Após sofrer críticas pela letargia no anúncio de medidas de socorro ao setor produtivo diante dos efeitos da pandemia de coronavírus, o governo federal lançou nesta sexta-feira (27) uma linha de crédito no valor de R$ 40 bilhões para custear a folha de pagamento de pequenas e médias empresas. A maior parte dos recursos (85%) será financiada pelo Tesouro, com seis meses de carência e juros de 3,75% ao ano (equivalentes à taxa básica da economia, a Selic). A iniciativa foi bem recebida por economistas e por entidades empresariais, como Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do RS (Fecomércio-RS) e Federação das Indústrias do Estado do RS (Fiergs). É praticamente unânime, contudo, que o aporte ainda é insuficiente.
O programa prevê o pagamento dos salários de funcionários de empresas com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões. Serão liberados R$ 20 bilhões por mês, durante dois meses, período em que as empresas não poderão demitir os colaboradores beneficiados.
O dinheiro será repassado direto ao trabalhador, com depósito em conta corrente, limitado a dois salários mínimos mensais. Ao empregador caberá aderir à linha de crédito e depois pagar o financiamento em 36 parcelas.
— O dinheiro vai direto para a folha de pagamento. A empresa fica só com a dívida — salientou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Segundo ele, serão beneficiadas 1,4 milhão de empresas e 12,2 milhões de pessoas.
O governo anunciou ainda outras ações, como a redução dos juros do cheque especial da Caixa Econômica Federal para 2,9% ao mês, suspensão por três meses no pagamento do financiamento imobiliário e linhas de crédito para as Santas Casas. Todavia, o suporte financeiro às empresas foi a iniciativa de maior repercussão.
Com 1,9 milhão de empresas assistidas no Estado aptas a aderir ao financiamento da folha de pagamento, o diretor-superintendente do Sebrae-RS, André Vanoni de Godoy, considera fundamental a agilidade na liberação dos recursos. Segundo Godoy, com duas semanas acumuladas de inatividade, o setor não conseguirá arcar com o pagamento dos tributos, fornecedores e, o mais urgente de todos, os salários dos funcionários.
— Estão todos angustiados. O grande drama desses empresários é o caixa, e semana que vem é hora de pagar salários. Então, esse dinheiro é muito bem-vindo, mas tem de chegar de uma vez. O que se espera é que o governo seja rápido, sem burocracia na hora de fechar os contratos — afirma.
Economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo tem avaliação semelhante. Estimando que atualmente 123 mil empregos do varejo estejam sob risco no Estado, Patrícia afirma que o fator mais importante à eficácia das medidas são as condições impostas às empresas:
— O pacote é bom, mas vai depender das garantias exigidas. Tem muita empresa sem condições de se endividar. Se for muita exigência, esse crédito vai empoçar.
A exemplo de Godoy, Patrícia cita um estudo norte-americano segundo o qual uma empresa varejista aguenta no máximo 27 dias sem faturamento. Ambos lembram que grande parte das empresas está completando a segunda semana de inatividade.
— As duas próximas semanas serão determinantes. Tem crise na oferta, crise na demanda e de expectativa. O crédito é só um elemento da solução. Se não chegar rápido, não adianta — alerta Patrícia.
Taxa "de pai para filho"
Na indústria, o economista-chefe da Fiergs, André Nunes, projeta uma adesão menor à linha de crédito oferecida pelo governo. Nunes afirma que o elo mais frágil da cadeia produtiva são os fornecedores da matriz fabril:
— Essas empresas têm menos capital, margem menor, então são as que mais vão precisar dos recursos. Mas, se tudo continuar parado, vai ser uma catástrofe.
Para o economista André Perfeito, economista-chefe da corretora de valores Necton Investimentos, as medidas têm foco no curto prazo e não resolvem as dificuldades enfrentadas pelas empresas. Ele saudou sobretudo o prazo e a taxa de juros "de pai para filho" do financiamento, bem como a mudança de postura do governo.
— Tendo em vista que a renda média do brasileiro é de R$ 2.361, o governo pagar os salários até R$ 2 mil é bem razoável. Só acho que R$ 20 bilhões ao mês pode ser pouco diante de um consumo mensal das famílias estimado em R$ 360 bilhões. Mas está bom para começar, e o mais importante é o sinal de que o Ministério da Economia está mais alinhado com o que pensam os outros Poderes e o mercado, diante de tanto ruído que vinha de dentro do Palácio do Planalto.
Professor da PUC-Rio, o economista José Márcio Camargo considera que o governo age no ritmo da pandemia, tentando ajustar as medidas às necessidades de cada ator do setor produtivo:
— O governo falou que a cada 48 horas viriam novas medidas, e elas estão vindo. A verdade é que ninguém sabe ao certo o que vai acontecer e até quando isso vai durar. Melhor que as decisões sejam tomadas aos poucos do que virem tudo numa loucura só.
As medidas anunciadas nesta sexta-feira
Cheque especial
Redução da taxa de juros no cheque especial da Caixa Econômica Federal para 2,9% ao mês
Financiamento da casa própria
Suspensão por três meses do pagamento do crédito imobiliário para 800 mil famílias
Empréstimos a hospitais
Linha de crédito de R$ 5 bilhões para as Santas Casas, com juros de 10% ao ano.
Redução da taxa de juros de 20% ao ano para 10% ao ano para os hospitais que já possuem financiamento
Folha de pagamento
Crédito de R$ 40 bilhões para pagar folha de pagamento de empresas com faturamento entre R$ 360 mil a R$ 10 milhões
Outras medisas já tomadas
Coronavaucher
Auxílio de R$ 600 aos trabalhadores informais, podendo chegar a R$ 1,2 mil se a chefe de família for mulher
Prazo no FGTS
Suspensão por três meses do prazo para as empresas efetuarem pagamento do FGTS
Crédito para empresas
Liberação de R$ 5 bilhões em crédito para micro e pequenas empresas pelo Programa de Geração de Renda
Sistema S
Redução de 50% nas contribuições das empresas ao Sistema S (Sesc, Sesi, Senac e Senar) por três meses
Antecipação do 13º
Pagamento em abril e em maio das duas parcelas do 13º salário dos aposentados e pensionistas do INSS
Abono salarial
Antecipação para junho do pagamento do abono salarial
Transferência do PIS/Pasep
Transferência para o FGTS de valores não sacados do PIS/Pasep e liberação de novos saques do fundo de garantia
Facilidades aos bancos
Dispensa dos bancos de aumentar o provisionamento de recursos em renegociações de créditos
Redução da exigência de capital próprio nas renegociações e concessões de empréstimos
Bolsa-Família
Aporte de R$ 3,1 bilhões no Bolsa-Família para inclusão de 1 milhão de pessoas no número de assistidos