Ex-segurança privado, Rafael da Rosa, 37 anos, foi aprovado em concurso público em 2009. Habituado a andar a pé, comprou o primeiro carro dois meses após assumir como agente de serviços da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), um Celta zero de cor vermelha aguardado com ansiedade pela família.
Pagou sem sofrimento as 60 parcelas de R$ 690, diluídas no salário que cai na conta todo dia 30. Mesmo contratado pelo regime celetista, sem estabilidade reconhecida, Rafael sentiu-se confiante para turbinar o padrão de vida do lar. Na década seguinte, o veículo popular seria apenas o primeiro de muitos investimentos.
Em meio à turbulência financeira, o servidor sentiu-se pouco impactado. A aprovação no concurso público lhe garantiu uma renda distante de riscos e incertezas típicas do setor privado. Por ser funcionário de uma empresa pública, independente do Tesouro do Estado, Rafael ainda se viu livre do parcelamento salarial.
– Mesmo celetista, tenho uma situação mais estável do que no setor privado. Por isso, logo que entrei, pensei: “Vou atrás de um carro”. Passei a ganhar três vezes mais, fora todas as vantagens – comenta.
Na estatal, Rafael começou fazendo consertos de rua, em Gravataí, e passou, cedido, pela diretoria financeira da Associação dos Servidores da Corsan (Corsan). Há um ano, ascendeu na carreira, incorporando uma função gratificada (FG) ao assumir como coordenador da Unidade de Saneamento Especial (USE) das Hortênsias, em Gramado.
Mais resistente à crise, trocou de carro em 2015, substituindo o Celta usado por um Onyx novo. Dessa vez, as prestações chegam a quase R$ 1 mil mensais. A esposa, Nagaraí, 35 anos, também entrou para a frota, comprando primeiro um Celta e, depois, um Siena, mais confortável para o transporte da família.
Com crédito farto por causa do funcionalismo, Rafael também abandonou a vida de inquilino no terreno dos sogros. Adquiriu uma ampla casa de 130 metros quadrados no centro de Viamão, financiando pouco mais da metade do imóvel.
Os três filhos (Arthur, 15 anos, Rafael, 11, e Manuela, sete) estão matriculados no Colégio Stella Maris, tradicional instituição de ensino da Região Metropolitana. Todos recebem meia bolsa, aliviando o peso educacional das despesas domésticas.
– Como eu ia parcelar um carro em 60 vezes sabendo que poderia ser demitido a qualquer momento? Aí, entrei para a Corsan e minha vida mudou. Agora, tenho a garantia de que vou conseguir pagar, porque, lá no dia 30, o dinheiro vai estar na minha conta. Tomei coragem para dar uns “peitaços” – diz.
Desde que assumiu em Gramado, há um ano, Rafael dorme nos dias de semana em um quarto de hotel, pagando R$ 70 a diária. Enquanto vive no improviso, faz planos. Gostaria de comprar uma casa na Serra para se mudar com toda a família, mas eles ainda resistem. O impedimento, porém, não está no bolso – Nagaraí e as crianças estão ressabiados com o frio intenso da região.