Em um cenário de juro baixo, com menor atratividade das aplicações de renda fixa, os brasileiros estão se mostrando mais propensos a assumir risco na hora de investir. O país registra 1,59 milhão de investidores pessoas físicas na bolsa de valores de São Paulo, a B3, alta de 184% nos últimos três anos, quando a taxa Selic passou a cair de 14,25% a 5% ao ano. Do total, 777,4 mil começaram a aplicar em ações em 2019.
O movimento também acontece no Rio Grande do Sul, que fechou novembro com 89,7 mil pessoas físicas cadastradas na bolsa. Desde 2016, o número de participantes gaúchos no mercado cresceu 144%. No período, o montante gerido por investidores do Estado na B3 mais que triplicou, passando de R$ 4,97 bilhões a R$ 16,12 bilhões.
Neste ano, ingressaram na bolsa 40,7 mil gaúchos, o que representa 45% dos investidores do Estado. Com a possibilidade de mais cortes na Selic, que pode cair a 4,5% até o final do ano, a tendência é de que haja mais interessados.
– Esse novo momento requer maior diversificação na hora de alocar recursos e se reflete no aumento de investidores na bolsa – afirma Ivanor Torres, presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais da Região Sul.
Brasileiros de 26 a 35 anos são os protagonistas da expansão da base de participantes no mercado acionário. A partir de julho, esse público passou a compor a maior fatia, alcançando 31% do total. Entre eles, está o representante comercial Giovanni Orso, 29 anos. Natural de Porto Alegre, Orso passou a comprar ações em julho. Hoje, 30% de seus recursos estão alocados em papéis de companhias de capital aberto.
– Sempre tive curiosidade sobre investir em bolsa. Tinha dinheiro na poupança, o rendimento vinha caindo, e veio um estalo de que tinha de fazer algo diferente – conta.
Para o diretor de relacionamento com clientes da B3, Felipe Paiva, a mudança de comportamento ainda está em estágio inicial e tende a se intensificar. Atualmente, apenas 0,8% da população do país está na B3. Enquanto isso, cerca de 70% dos brasileiros tem dinheiro aplicado na poupança, que hoje rende em torno de 3,5% ao ano – o Ibovespa, índice que reúne as principais ações da bolsa, avançou cerca de 25% neste ano.
– Como há 20 milhões de pessoas com mais de R$ 5 mil na poupança e mais de 5,5 milhões com aplicações de renda fixa na própria B3, ainda tem público em potencial (para aplicar em ações) – diz Paiva.
Abordagem
Não é só o juro baixo que motiva os brasileiros a estrearem na bolsa de valores. Nos últimos anos, canais de finanças pessoais se proliferaram pela internet, e corretoras que operam no mercado financeiro modificaram a estratégia de abordagem. Redes sociais, blogs, podcasts e vídeos se tornaram algumas das ferramentas usadas para se comunicar com o público.
Segundo Thiago Salomão, analista da Rico Investimentos, a meta é descomplicar a linguagem e mostrar de maneira simples como funciona o mercado. A Rico utiliza Instagram e produz podcast, que já tem cerca de 240 mil ouvintes, para divulgar conteúdos relativos à compra e venda de ativos.
– Desenvolvemos relatórios para clientes, mas é por meio das redes sociais que os traduzimos de maneira mais amigável. Não adianta entregar material super-rebuscado e técnico para quem está começando a aprender como funciona o mercado – justifica Salomão.
A tecnologia e o aparecimento de startups de serviços financeiros, as fintechs, também modificaram a maneira de se assessorar investimentos. A gaúcha Warren realiza testes para identificar o perfil do investidor e o estimula a criar diferentes tipos de carteiras, conforme seus objetivos pessoais. Todo o processo é feito online, e os aportes podem ser realizados até mesmo por aplicativo de celular.
– Tradicionalmente, as pessoas delegam a decisão de investir a um assessor de corretora ou gerente de banco. Mudamos a tomada de decisão. Dado o perfil da pessoa e o objetivo, a plataforma vai montar e sugerir a melhor carteira – diz Tito Gusmão, CEO da Warren.
Para entender e aplicar
A avaliação
Antes de ingressar no mercado, procure entender como funciona a bolsa de valores e as oscilações dos papéis. Tenha em mente que, na renda variável, a exposição ao risco é maior em relação à renda fixa. É justamente por isso que a possibilidade de ganho tende a ser maior frente às aplicações de renda fixa. Além disso, a valorização de um ativo no passado não representa garantia de que o movimento se repetirá no futuro.
O vínculo
Qualquer pessoa pode investir em ações na bolsa de valores. Para isso, é necessário criar uma conta em uma corretora, que fará a intermediação das transações de compra e venda junto à B3.
A checagem
No processo de escolha de uma empresa onde aplicar seu dinheiro, verifique se ela está habilitada a operar no mercado. Isso pode ser feito a partir de consulta no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão que regulamenta o mercado de capitais no Brasil.
O Banco Central também tem uma relação das empresas cadastradas junto à instituição, que pode ser consultada na internet.
Sócio
Quando o investidor adquire um papel cotado na bolsa, vira sócio da empresa. As ações podem ser preferenciais (sem direito a voto nas assembleias, mas com prioridade ao recebimento de dividendos) ou ordinárias (com direito a voto). Enquanto possuir uma parte da companhia, o acionista tem direito a receber parte dos lucros auferidos, seja por meio de dividendos ou juros sobre capital próprio.
Taxas e IR
Sobre as operações de compra e venda dos ativos incidem taxas de corretagem, com percentuais que variam conforme a corretora, e da B3, dependendo do valor negociado. Além disso, o investidor paga 15% de Imposto de Renda sobre o lucro obtido nas transações efetuadas.
Fundos
O investidor não precisa aplicar diretamente nas ações de empresas. É possível optar por fundos de ações ou fundos de índices, como o Ibovespa, principal indicador do mercado acionário brasileiro.
Vários papéis
Gestores de corretoras recomendam que o investidor diversifique a estratégia e não ponha todo seu capital na bolsa de valores ou em um único tipo de aplicação. Mesmo no mercado de ações, a recomendação é diversificar a carteira com papéis de variados perfis.
Home broker
Após fazer cadastro na corretora, o investidor terá acesso a uma plataforma online, conhecida como home broker, onde realizará as operações de compra e venda de ativos. Algumas empresas disponibilizam versões do sistema também em aplicativos para tablets e smartphones. O investidor pode autorizar um gestor da corretora a realizar as operações em seu nome.
Fontes: José Alexandre Vasco, superintendente de orientação e proteção aos investidores da CVM, e Carlos Muller, analista-chefe da Geral Asset