Com o celular em mãos, Franncine de Miranda, 29 anos, caminha pelo seu apartamento, em São Paulo. O ponto final do percurso é o quarto que funciona como ateliê. Ali, ela posiciona um ponto de luz em sua direção, procura o local com melhor iluminação natural e, com o auxílio de um tripé, direciona a câmera frontal do smartphone para seu rosto. O dedo indicador pressiona a opção "Ao vivo", no Instagram, e, neste momento, começa a conversar com seus seguidores. Por meio deste canal, a ilustradora e empreendedora reinventou sua relação com o público e vê nesta plataforma uma maneira de potencializar sua marca e estreitar laços com potenciais clientes.
Franncine faz parte da legião de micro e pequenos empreendedores que fizeram as lives na rede social dobrar em abril — atualmente, são 800 milhões de usuários ativos diários no ao vivo do Instagram e Facebook — e aumentar significativamente no YouTube também.
Relações Públicas por formação, Franncine migrou para o mundo da arte somente em 2016, quando fundou o Estúdio Luares e criou uma conta em redes sociais para mostrar as ilustrações feitas. A divulgação de seu trabalho acontece ainda em feiras de design, lojas colaborativas de São Paulo, e-commerce e, no passado, passou a ser convida para ministrar aulas de aquarela.
Com o fechamento do comércio paulista, ela viu sua atividade econômica minguar, mas encontrou nas redes sociais uma alternativa. Antes da chegada do coronavírus no Brasil, a artista havia participado de duas lives, como convidada. Com a pandemia em solo brasileiro, a jovem tomou conta da própria narrativa e passou a ministrar aulas introdutórias de técnicas de aquarela ao vivo.
— Senti saudade de estar com pessoas. Decidi juntar essa minha vontade de interagir com algo que eu sei fazer e que fosse útil para as pessoas. Meu público é composto basicamente por mulheres, e são elas quem estão, em sua maioria, cuidando dos filhos. Ensinar aquarela é bom para elas e também para os filhos, porque funciona como uma terapia para ambos — relata.
Vendas pós-live
As aulas de Franncine contam com, aproximadamente, 200 alunos simultâneos e têm duração de 50 minutos. Os 10 minutos finais da transmissão, ela reserva para perguntas dos espectadores. A ilustradora conta que os ensinamentos passados chamaram a atenção do público que já a seguia e atraiu mais pessoas:
— Tive um crescimento considerável do meu alcance de maneira totalmente orgânica. Inclusive, registrei algumas vendas no meu site nos dias seguintes aos aulões.
Fábio Krieger, gerente de Competitividade Setorial do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), afirma que este tipo de estratégia ajuda a manter a marca viva e próxima do consumidor e que este vínculo está acima da relação comercial, por tratar de temas ligados ao desejo do indivíduo, e não necessariamente à venda.
O especialista diz ainda que este é um momento delicado economicamente. Ele reforça que é difícil mensurar o impacto que o coronavírus causará nos mais diversos setores da sociedade, mas que é possível apontar que a pandemia forçou as empresas a acelerarem sua entrada no mercado digital para sobreviverem e não caírem no esquecimento.
— A crise catapultou o processo de digitalização dos empreendedores no que tange à venda e à presença nas mídias sociais. O pequeno empresário saiu do caixa, da rotina de atendimento físico e começa a se dedicar a outros canais de comunicação, o que vai ao encontro do que o consumidor requer agora, já que ele passa grande parte do seu tempo em casa — explica.
Bate-papo despojado é a tendência
A marca carioca de lingerie plus size GG.rie tem uma presença online consolidada. Contudo, era com a loja física e nos eventos de moda destinado a mulheres que vestem do 46 ao 60 que o empreendimento reforçava seu nome, conquistava clientes e realizava as vendas. Allyne Turano, 34 anos, dona da microempresa, conta que, por estar inserida no ramo fashion e com um nicho tão específico, o contato presencial é essencial — principalmente porque ela lida com algo que é extremamente julgado pela sociedade, o corpo feminino:
— As clientes têm receio de como ficará o caimento, se vão se sentir confortáveis, etc. Na minha loja e nos eventos em que participava, eu tinha essa troca, conversávamos sobre respeito e aceitação do corpo, debatíamos o conceito de beleza, e elas viam como era a modelagem das peças. Esse momento era essencial para as vendas. As minhas vendas online são uma extensão das feiras e da loja física.
Com o fechamento do comércio, Allyne viu seu rendimento cair. Na tentativa de manter o caixa em movimento, a empresária passou a investir na recompra de antigas clientes, na indicação do empreendimento e no uso das lives, ferramenta que nunca havia utilizado até então.
