Apesar da insatisfação interna, o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu nesta quarta-feira (11), não suspender o acordo de leniência da Odebrecht com a União. Em votação com quórum reduzido, cinco ministros rejeitaram por unanimidade o pedido feito pela equipe técnica do Tribunal na última segunda-feira horas depois do anúncio da assinatura do acordo pela Advocacia-Geral da União (AGU) e da Controladoria-Geral da União (CGU).
O acordo foi firmado no valor de R$ 2,72 bilhões, que será pago em 22 anos, com correção pela taxa Selic, e permitirá à construtora voltar a concorrer a contratos públicos. A Odebrecht é uma das principais construtoras citadas em casos de corrupção da Operação Lava-Jato.
A alegação dos auditores da secretaria que acompanha acordos de leniência é a de que houve sonegação de informações por parte da CGU e da AGU apesar de os órgãos terem assumido, por escrito, um compromisso de enviar os documentos para análise prévia da Corte de Contas antes da assinatura.
A unidade técnica queria a suspensão do acordo até a análise no TCU, que tem se julgado competente para fiscalizar leniência.
A discussão no plenário
O ministro relator na sessão, Marcos Bemquerer, em substituição ao relator original, Bruno Dantas, disse que, como o acordo já foi assinado, houve perda de objeto em relação ao pedido. "É mais proveitoso dar prosseguimento normal ao processo e usar as informações que constam do acordo para agilizar e melhorar nossas apurações nos processos no TCU", opinou.
Bemquerer disse também que não era o momento de analisar as questões relacionadas "ao possível descumprimento do compromisso firmado pela CGU e pela AGU e aos relatos de obstrução ao livre exercício da fiscalização, por entender que o assunto precisa ser melhor examinado, em um contexto de maior clareza sobre eventuais danos que isso possa ter causado". O ministro, no entanto, opinou que o TCU deve acompanhar acordos de leniência e foi um dos que defenderam os auditores e disse que "as competências dessa casa não podem ser limitadas, embaraçadas ou condicionadas por seus jurisdicionados".
A ministra da Advocacia-Geral da União, Grace Mendonça, esteve no TCU na terça-feira (10) e enviou o acordo de colaboração ao tribunal, após ter se reunido com ministros para defender o acordo e dizer que o espaço de atuação da Corte de Contas é de buscar o ressarcimento dos prejuízos ao erário.
Marcos Bemquerer disse que a ministra explicou que o envio não foi feito antes porque teria havido uma necessidade de urgência apontada pela AGU. "Eles disseram à Corte que não foi um ato voluntário deixar de enviar essa documentação."
O ministro José Múcio Monteiro disse que acompanhava o relator "em um voto incômodo" e disse que "nas relações pessoais e humanas, gentileza é gênero de primeira necessidade", ao defender os auditores da secretaria que foram criticados pela AGU e pela CGU em ofício encaminhado na segunda-feira ao TCU.
— Mas essa noite, que não foi das mais bem dormidas, eu fiquei imaginando as manchetes que poderíamos ler nos jornais de hoje e não queria nunca que o TCU fosse acusado de atrapalhar a volta aos cofres públicos de R$ 2,7 bilhões. O TCU cumpriu seu papel e pelo envio do processo para cá vai continuar a cumprir seu papel. TCU, CGU, MPF todos têm um mesmo papel na sociedade — disse José Múcio.
Apesar da menção ao valor do acordo, a Odebrecht não precisará desembolsar nada além do que já havia se comprometido quando assinou, em dezembro de 2016, um acordo de leniência com o Ministério Público Federal do Paraná.
Em ofício, os ministros da AGU, Grace Mendonça, e CGU, Wagner Rosário, expuseram "preocupações com as reiteradas condutas da área técnica, devidamente autorizadas pelos ministros relatores em procedimentos específicos, que configuram nítido descompasso com as bases que integram o instituto do acordo de leniência pátrio". Ministros internamente defendem a conduta da unidade técnica.
O acordo é o primeiro firmado pela União com uma grande empreiteira envolvida na Lava Jato e politicamente sensível, por ter implicado uma série de políticos em delações premiadas de 77 executivos e ex-executivos. Os valores serão pagos em parcelas anuais ao longo de 22 anos, com a correção pela taxa Selic, devendo sair ao final na faixa de R$ 6,8 bilhões.
Discussão
Apesar de não ter votado no julgamento, por ter se declarado impedido, o ministro Vital do Rêgo, na sessão, disse que enxergava uma "fricção, descompasso ou arritmia entre órgãos de controle e o tribunal em relação à condução e ao rito desse processo" e opinou que é o momento de o tribunal definir "um novo posicionamento" em relação aos acordos de leniência.
— Estamos em via de essa questão ser definitivamente judicializada, e aí um outro ingrediente e uma outra parte haverá de se posicionar, o que nós poderíamos ter feito. Esse relato e esse registro efetivamente é muito importante que se faça no meu entendimento, enaltecendo o trabalho do ministro relator Bruno Dantas, do hoje relator Marcos Bemquerer e da unidade técnica — disse Vital do Rêgo.