Prestes a completar 65 anos, Valdemar Villela segue com todo o gás em seu emprego apesar de receber aposentadoria desde 2011. Começou a trabalhar na operação da Coca-Cola no Estado em 5 de maio de 1972. De lá para cá, aventurou-se por diferentes funções, de ajudante de produção a motorista e vendedor. Hoje, dirige um ônibus retrô que leva visitantes para passeio pela fábrica em Porto Alegre, sob comando da mexicana Femsa e antes administrada pela gaúcha Vonpar.
— Meu plano é continuar no emprego enquanto estiver feliz. Construí uma boa história dentro da empresa — conta o motorista.
Gaúchos de 60 anos ou mais, como é o caso de Villela, vêm ganhando espaço no mercado laboral do Estado, indica série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar disso, a abertura de empregos ainda ocorre em ritmo inferior ao avanço populacional desse grupo. Diante da situação, cresce o dilema de como o Estado poderá elevar as oportunidades para profissionais mais velhos em meio ao debate a respeito da reforma da Previdência.
Entre o quarto trimestre de 2012 e igual período do ano passado, o número de trabalhadores de 60 anos ou mais pulou de 390 mil (7% da amostra) para 527 mil (9,4%). Ou seja, houve elevação de 2,4 pontos percentuais.
Nesse mesmo intervalo, o número de gaúchos com 60 anos ou mais também cresceu — e em ritmo maior. Passou de 19,5% para 23,7% da população em idade de trabalhar (a partir de 14 anos), incremento de 4,2 pontos percentuais. Em resumo: mesmo que a presença de profissionais mais velhos tenha crescido no mercado de trabalho, esse avanço ocorre em maneira mais lenta do que o aumento da população. Os dados fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).
— A alta verificada no grupo de ocupados com 60 anos ou mais não acompanhou ainda o aumento na população como um todo nessa faixa etária. Há dificuldades de inserção no mercado — afirma o coordenador da Pnad Contínua no Rio Grande do Sul, Walter Paulo de Sousa Rodrigues.
Para gerar alívio fiscal, a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo Jair Bolsonaro busca fazer com que as pessoas trabalhem por mais tempo antes da aposentadoria. O projeto prevê idade mínima de 62, para mulheres, e 65, para homens, alcançarem o benefício no regime geral do INSS.
— O Brasil precisa fazer a reforma? Precisa. Mas não é o suficiente. A questão é discutir, paralelamente, ações em áreas como saúde e educação. É necessário avaliar como será possível empregar a mão de obra com mais idade e que recebeu pouco treinamento ao longo da carreira, como o trabalhador que ficou por muito tempo na mesma função — pontua o economista Ely José de Mattos, professor da Escola de Negócios da PUCRS.
Segundo o IBGE, a exemplo do Rio Grande do Sul, o Brasil também teve aumento na geração de empregos para pessoas acima dos 60, mas em velocidade inferior à elevação populacional. Entre o final de 2012 e 2018, a participação dos trabalhadores mais velhos cresceu 1,6 ponto percentual, de 6,5% para 8,1% de todos os ocupados. No mesmo período, a parcela de pessoas com 60 anos ou mais na população com idade de trabalhar avançou 2,8 pontos percentuais, de 16,6% para 19,4%.
— Pessoas dessa faixa etária têm renda garantida com o acesso a aposentadorias ou até o acúmulo de benefícios. Então, é natural que a taxa de ocupação delas seja menor do que a de outros grupos. A questão é que representam um exército estratégico de mão de obra que o Brasil precisa trabalhar daqui para a frente — observa o diretor do FGV Social, Marcelo Neri.
O pesquisador acrescenta que, diante da projeção demográfica “difícil”, o país deve pensar em como estimular a “sobrevida profissional”:
— O país tem de analisar como será a nova geração de idosos. É aí que mora o perigo, mas também a oportunidade de transformar essa situação em vantagem. O desafio é grande.
Como permanecer atrativo para as vagas
Com a eventual aprovação da reforma da Previdência, analistas listam dicas para quem precisará permanecer por mais tempo no mercado de trabalho. Sócia-diretora da Missel Capacitação Empresarial, Simoni Missel relata que empresas nacionais, inclusive no Rio Grande do Sul, ainda estão buscando entender como aproveitar da maneira mais adequada a mão de obra de 60 anos ou mais. Mesmo que possam apresentar alguma dificuldade na área tecnológica, esses trabalhadores têm a experiência como um dos diferenciais, diz a especialista.
— Hoje, as empresas estão mais preocupadas em colocá-los junto aos mais jovens. Os trabalhadores de 60 anos ou mais vão assumir o papel de auxiliar no desenvolvimento dos mais novos — diz.
Simoni aconselha aos profissionais mais experientes a busca por cursos para aperfeiçoar o currículo. Conforme a especialista, trabalhadores nessa faixa etária podem apresentar maior capacidade de realizar atividades diversificadas.
Romualdo Vianna Martins é um dos profissionais que afirmam ter desenvolvido “muitas” funções ao longo da vida laboral. Aos 90 anos, Martins atua como recepcionista de um supermercado da rede Supper Rissul, em Porto Alegre. Ele está na mesma loja desde o início dos anos 2000.
— O segredo é ter força de vontade. No meu emprego, tenho minha segunda família. São muitos amigos. Todos me conhecem — orgulha-se.
Mesmo aposentado desde a década de 1980, Martins argumenta que, se não estivesse na ativa, correria o risco de sofrer de depressão. Ele evita projetar uma data para encerrar sua jornada profissional:
— Minha previsão depende da minha saúde. Minha saúde determinará a continuidade do meu trabalho.