A decisão do governo argentino de buscar ajuda financeira no Fundo Monetário Internacional (FMI) gerou apreensão em setores gaúchos que têm no país vizinho seu principal cliente no Exterior. A negociação de empréstimo foi anunciada na terça-feira pelo presidente Mauricio Macri, diante da escalada do dólar no país vizinho.
Embora concordem não ter havido tempo suficiente para mensurar a dimensão do problema, empresários e dirigentes sindicais patronais alertam para os reflexos que devem ser sentidos a curto e médio prazos. Nos setores calçadista, automotivo e de máquinas agrícolas, por exemplo, a Argentina se consolida como o maior cliente externo dos gaúchos.
Para o presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, a preocupação mais urgente é com possível atraso de pagamento. Em período maior, a perda de competitividade.
– É muito cedo para se perceber qualquer movimento, mas a médio prazo há receio de possível queda na demanda, o que prejudicaria nosso posicionamento no mercado – afirma Klein.
Fernando Koch, gerente de exportações da fabricante de calçados West Coast, de Ivoti, informa que a Argentina representa 33% do volume de exportações da empresa e que, por isso, desde a disparada do dólar e dos aumentos de tarifas de serviços básicos naquele país, elevou o nível de atenção.
– Tínhamos todo um planejamento de vendas, que agora poderá ser repensado. Talvez tenhamos de rever formas de pagamento para nos precaver – diz Koch.
Segundo o presidente do Sindicato da Indústria de Máquinas e Implementos Agrícolas do Rio Grande do Sul, Cláudio Bier, a situação preocupa à medida que a Argentina, além de responsável pela importação de 15% do que é produzido pelo segmento no Estado, figura entre os maiores produtores de soja do mundo:
– Veja a importância deste cliente. Essa não é a primeira crise argentina, mas sempre que o país entra nessa situação, somos prejudicados – afirma.
Bier estima que, daqui a um mês, será sentido o reflexo da crise, pois a tendência é de que os empresários argentinos estanquem as compras. E as empresas gaúchas deverão ser mais ponderadas quanto ao fornecimento de crédito, prevendo dificuldade de liquidação:
– O que está negociado, está indo. A preocupação, agora, é para o que não foi embarcado ainda.
Marcos Oderich, presidente da Oderich, de São Sebastião do Caí, aponta que, nas últimas duas semanas, foi surpreendido com o volume de pagamentos feitos por clientes argentinos, mesmo diante da desvalorização do peso ante ao dólar. Para ele, não está claro o que motivou esse movimento, mas sugere que os empresários possam estar liquidando suas dívidas para antecipar possíveis novas elevações da moeda norte-americana.
O principal executivo da companhia de conservas alimentícias explica que seus clientes, mesmo nos períodos mais sensíveis da economia argentina, honraram compromissos firmados. Para Oderich, o risco de calote é baixo:
– Trabalhamos com muita confiança nos nossos clientes. Ocorreram alguns atrasos, principalmente durante o governo de Cristina Kirchner, mas os pagamentos sempre foram feitos. Acho que não será diferente neste momento.
O executivo avalia que a característica dos seus compradores permitiu que, por enquanto, não houvesse reflexo negativo.
– Talvez seja pelo nosso perfil de clientes, formado por grandes varejistas e distribuidores, além de muitos fabricantes que não têm os produtos que produzimos.
Acredito que quem tem um mix bem variado como o nosso não terá dificuldades. Nós, por exemplo, tivemos vários contratos fechados na última semana – exemplifica.
Como presidente do Sindicato das Indústrias de Alimentação do Estado, Oderich afirmou não ter percebido, por enquanto, reflexo do anúncio de Macri no setor.