O bolso dos gaúchos não deve ficar imune à alta do dólar. Com a recente disparada na cotação, que ganhou fôlego em agosto, os consumidores tendem a sentir impactos sobre preços de produtos como combustíveis e alimentos fabricados a partir de commodities. Isso acontece porque os valores das matérias-primas estão sujeitos a oscilações da moeda americana no mercado internacional.
Nesta quinta-feira (30), o dólar fechou em alta de 0,78%, cotado a R$ 4,1463. À tarde, chegou a alcançar R$ 4,2085, mas perdeu gás em seguida, após intervenção do Banco Central (BC), e ficou abaixo do maior nível histórico na era do real, de R$ 4,163. A moeda americana acumula avanço de 10,4% em agosto e de 25,1% no ano.
Segundo analistas, o tempo para os efeitos da recente disparada serem sentidos depende de fatores como estoques disponíveis em empresas. No grupo das commodities influenciadas pela escalada do dólar está o trigo, que serve de base para pães. Pesquisa da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas) indica que o valor médio de cem gramas do cacetinho passou de R$ 0,79 para R$ 0,86 entre as últimas semanas de dezembro de 2017 e de agosto — no ano, 8,9%.
— O dólar mais alto tem impacto em diversos produtos, mas o setor está segurando parte dos reajustes porque a demanda continua fraca. A situação preocupa porque os custos vêm aumentando no setor — explica o presidente da Agas, Antônio Cesa Longo.
Vice-presidente do Sindipan-RS, que representa as indústrias de panificação no Estado, Arildo Bennech Oliveira avalia que, a partir da disparada da moeda americana em agosto, a tendência é de novas altas em itens à base de trigo:
— Estamos apavorados. Esperamos que o dólar não se mantenha nesse patamar por muito tempo. Cerca de 80% do trigo é importado.
Outra pressão ocorre sobre os combustíveis. A Petrobras comunicou que elevará a partir de hoje o preço do litro da gasolina nas refinarias para R$ 2,1375.
É o mais alto desde o início da série de reajustes quase diários, iniciada em julho de 2017, com o objetivo de acompanhar a variação do dólar e do barril de petróleo no mercado internacional. Apesar de ter chegado a 8,6% nas refinarias neste mês, a alta não teve efeitos nas bombas nas últimas semanas, aponta a Agência Nacional do Petróleo (ANP). De 29 de julho a 25 de agosto, o preço médio da gasolina nos postos do Estado passou de R$ 4,717 para R$ 4,620, redução de 2,1%.
Presidente do Sulpetro (que reúne os postos no Rio Grande do Sul), João Carlos Dal’Aqua afirma que as recentes altas nas refinarias ainda não respingaram no bolso dos consumidores devido à "competição própria do mercado". Frisa, porém, que os reajustes da Petrobras tendem a pressionar os valores nas bombas.
— Um empresário pode segurar por um momento os preços, e outros acompanharem sua decisão, por exemplo. O mercado é competitivo — defende.
A alta no dólar também tem reflexos no turismo. A previsão de aumento nos gastos no Exterior pode levar consumidores a repensar suas viagens.
— As pessoas compram pacotes com cada vez maior antecedência. Não há grandes mudanças no curto prazo. Mas pode haver impacto nas viagens no final de ano e no início de 2019 — projeta a vice-presidente de relações institucionais da Associação Brasileira de Agências de Viagens no Estado, Rita Vasconcelos.
Na Argentina, moeda dispara
Além das incertezas eleitorais que vêm causando turbulência no mercado financeiro, a crise na Argentina contribuiu nesta quinta para a desvalorização do real frente ao dólar. No país vizinho, a moeda americana voltou a disparar, fechando a quase 40 pesos, com desvalorização de cerca de 16% de um dia para o outro. Em algumas casas de câmbio de Buenos Aires, anunciava-se cotação a 41,75 pesos para a venda.
A mensagem do presidente Mauricio Macri na manhã de quarta-feira não acalmou os mercados. Ele anunciou que o governo havia pedido adiantamento de empréstimo ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para conter a nova "tormenta" que abalava a economia. Não foi bem sucedido, e pela primeira vez na história o peso argentino está valendo menos do que o peso uruguaio, tradicionalmente uma moeda mais frágil e dependente de variações.
Nesta quinta, o presidente do Banco Central da Argentina, Luis Caputo, anunciou nova alta dos juros, que já eram os mais altos do mundo, chegando agora a 60% ao ano.
Economista-chefe da corretora Spinelli, André Perfeito afirma que o horizonte para o câmbio no Brasil no curto prazo dependerá do nível de intervenção do Banco Central (BC). Nesta quinta, a instituição anunciou o leilão de US$ 1,5 bilhão em contratos de swap cambial. A medida, que equivale à venda de dólares no mercado futuro, tenta conter a alta da moeda americana.
Perfeito acrescenta que a subida no câmbio deverá ter impacto sobre a inflação, mas sem estouro da meta a ser perseguida pelo BC — de 4,5%, em 2018, e de 4,25%, em 2019. No acumulado de 12 meses encerrado em julho, a inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ficou em 4,48%.
— Os efeitos do avanço do dólar nos preços ao consumidor demoram um pouco para aparecer com maior força, mas certamente virão. A inflação não ficará fora de controle, mas sofrerá efeitos. Só não há maiores impactos do dólar mais alto porque a demanda segue fraca no país — resume Perfeito.
Divulgado nesta quinta, o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), usado como referência para corrigir valores de contratos de aluguel, acelerou 0,7% em agosto. Em julho, a alta havia ficado em 0,51%.
O crescimento foi impactado pelo resultado do Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), que compõe o IGP-M e mede os valores no atacado. Pressionado pela disparada do dólar, o IPA pulou de 0,50% em julho para 1% em agosto.