O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) errou ao mencionar critérios do cálculo do desemprego desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em entrevista à Band TV na segunda-feira (5), afirmou que quer rever a fórmula porque a considera uma "fraude".
— Vou querer que a metodologia para dar o número de desempregados seja alterada no Brasil, porque isso daí é uma farsa. Quem, por exemplo, recebe Bolsa Família é tido como empregado. Quem não procura emprego há mais de um ano é tido como empregado. Quem recebe seguro-desemprego é tido como empregado. Nós temos que ter realmente uma taxa, não de desempregados, uma taxa de empregados no Brasil — declarou Bolsonaro.
Para especialistas, o futuro presidente demonstrou desconhecimento. Isso porque nem quem recebe Bolsa Família, nem quem deixou de procurar emprego há mais de um ano ou quem ganha seguro-desemprego aparece como "empregado" nos dados divulgados pelo IBGE.
Diferente do que afirmou Bolsonaro, a definição do critério das pessoas incluídas nas realidades mencionadas depende da atividade de cada uma. Se estiver em um trabalho — mesmo que informal —, será considerada ocupada. Se estiver à procura de emprego, aparecerá como desempregada. O IBGE também já calcula uma "taxa de empregados".
— Foi uma declaração bastante infeliz, demonstrando total desconhecimento das estatísticas básicas sobre o mercado de trabalho brasileiro — disse Giácomo Balbinotto Neto, professor de Economia do Trabalho da UFRGS.
Mensalmente, as estatísticas sobre o mercado de trabalho são divulgadas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). De acordo com o IBGE, os dados são coletados em 210 mil residências de 3,5 mil municípios das cinco regiões do país. Iniciada em janeiro de 2012, a série histórica substituiu a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que era menos abrangente.
Especialista em mercado de trabalho, a economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Lucia Garcia, que durante 25 anos participou da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) da Região Metropolitana, realizada em conjunto com Fundação de Economia e Estatística (FEE), sublinha que o método usado pelo IBGE segue recomendação da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Por isso, os índices podem ser comparados com os de outros países.
— O IBGE é um órgão que segue estritamente as recomendações da OIT, sem nenhuma ousardia maior. Tenho impressão que o presidente está muito confuso e mal assessorado — afirmou Lucia.
Em nota à imprensa, a ASSIBGE pontua que "o IBGE segue padrões metodológicos internacionais em suas pesquisas, com a finalidade de que as estatísticas brasileiras sejam comparáveis às dos demais países do mundo", que "o IBGE é reconhecido nacional e internacionalmente pela qualidade do seu quadro técnico e pela credibilidade das suas informações" e que "dentre os princípios que regem seu funcionamento estão a independência política e a autonomia técnica na definição de suas metodologias".
No final da noite desta terça-feira (6), o IBGE divulgou uma nota na qual explicou e defendeu a sua metodologia.
"(A PNAD Contínua) Trata-se de uma das pesquisas mais avançadas do mundo, que segue as recomendações dos organismos de cooperação internacional, em especial a Organização Internacional do Trabalho (OIT)", afirma a nota. Confira a íntegra ao final do texto.
Entenda os termos:
Pessoas ocupadas
São as pessoas que tinham um trabalho na semana da pesquisa.
Pessoas desocupadas
São as pessoas que não tinham um trabalho na semana da pesquisa e que tomaram alguma providência para procurar em trabalho. Ou seja, querem retornar ao mercado de trabalho e relatam os seus esforços para se reinserirem.
Pessoas não economicamente ativas
São as pessoas que não foram classificadas como ocupadas, nem desocupadas, na semana da pesquisa. Nesse universo, estão estudantes, desalentados (pessoas que desistiram de procurar um emprego), inativos, presos, idosos e inválidos física ou mentalmente.
Confira a nota do IBGE na íntegra:
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE investiga as condições do mercado de trabalho do país a partir de uma amostra com mais de 210 mil domicílios, distribuídos por cerca de 3.500 municípios. Esta amostra é visitada, a cada trimestre, por cerca de 2 mil agentes de pesquisa. A PNAD Contínua levanta informações cruciais sobre os trabalhadores do país, inclusive aqueles sem vínculo de trabalho formal. Trata-se de uma das pesquisas mais avançadas do mundo, que segue as recomendações dos organismos de cooperação internacional, em especial a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Desde 2012, sua coleta está totalmente digitalizada.
A PNAD Contínua também monitora o número de pessoas desocupadas no país, isto é, aquelas que não têm emprego e estão em busca de uma ocupação: em setembro deste ano, o Brasil tinha 12,5 milhões de pessoas nessa condição. Além disso, também são investigadas as diversas formas de subutilização da força de trabalho, um universo com mais de 27 milhões de pessoas em diferentes situações precárias, incluindo os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas e, ainda, aqueles que necessitam e gostariam de poder buscar um emprego, mas não conseguem, por terem que cuidar de crianças ou de pessoas idosas, por exemplo. Sem mencionar os chamados desalentados, aqueles que desistiram de buscar uma ocupação. Em setembro último, o país tinha 4,8 milhões de pessoas nessa condição.
O IBGE esclarece que os beneficiários do Bolsa Família são retratados especificamente por uma edição anual da PNAD Contínua, que investiga os rendimentos provenientes de todas as fontes. Em 2017, este universo abrangia cerca de 9,5 milhões de domicílios do país. Os beneficiários que vivem nestes domicílios podem encontrar-se em diferentes condições, em relação ao mercado de trabalho: alguns deles podem estar desempregados, outros trabalhando apenas para consumo próprio, outros fora da força de trabalho e outros, ainda, desalentados.
Finalmente, o IBGE ressalta que, há 82 anos, mantém um intenso diálogo com os diversos segmentos da sociedade brasileira, na busca incessante pelo aprimoramento de todas as suas pesquisas, inclusive a PNAD Contínua. O instituto sempre esteve aberto a sugestões e à disposição do governo e dos cidadãos para esclarecimentos a respeito do seu trabalho.
Rio de Janeiro, 6 de novembro de 2018
A Direção.
* Com Estadão Conteúdo