Promotores paulistas que se recusam a assinar os acordos de colaboração propostos pela Odebrecht em São Paulo estão recorrendo a outras empresas implicadas na Lava-Jato ou tentando um compartilhamento do material colhido pela força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF). O objetivo é tentar avançar nas investigações e evitar ser obrigados a arquivar seus inquéritos por falta de provas.
Ao menos oito casos decorrentes da delação da Odebrecht na Lava-Jato estão com o grupo de quatro promotores do Patrimônio Público e Social que não concordam com os termos celebrados pelos colegas com a empreiteira baiana. Entre eles os inquéritos que investigam o ex-prefeito da capital Fernando Haddad (PT) e o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) por improbidade administrativa nas denúncias de caixa 2 em campanhas eleitorais. Ambos negam irregularidades.
Pela Odebrecht, os acordos têm sido negociados pelo escritório do advogado Marco Vinicio Petrelluzzi, ex-procurador de Justiça e secretário de Segurança Pública de São Paulo entre 1999 e 2002, nos governos do PSDB. Os defensores da empreiteira têm procurado os promotores para negociar um termo de autocomposição (espécie de acordo de leniência) para cada inquérito - no caso do MPF, foi um único acordo global envolvendo todos os crimes e o pagamento de R$ 3,8 bilhões de ressarcimento e multa.
As premissas básicas das propostas são não processar a empresa pelo crime delatado, cobrar a devolução do valor desviado em 22 parcelas anuais, como fez o MPF, e permitir que a Odebrecht continue participando de licitação de obras públicas. Diante de resposta negativa, advogados avisam que não vão colaborar com a investigação como têm feito com os promotores que assinaram os termos com a empreiteira.
Sem os depoimentos formais dos ex-executivos da Odebrecht, os promotores precisam buscar outros meios para tentar encontrar provas suficientes para condenar agentes públicos e empresas envolvidas em fatos ilícitos. O compartilhamento de provas obtidas pela Lava-Jato só é autorizado a quem aderir ao acordo de leniência de 2016.
Camargo Corrêa
O promotor Marcelo Milani, por exemplo, que já tinha uma ação civil pública contra a Odebrecht e outras 13 empresas por formação de cartel e fraude nos contratos da Linha 5-Lilás do Metrô de São Paulo, firmou um acordo de delação premiada com dois executivos da empreiteira Camargo Corrêa. Eles relataram pagamento de R$ 2,5 milhões de propina ao ex-diretor da estatal Sérgio Brasil.
Em fevereiro deste ano, a Justiça homologou o acordo de delação premiada no qual a Camargo Corrêa aceitou devolver cerca de R$ 48 milhões aos cofres públicos e condenou as demais empresas do cartel, entre as quais a Odebrecht, a pagar R$ 326,9 milhões de ressarcimento. As empresas ficaram proibidas de contratarem com o poder público. A Odebrecht já recorreu da sentença.
— Não dependo do acordo com a Odebrecht, tanto é que fiz um acordo com uma outra empresa que veio aqui, reconheceu a fraude, apontou os agentes públicos e trouxe provas documentais do pagamento da vantagem indevida por meio de um contrato fictício com uma empresa de consultoria — afirmou Milani.
Os promotores admitem, porém, que a estratégia pode funcionar nos casos em que houve conluio com outras empreiteiras, mas não naqueles em que a empresa corrompeu sozinha o agente público. É o caso do relato de pagamento de R$ 3 milhões de propina para influenciar um julgamento do Tribunal de Impostos e Taxas, da Secretaria da Fazenda de São Paulo.
— Cada órgão que foi lesado por ato de corrupção tem autonomia para negociar seu próprio acordo de leniência. É bom saber que há mobilização das autoridades de São Paulo para tentar recuperar os danos ao erário mediante o instrumento de Justiça negociada, que deve ser sempre pautada pelo interesse público — disse o advogado Valdir Simão, ex-ministro da Controladoria-Geral da União (CGU).
Cooperação
Em nota, a Odebrecht defendeu os acordos firmados na Promotoria do Patrimônio Público de São Paulo. "O acordo é instrumento de cooperação com as autoridades e possibilita o ressarcimento do dano, integrando-se ao acordo de leniência já assinado em dezembro de 2016", disse a empreiteira.
Negociações necessárias
Responsável por negociar os acordos com a Odebrecht no Ministério Público paulista, o promotor Silvio Marques defendeu as negociações com a empreiteira dizendo que elas são necessárias para recuperar o dinheiro desviado e reunir provas para responsabilizar os agentes públicos envolvidos.
Para Marques, os cinco acordos fechados até agora foram feitos de forma transparente. Segundo ele, caso a Justiça não homologue os termos pactuados, a ação de improbidade movida contra a empresa segue normalmente.
— Os acordos se baseiam na Lei 13.140/2015 e na Resolução 179/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público. Todos estão sendo elaborados de forma transparente entre o Ministério Público e a Administração Pública com as empresas. A recuperação do prejuízo sofrido pelo erário e as provas estão sendo garantidas — afirmou.
Ele sustenta que, embora as ações tenham sido ajuizadas, os inquéritos continuam abertos para que a Promotoria, com a colaboração da empresa, possa obter provas além das delações. Quanto ao parcelamento em 22 anos do dinheiro que será devolvido, ele afirma que o prazo "segue o mesmo critério da Lava-Jato".
Sobre a possibilidade de a Odebrecht retomar a obra do túnel Roberto Marinho mesmo após a admissão de cartel, Marques afirmou que "a cláusula foi acordada entre a Prefeitura e o MP" e que a administração municipal disse "que não tem perspectiva de realizar a obra".
Contraponto
Em nota, a gestão Bruno Covas (PSDB) afirmou que "não há no Termo de Ajustamento de Conduta nenhuma cláusula que obrigue a realização da obra (túnel), muito menos que a mesma seja conduzida pela empresa (Odebrecht)". "A construção depende da captação de recursos", disse a Prefeitura, destacando que "qualquer decisão sobre sua execução" será tomada em momento oportuno.
Gilberto Kassab, Elton Santa Fé Zacarias e Paulo Vieira de Souza negaram ter praticado os atos ilícitos delatados pela Odebrecht. As defesas de Sérgio Brasil, Orlando Filho e Francisco Chagas não responderam aos contatos da reportagem.