O imposto sobre transações financeiras é defendido pelo secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, como capaz de aumentar a base tributária em "aproximadamente 30%". Contudo, trabalhos científicos recentes apontam que o mecanismo tem amplitude menor, perde efeito com o tempo e reduz o crescimento econômico.
Além disso, efeitos colaterais já documentados, como o uso de dinheiro vivo, a criação de formas paralelas de compensação e a verticalização da produção, podem exigir alíquota de até o dobro dos 2% citados por Cintra em evento nesta segunda-feira (12). O governo federal não detalhou ainda um projeto, mas fala-se de um imposto único cobrado sobre créditos e débitos, com alíquota total de 5% sobre cada pagamento (2,5% sobre crédito e sobre débito).
Para manter carga tributária equivalente à atual, seria necessária, porém, uma alíquota inicial de 7,8% (3,89% sobre o crédito e o débito), segundo cálculos do economista e advogado tributarista Eduardo Fleury, com base na efetividade da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e números do Banco de Compensações Internacionais (BIS).
— Esse seria apenas o número de partida, já que o de tributo provoca queda da arrecadação e, para manter a receita, seria preciso elevar a alíquota — diz Fleury.
A redução no montante arrecadado com o passar do tempo foi encontrada em ao menos três estudos realizados no Brasil e em outros cinco países da América Latina que implantaram imposto semelhante (Argentina, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela). Em estudo sobre os efeitos da CPMF brasileira, que vigorou de 1997 a 2007, os economistas do Banco Central Sérgio Mikio Koyama e Márcio Nakane concluíram que o tributo corroeu sua própria base de arrecadação.
Segundo a pesquisa, houve ainda leve aumento de dinheiro vivo, mudança nas carteiras de aplicação financeira e impacto negativo sobre tomadores de empréstimos, aplicadores e intermediários financeiros.
A queda na arrecadação com o tempo também foi encontrada na Colômbia, segundo trabalho publicado pelo Banco Central daquele país. Na análise do professor da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Ellery, que compilou estudos sobre esse tipo de tributo, é um "padrão compatível com a tese de que as famílias e as empresas reagem ao imposto, buscando formas de driblar as transações que passam a ser tributadas".
Em análise dos seis países sul-americanos que implantaram o "imposto do cheque" a partir dos anos 1990, os economistas Andrei Kirilenko, do Fundo Monetário Internacional (FMI), Luiz de Mello, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, grupo de países desenvolvidos), e Jorge Baca-Campodónico, ex-diretor do Banco Central do Peru, concluíram que não apenas os valores arrecadados se reduzem com o tempo como também a elevação da alíquota é uma solução ineficaz: quanto mais ela sobe, menor a efetividade da arrecadação, agravando a perda de receita.
Para chegar ao número de quase 8% necessários para substituir a carga tributária atual, Fleury usa dados dos pagamentos realizados através do sistema bancário registrados pelo BIS, que podem ser considerados a "base tributária" de um imposto sobre transações financeiras.
Aplicando a alíquota de 0,38% do então "tributo do cheque" sobre o volume de pagamentos de 2007, a arrecadação esperada deveria ser de R$ 63,39 bilhões. O resultado, no entanto, foi de R$ 36,32 bilhões, ou seja, 57% do esperado.
Considerando essa efetividade de 57%, para obter uma carga tributária semelhante aos 32,43% de 2017, seria necessária uma alíquota de quase 8% sobre o valor apurado pelo BIS naquele ano (R$ 47,87 trilhões).
Substituição da contribuição previdenciária tem efeito incerto
Fleury também considera improvável a substituição da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos por uma alíquota baixa de imposto sobre transações financeiras: "Seria necessário 1,5% apenas para arrecadar os mais de R$ 420 bilhões informados pela Receita em 2018". Ele refuta também a expectativa de Cintra de ampliar em 30% a base tributária com a inclusão da economia informal e subterrânea.
— Dados da FGV estimam a economia informal hoje em 16% do PIB (Produto Interno Bruto), e esse é um setor que trabalha muito com dinheiro em espécie. Já a economia subterrânea passa por caminhos como criptomoedas e meios internacionais de difícil rastreamento — afirma Fleury.
Estudos mostram que também o setor formal passa a usar menos os bancos, quando se adota o imposto sobre transações financeiras. Com dados da América Latina, Kirilenko e Victoria Summers (também do FMI) encontraram evidências de que o imposto estimulou uso de dinheiro vivo e abertura de contas em outros países, entre outras estratégias para evitar o pagamento da taxa.
Em trabalho publicado neste ano no Journal of International Money and Finance, o economista Felipe Restrepo associa à adoção do tributo também à contração no crédito para o setor produtivo e a um menor crescimento econômico. Um dos segmentos mais afetados, mostra o trabalho de Restrepo, são as indústrias mais sensíveis a desajustes no mercado de crédito. O economista usa técnicas estatísticas para afastar a hipótese de que outros fatores que não o tributo pudessem explicar a retração encontrada.