Em entrevista ao Gaúcha ZH, o autor do livro Os Robôs Vão Roubar Seu Emprego, Mas Tudo Bem: Como Sobreviver ao Colapso Econômico e Ser Feliz, o cientista italiano Federico Pistono afirma que, para evitar uma crise sem precedentes, os governos vão precisar mudar a maneira como cobram impostos.
O título do livro é, sem dúvida, instigante. Trata-se de um bom nome comercial para atrair leitores ou o senhor realmente acredita que é possível ter o trabalho roubado por robôs e ainda assim ser feliz?
O título é mesmo muito bom (risos). Mas, sim, realmente acredito que a automação está evoluindo para um cenário cognitivo, o que, até então, costumava ser o último refúgio para a humanidade. Você pode ver isso em negócios em que gerentes que ocupam posições médias já estão sendo substituídos por algoritmos. Em escritórios de advocacia, por exemplo, boa parte do trabalho de pesquisa será feita a partir da análise de Big Data. Os algoritmos têm acesso a uma grande quantidade de livros e informações atualizadas que não podem ser memorizados por pessoas. Em resumo, fazem isso melhor e mais rápido do que qualquer humano. Em essência, qualquer trabalho burocrático, que envolva a aplicação de regras será realizado por máquinas, mais cedo ou mais tarde. Algoritmos que farão isso mais rápido, melhor e mais barato.
Mesmo trabalhos que exijam grande capacidade de discernimento?
Contratação de pessoas, por exemplo, será feita por máquinas no futuro. Maneira fácil de evitar sexismo ou machismo. A melhor formade escapar desses preconceitos é deixar que um algoritmo decida por você. As máquinas já tomaram boa parte do nosso trabalho. Os robôs são uma pequena parte disso. É o que menos preocupa.
Como os trabalhadores vão poder sobreviver em um cenário com cada vez menos empregos?
Se não mudarmos o sistema não poderemos ter uma economia sustentável. Temos profissões típicas de classe média que estão desaparecendo e trabalhos pesados, que exigem poucas habilidades, mas que quase ninguém quer fazer. Contadores, advogados e até mesmo cirurgiões vão ser substituídos por computadores. E é importante frisar: isso já começou. E desaparecendo essa classe média, não há impostos suficientes para manter o Estado. Precisamos, essencialmente, mudar a maneira como cobramos impostos.
Qual a alternativa?
Hoje cobramos impostos a partir do trabalho. O trabalho é a coisa mais taxada do planeta. Mais do que dividendos, do que transações financeiras e mais do que lucros das empresas de alta tecnologia. Se a base para manter a sociedade continuar sendo taxar o trabalho, teremos um problema. Simplesmente porque não teremos tanto trabalho no futuro como temos hoje.
Mas de quem devem ser cobrados impostos?
A solução é simples. Cobremos impostos de pessoas e empresas que criam valor. Se a maior parte da riqueza é gerada por máquinas autônomas, então cobremos deles. Se a riqueza for gerada por startups que se tornaram bilionárias e têm apenas 15 empregados, então vamos taxar o lucro delas. Se a maior parte das economias se basear em transações financeiras, então vamos garantir que as transações financeiras sejam cobradas. É mais simples do que parece. Se você não tem mais trabalho, não significa não ter mais economia. Vai existir sistema econômica, mas baseado em outros modelos e não mais no trabalho. Precisamos garantir que, qualquer que seja a criação de valor, haja cobrança de impostos.
Seria suficiente para evitar um colapso econômico?
Assim haverádinheiro suficiente para dar suporte e assistência para aqueles que não têm trabalho. Em vez de cobrar 40% de impostos sobre os salários, façamos diferente. Amazon não está pagando impostos agora. Por que se, em poucos anos, vai valer quase US$ 1 trilhão? Isso é um problema ou não é? Mas ninguém quer discutir sobre isso. Não adianta discutir a velocidade da automação. Isso continuará sendo cada vez mais rápido.
Algum país já está à frente nessa revisão de modelo?
Sim, alguns já estão conseguindo manter um bom equilíbrio entre economia plana e o livre mercado. A Noruega, por exemplo, têm, proporcionalmente, mais imigrantes que qualquer outro país na Europa ocidental. Mas lá nenhum imigrante fica sem trabalho. Se você quer ir para lá você se candidata, tem a oportunidade de aprender o idioma e a cultura e é ensinado alguma das profissões de que eles precisam no momento. Você não vai lá fazer o que você quer, você vai lá trabalhar no que eles precisam. Não á toa, eles tem uma das economias mais estáveis e um dos menores déficits públicos do planeta. A média salarial lá é tão alta que eles estimulam a automação. Você não vai colocar uma pessoa para limpar a rua se isso lhe custar US$ 10 mil ao mês. A Noruega está pronta para essa nova onda de automação. Estão bem preparadas para ajustar a rede de proteção social conforme avança a automação e os trabalhos ficam mais raros. Mas isso exige uma mudança no design dos países, uma mudança difícil, principalmente em países grandes, com histórico de corrupção.
A Noruega tem 5 milhões de habitantes, fica mais fácil implementar mudanças. Mas e quando falamos de países maiores, como o Brasil ou a Itália?
Vai funcionar somente se cada Estado tiver liberdade para se gerenciar financeiramente. Especialmente em relação a cobrança de impostos. A Suíça tem feito isso. Cada província tem autonomia quase total. E cada uma delas é muito menor que um bairro de São Paulo. Imagina se cada bairro de São Paulo tivesse autonomia para se autogovernar? Claro, isso é um exagero. Mas meu ponto é: as pessoas estão dispostas a pagar mais impostos se tiverem convicção de que o dinheiro será bem aplicado socialmente em vez de parar no bolso de algum político corrupto do outro lado do país. Talvez seja esse o problema de países gigantes como Estados Unidos, Rússia, China e Brasil.
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