De chapéu panamá na cabeça, a técnica em enfermagem Cândida Maria dos Anjos, 50 anos, celebrava a primeira viagem de avião em fevereiro de 2010. Acompanhada de uma turma de colegas de trabalho, embarcou para o Carnaval no Rio de Janeiro, onde bebericou pelos bares da Urca e sambou nas arquibancadas da Marquês de Sapucaí.
Depois da estreia, Cândida repetiu o passeio nos quatro anos seguintes. Havia dinheiro sobrando no final do mês, e ela tomara gosto pela ponte aérea que, inicialmente, dera frio na barriga.
– Tive muito medo. Cheguei ao avião tremendo, mas dei sorte de sentar ao lado de uma psicóloga. Ela foi conversando comigo e, quando vi, já estava lá – conta.
Uma década depois, os roteiros turísticos da técnica em enfermagem têm se limitado a excursões aos finais de semana. Sempre que pode, reúne amigas para passeios à Festa da Uva, em Caxias do Sul, ou ao Litoral Norte. Já o Carnaval de 2020 ficou mesmo no bate-volta a Oásis do Sul, praia vizinha de Tramandaí.
– Dei uma parada nas viagens porque estou fazendo outras coisas – afirma.
Entre os novos compromissos, está o financiamento da casa própria. Cândida morava na Vila Jardim, zona norte da Capital, com um irmão e dois filhos. Há quatro anos, em busca de privacidade, adquiriu um apartamento de um dormitório no bairro Mario Quintana, parcelando R$ 150 mil em 30 anos.
Cândida também se casou e mudou de emprego. Hoje, trabalha das 18h à meia-noite no Banco de Olhos, deslocando-se de ônibus na ida e de Uber na volta. O salário, porém, segue no mesmo patamar, e o orçamento doméstico tem sido comprometido pela situação do companheiro. Servidor administrativo da Polícia Civil, Carlos Alberto Prates, 69 anos, recebe parcelado há 50 meses.
– Agora, está tudo muito complicado. Nosso salário continua o mesmo, mas as coisas só sobem. É um tal de aperta daqui, aperta dali – comenta.
Para o casal, o contingenciamento atingiu os momentos de lazer e adiou o sonho de reforma do apartamento. Todos os finais de semana, Cândida e Carlos Alberto tinham o costume de sair, incluindo idas ao 100% Beco, bar onde se conheceram, na Avenida Antônio de Carvalho. Hoje, limitam os passeios a uma vez por mês.
– Agora, para sair, temos de fazer conta – diz Cândida.
A técnica em enfermagem aguarda o resultado do pedido de aposentadoria, apresentado ao INSS “antes da reforma, né?”. Se a economia melhorar, sonha em passar massa corrida na parede texturizada da sala de casa, comprar um computador para aplicar os ensinamentos das aulas de informática cursadas e alçar novos voos domésticos. Dessa vez, pretende conhecer o Rio Grande do Norte.
– Eu quero passear. Agora, para Natal.