Filha de faxineira, Marilene Cardoso da Silva, 46 anos, deixou o auditório do prédio 41 da PUCRS, na tarde de 22 de janeiro de 2010, com o título de pedagoga. Foi a primeira e única dos 12 irmãos a se formar na faculdade, confiante de que o diploma seria seu passaporte para mudar de vida.
– Era um sentimento de muita conquista, de uma vitória que parecia tão distante. Minha mãe tinha 12 bocas para sustentar e, muitas vezes, nos dava comida só à noite. Eu limpava salas de aula e pensava: “Um dia, vou estar do lado de lá” – relembra.
Marilene nutria o sonho do ensino superior durante o trabalho. Das 6h às 14h, era faxineira da universidade onde se formou. Funcionária da PUCRS, concluiu o ensino médio em uma escola pública – havia estudado apenas até o 6º ano – e prestou vestibular de olho no desconto de 80% na mensalidade oferecido aos empregados. Do salário de R$ 437 à época, mais de R$ 200 iam para o pagamento do curso. Para dar conta das tarefas, a pedagoga dormia só uma hora nos finais de semestre.
Depois de formada, emendou uma pós-graduação em orientação, supervisão e gestão escolar, também na PUCRS, e conseguiu o primeiro emprego como professora na rede Cesi, em Viamão.
– Um dia, eu sabia que tudo ia valer a pena. Passei muita dificuldade e sacrifício, não queria que meus filhos passassem pelo mesmo. Até hoje, minha casa é simples. Mas nunca falta comida – diz.
Em 2013, fez concurso para o magistério estadual e, dos 83 mil candidatos, foi uma das 10,6 mil aprovadas. Nomeada em abril de 2014, assumiu uma turma de 3º ano na escola Poncho Verde e a supervisão de alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A lua de mel com o funcionalismo durou pouco. O ex-governador José Ivo Sartori deu início à política de parcelamento dos salários, mantida pelo sucessor, Eduardo Leite. O dinheiro a conta-gotas desestabilizou o orçamento doméstico, comprometido, em parte, pelo pagamento do apartamento onde mora, subsidiado pelo Minha Casa Minha Vida, em um conjunto habitacional na conhecida “Ferradura” do bairro Rubem Berta.
Há três anos, Marilene foi aprovada em outro concurso, da prefeitura de Alvorada. O depósito em dia pelo município tem dado fôlego para pagar as contas, mas tomado os três turnos. Trabalha das 7h45min às 22h30min, em três instituições, preparando aulas aos finais de semana.
Em 2019, o desemprego avançou sobre a família. O marido, Miguel Almeida, 56, foi demitido de uma empresa de vigilantes, e R$ 3 mil sumiram do orçamento mensal. Restou escolher quais contas pagar.
– Tivemos de controlar na alimentação, comprar o que era realmente essencial. Pedíamos pizza, já não pedimos mais. Saíamos todo o final de semana... Não. Hoje, uma vez por mês, e olhe lá. A conta de luz, pagamos uma, mas sempre tem outra na gaveta para o mês seguinte. O cartão, sempre o mínimo – conta.
Miguel conseguiu um emprego no último 23 de janeiro. Receberá metade do salário anterior, mesmo assim, um alívio para o sufoco dos últimos 10 meses. O parcelamento do subsídio de Marilene, porém, segue sem prenúncio de acabar, ressente-se a pedagoga:
– Tinha uma perspectiva muito alta de que a coisa ia andar. Quando a gente faz uma faculdade e escolhe uma profissão, acredita que, através dela, vai conseguir se manter, dar uma condição de vida melhor para os filhos, ser valorizado. Mas, poxa, chegamos numa situação que nunca imaginei.