindha), Henry Chmelnitsky, acredita que a retomada exigirá paciência dos empresários:
— O consumidor está com pouca renda, e tem a questão do medo. É natural. Não dá para a gente querer que as pessoas saiam de uma hora para outra. Mas tínhamos de abrir. Então teremos de conviver com isso.
Comércio mostra disparidades
Enquanto bares e restaurantes padecem da falta de clientes, no comércio, a retomada tem se mostrado diferente para cada segmento. Embora não haja ainda um levantamento consolidado, é consenso entre as entidades representativas que as lojas de rua têm mostrado desempenho melhor do que as que ficam dentro de shoppings. Já a proibição das provas em lojas de roupas e calçados têm afetado as vendas nas lojas de vestuário.
— Tem uma disparidade grande entre os negócios. Alguns falam em 20%, 30%, mas têm lojas de rua que chegaram a atingir 80% das vendas. Nos shoppings, é onde mora o maior problema, imagino que seja pela sensação da insegurança das pessoas — avalia o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Írio Piva.
Proprietário da marca de roupas masculinas Spirito Santo, com lojas em cinco shoppings da Capital, Andreas Renner Mentz diz que as vendas desde a reabertura estão entre 20% e 30% do normal para o período. O resultado fraco, no entanto, não o surpreendeu.
— Não está muito diferente do que a gente esperava. É difícil vender moda sem provar, e a loja física ganhava muito na questão de experimentar. Mas percebemos que as pessoas estão muito preocupadas com a questão da recessão. Tenho notado mais medo disso do que o medo de pegar o vírus — diz o empresário, que, prevendo a lenta retomada, montou uma loja com atendimento sob agendamento junto ao seu escritório.
Para quem opera na rua, as promoções têm sido a arma para driblar a crise econômica. Sócia da Santa República, que vende roupas femininas, masculinas e infantis na Cidade Baixa, Fabiana Santos oferece descontos de mais de 50% em algumas peças desde a reabertura. A tática funcionou para atrair a clientela: estima ter atingido entre 60% e 70% do movimento normal nos primeiros dias.
— As pessoas estão comprando por causa disso. Relatam que estão sem dinheiro. Então ainda vamos fazer muitas promoções — projeta.
Para Paulo Kruse, presidente do Sindilojas, o ritmo mais lento na retomada já era esperado pelo lojistas. Acredita, no entanto, que o retorno à “normalidade” é questão de tempo:
— Sabíamos que os primeiros dias seriam difíceis. Esperamos que as pessoas percam o medo, porque estamos tomando todos os cuidados. A gente acha que quando elas começarem a ir às lojas e shoppings vão ver os cuidados e vai voltar ao normal.