Após o presidente Jair Bolsonaro indicar mudanças no comando da Receita Federal, o Ministério da Economia confirmou no final da tarde desta segunda-feira (19) a demissão do subsecretário-Geral do órgão, João Paulo Ramos Fachada Martins da Silva, o número 2 do órgão.
O novo titular será o auditor-fiscal José de Assis Ferraz Neto, que até então atuava na delegacia da Receita em Recife, capital de Pernambuco.
Em nota, o secretário da Receita, Marcos Cintra, agradeceu o “empenho e a dedicação” de Fachada Martins no período em que desempenhou as funções de subsecretário.
A medida gerou apreensão entre servidores da Receita, que reclamam de interferências do Planalto. O presidente tem feito reiteradas críticas ao que chama de "perseguição" de auditores e procuradores contra ele e sua família.
Através do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que é ligado à Receita, foram identificadas movimentações suspeitas de um dos filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). O Ministério Público do Rio de Janeiro entende que as transações tiveram origem na chamada "rachadinha", quando o parlamentar exige parte dos salários de seus servidores.
A influência direta de Bolsonaro em órgãos estatais também tem gerado insatisfações na Polícia Federal. Na última semana, ele anunciou que o superintendente da PF no Rio de Janeiro estava sendo substituído por “problemas de produtividade”, e disse que “quem manda (na PF) sou eu”. O nome anunciado pelo presidente não se confirmou. Depois disso, Bolsonaro diminuiu o tom, aceitando a nomeação da direção-geral, que escolheu o superintendente regional em Pernambuco, Carlos Henrique Oliveira Sousa, para comandar as ações no RJ.
Insurreição
Fachada era um nome respeitado entre auditores e participava de discussões importantes, como a da reforma tributária. A tendência, no entanto, é de uma troca mais ampla na cúpula da Receita.
O clima no órgão é de insurreição contra a tentativa de interferência política por parte de Bolsonaro e do núcleo próximo a ele. A Receita Federal costuma reagir em situações de pressão política por troca de cargos. Atualmente, está sofrendo pressões dos três poderes após investigações sobre autoridades.
Auditores-fiscais estão surpreendidos com o atual nível de ataques e interferências no órgão, principalmente por partirem do próprio Palácio do Planalto.
— Quando ele escolheu vir para a vida pública, fazia parte do pacote que toda sua família estaria sujeita a uma maior fiscalização. Ele diz que é perseguição, mas, na verdade, é consequência de tratados internacionais que o Brasil assinou — afirmou o presidente da Unafisco (associação nacional dos auditores-fiscais da Receita), Mauro Silva.
Neste sábado (17), em mensagem a colegas, o delegado da alfândega do Porto de Itaguaí, José Alex Nóbrega de Oliveira, expôs o embate por posições estratégicas na região metropolitana do Rio de Janeiro e que já apresentou histórico de corrupção. Ele declarou ter sido surpreendido há cerca de três semanas, quando o superintendente da Receita no Rio de Janeiro, Mario Dehon, o teria informado que havia uma indicação política para assumir a alfândega do porto.
Dehon não concordou em substituir Oliveira por um auditor com pouca experiência para o cargo. O indicado seria o auditor fiscal Gilson Rodrigues de Souza, que tem mais de 35 anos de experiência de fiscalização em Manaus, capital do Amazonas, mas sem atuação na área de alfândega.
A reportagem do jornal Folha de S. Paulo entrou em contato com Souza. Ele, porém, se recusou a responder aos questionamentos.
— Se eu soubesse que era da imprensa, eu nem teria atendido. Essas são questões internas — disse.
Por não ter cedido à pressão, Dehon, agora, está ameaçado de ser exonerado, conta Oliveira. Os dois se reuniram nesta segunda (19), no Rio de Janeiro.
Mais trocas no Rio de Janeiro
Outro cargo que está na mira do governo é de Adriana Trilles, que trabalha na delegacia da Receita na Barra da Tijuca. Irritado com investigações conduzidas pela Receita, Bolsonaro tem reclamado publicamente da atuação do órgão e tem atuado para que as trocas sejam feitas no Rio de Janeiro.
Procurado, o Planalto não se manifestou sobre o caso.
Diante das interferências políticas, o movimento de rebelião na Receita deve começar, portanto, de cima para baixo — partindo da cúpula em Brasília. Isso pode resultar no travamento de atividades do Fisco, responsável pela arrecadação de tributos, além das discussões para que o governo envie a própria proposta de reforma tributária ao Congresso.
A interferência explícita no órgão surpreende até mesmo auditores-fiscais com anos na carreira. A cúpula da Receita é formada pelo titular da secretaria especial, Cintra, e por seu secretário adjunto Marcelo de Souza Silva.
Cintra costuma mostrar uma postura de alinhamento com o governo. Após Bolsonaro anunciar que indicaria o filho para embaixador nos Estados Unidos, por exemplo, o chefe da Receita afirmou no Twitter que a iniciativa representava uma "manobra hábil e inteligente".
Abaixo de Cintra, estão Fachada e seis subsecretários que cuidam de áreas como a administração aduaneira e a fiscalização. Ao menos metade já estava no cargo desde pelo menos o governo anterior. Além de interferência em cargos, o governo passou a estudar mudanças na estrutura do órgão, que poderia ser fatiado e ter regras flexibilizadas para que funções de chefia possam ser ocupadas por indicações políticas. O projeto precisaria de aprovação do Congresso, onde tem o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Integrantes da Receita questionam ainda a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu a investigação contra 133 pessoas, incluindo ministros da Corte, além de ações do Tribunal de Contas da União (TCU) para vasculhar quem são os auditores que fiscalizaram autoridades dos três Poderes.