Ela se colocou na posição de cliente e se perguntou: "O que eu gostaria de ficar sabendo neste momento?" A partir daí, passou a convidar mulheres, que são clientes da GG.rie, a participarem de suas lives. Mesmo com cenário improvisado, o cachorro fazendo aparições icônicas e a internet instável — em alguns momentos — já foram feitas sete transmissões, que geraram até 4 mil visualizações cada, nas quais foram abordados temas como saúde mental, Direito trabalhista, entre outros, que ajudaram a manter a estabilidade financeira do negócio, diz Allyne:
— Por tratar de variados temas, comecei a dialogar com outros públicos e ganhei visibilidade. Isso ajudou a manter minha empresa de pé, não dispensei nenhum dos meus quatro colaboradores freelancers.
Melissa Lesnovski, coordenadora curso de Comunicação Digital da Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos), explica que as lives se tornaram uma vitrine. Ela destaca que, se antes as empresas disputavam a atenção dos clientes em feiras, shoppings e ruas de comércio, hoje, a arena é digital, a vitrine e o palco são 2.0.
— Por estarmos vivendo este distanciamento social, a necessidade de conexão emocional aumentou. A proximidade é o grande trunfo dos pequenos sobre as grandes varejistas. Por isso, é preciso saber usar a informalidade na medida certa, passar essa sensação de conversa informal, mas ter um roteiro para o vídeo. Ou seja, trazer conteúdo, mas sem deixar a transmissão engessada — sentencia.
Aborde temas ligados ao universo do empreendimento
O gerente de Competitividade Setorial do Sebrae afirma que é sempre uma boa ideia chamar um convidado ligado ao empreendimento ou que seja especialista em um tema que seja pilar da empresa — e foi justamente isso que a designer de moda paulista Natália Pires, 27 anos, fez.
A criadora da marca de bolsas e acessórios veganos Maduu conta que a crise a pegou quase descapitalizada, já que ela tinha destinado boa parte da sua reserva para o lançamento da nova coleção de maio. No grupo de mulheres microempreendedoras, no qual está inserida, houve a união das pequenas para que a crise fosse superada e que o estoque fosse, ao menos, liquidado. Além das ações promocionais, elas decidiram embarcar em transmissões ao vivo que abordassem temas relacionados ao universo do produto que comercializam.
No caso da Maduu, que tem como propósito fazer da moda um setor mais sustentável e menos nocivo ao planeta, a microempresária optou por enviar uma máscara lavável na embalagem de cada item vendido e promover aulas de pilates e ioga.
— Sou praticante destas duas modalidades, mas não me sentia apta a ministrar uma aula. Então, convidei uma amiga para dar aula de ioga e a minha irmã para dar a aula de pilates. O retorno foi muito positivo, porque acredito que esse seja o momento de olharmos para nós mesmos em busca de transformação. E essas práticas são bons norteadores neste processo — afirma a jovem, que disponibilizou uma playlist chamada Para focar e relaxar, destinada a quem precisa trabalhar de casa.
O convite feito à irmã Bruna Pires, 33 anos, não é à toa. Além da presença no mundo digital, Natália mantém uma loja física no mesmo espaço em que a irmã e instrutora de pilates tem sua escola de pilates e ioga, em São Paulo.
Fábio ressalta que, neste momento, o importante é se fazer presente digitalmente, porque isso não é uma tendência passageira, mas uma realidade:
— Em algum momento, sairemos do distanciamento social e voltaremos ao presencial, mas não na proporção que tínhamos antes da pandemia. Então, esse é um bom momento para acelerar a entrada no mundo digital, informatizar processos internos, porque isso auxilia na redução de custos também. Ser digital é o caminho do presente e não tem volta.
Veja dicas de como planejar e fazer uma boa live
Com a ajuda do Fábio Krieger e do Instagram, colhemos algumas dicas de como começar e turbinar sua transmissão ao vivo.
- Faça um pequeno levantamento junto aos seus clientes, por telefone ou redes sociais, sobre os interesses deles. O resultado desta pesquisa será importante para direcionar sua presença digital.
- Não é preciso estar em todas as plataformas. Opte por marcar presença naquela em que seus clientes estão.
- Não fuja do seu posicionamento e pilares fundamentais.
- Para fazer a transmissão, procure um espaço iluminado da casa e busque um bom enquadramento.
- Avise sua base se seguidores quando a live acontecerá.
- Entre em momentos específicos da semana, para que seu público saiba quando sintonizar.
- Estipule um tempo máximo para a live e tenha um roteiro.
- Se possível, leve alguma vantagem para quem assistiu à transmissão. Um código de desconto, por exemplo.
- Traga convidados para falar sobre assuntos que sejam de interesse do seu público.
- Não tenha medo de testar e errar durante este processo.
- Leve clientes para falar sobre a relação deles com a marca, relatos que tiverem finais construtivos.
- Experimente uma live de perguntas e respostas.