Quase três anos depois de entrar em vigor a lei que garantiu todos os direitos do trabalhador às domésticas, 70% delas estão na informalidade. Desde outubro de 2015, quando passou a ser obrigatório o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), as domésticas sem carteira assinada passaram de 4,2 milhões para 4,4 milhões, segundo dados do IBGE.
A implementação da lei coincidiu com o início da recessão, impedindo a formalização de muitas dessas trabalhadoras.
— A lei pegou. Hoje as domésticas têm uma série de direitos garantidos, mas é caro manter um empregado formal. Com a crise, as pessoas tiveram de cortar gastos — diz o advogado Carlos Eduardo Dantas Costa, sócio da banca Peixoto & Cury.
Faz um ano que a parcela de domésticas informais no país ultrapassou a casa dos 70% pela primeira vez desde 2012 (ano de início da série histórica) e, desde então, não deixou mais esse patamar. Ao mesmo tempo, o número de trabalhadoras com carteira assinada caiu. Com uma renda menor, os brasileiros também passaram a assumir mais as tarefas domésticas - a taxa subiu de 81% para 84,5% entre 2016 e 2017, segundo o IBGE.
— A lei deu direitos trabalhistas a quem já trabalhava. Mas os encargos pesam na decisão de contratação formal. Talvez os impostos tenham incentivado a contratação avulsa de diaristas — diz o economista Cosmo Donato, da LCA Consultores.
Com a entrada em vigor da lei, o número de profissionais que vão à Justiça para cobrar seus direitos aumentou. No ano passado, 906 domésticas ingressaram com ação no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) pedindo o reconhecimento da relação empregatícia. O aumento é de 237% na comparação com 2015, ano em que o recolhimento do FGTS passou a ser obrigatório.
330 mil perdem o registro
Enquanto o número de domésticas na informalidade avança em meio à crise econômica, o de empregadas registradas recua - um indicativo de que muitas estão perdendo os direitos trabalhistas recém-adquiridos. Desde 2014, quando a crise deu seus primeiros sinais, o total de trabalhadoras sem carteira aumentou 8,2%, enquanto o de empregadas com carteira diminuiu 1,6% - 330 mil perderam o registro. Ao todo, o efetivo de domésticas soma hoje 6,2 milhões de mulheres e representa quase 7% dos trabalhadores ocupados do País.
— As domésticas são vítimas da crise. Muitas trabalhavam no comércio ou na indústria, mas, com a falta de oportunidades, agora atuam como domésticas. Se abrirem vagas em outras áreas, elas vão sair dos atuais empregos — diz Cimar Azeredo, coordenador de trabalho e rendimento do IBGE.
O economista Tiago Cabral Barreira, consultor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, destaca que o número de domésticas informais começou a crescer de forma mais acentuada a partir de meados de 2015. Parte delas estava fora do mercado de trabalho antes da recessão, mas acabou tendo de voltar para complementar a renda da família.
As domésticas deixaram a formalidade conforme o rendimento dos empregadores foi minguando. Com a renda menor, muitos trocaram mensalistas por diaristas.
Mesmo para aquelas que conseguiram uma vaga como diarista, a situação continua se deteriorando. Em março de 2016, uma diarista trabalhava, em média, 29,3 horas por semana; em março deste ano, eram 27,9 horas - queda de 4,8%.
— Pelos dados, possivelmente, elas estão trabalhando menos do que gostariam — diz o economista Cosmo Donato, da LCA Consultores.
Além de perderem seus direitos, muitas das domésticas que caíram na informalidade viram também sua renda recuar. A média salarial das empregadas sem carteira é hoje de R$ 730, o equivalente a 60% do salário das registradas.
Para os economistas, o panorama das domésticas não deve melhorar enquanto a taxa de desemprego do Brasil permanecer elevada. No segundo trimestre deste ano, o desemprego ficou em 12,4% - um recuo de 0,6 ponto porcentual na comparação com o mesmo período de 2017, mas ainda atinge 13 milhões de brasileiros.
— Enquanto o desemprego for alto, o número de domésticas informais vai subir porque é fácil entrar nesse mercado — diz Donato da LCA.