Sem crédito, cheio de débitos e no cheque especial, o Piratini resiste à pressão do Planalto pela privatização do Banrisul, medida extrema que enfrentaria oposição maior do que a intenção de se desfazer de estatais como CEEE, Sulgás e Companhia Riograndense de Mineração (CRM). Após o recuo na ideia de fazer oferta pública de ações – até o limite da manutenção do controle – devido à desvalorização dos papéis, a sinalização de venda total do banco facilitaria a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal proposto pela União, mas o caminho não seria fácil.
Ainda dependeria de plebiscito ou, a exemplo do que é tentado com as outras empresas, de autorização da Assembleia para retirar a necessidade de a questão ser decidida pela população. Na controvérsia diante do que fazer com a joia da coroa do Estado, surgem três correntes: defensores da privatização, contrários e os que questionam se esse seria o melhor momento para a venda e ainda o que será feito com o dinheiro.
Por que manter público
É lucrativo e paga dividendos ao Piratini. Desde 2008, acumula lucro de R$ 6,9 bilhões. Dividendos repassados ao governo têm sido de valores semelhantes aos que o Estado tem de pagar a mais nas parcelas da dívida com a União por não ter privatizado no governo Britto.
Bancos públicos voltaram a ser reconhecidos como agentes de políticas anticíclicas em momento de crise após a turbulência global de 2008/2009, ressalta o professor de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, André Cunha. A mudança de olhar ocorreu em organismos considerados mais pró-mercado, como o Banco Mundial, que observou o fato de o Brasil ter sido um dos primeiros a sair da crise com o empurrão do crédito, enquanto as instituições privadas se contraíam.
Bancos estatais costumam atender demandas específicas de maior risco e evitadas pelos privados, internacionalização de empresas, infraestrutura, agricultura, empréstimos de longo prazo e projetos estruturantes. A privatização não resolveria o problema financeiro crônico do Estado e se perderia instrumento estratégico, avalia Cunha.
Apoio a setores como agricultura familiar, além de auxílio a programas regionais e sociais, são papéis desempenhados por bancos públicos. Em 97 municípios gaúchos, o Banrisul é o único banco.
Diante do parcelamento de salários no Executivo, o Banrisul tem crédito consignado para funcionários públicos a taxas inferiores à média, argumenta a economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Iara Welle.
Por que privatizar
A privatização do Banrisul facilitaria a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal proposto pelo governo federal. Teria carência no pagamento da dívida com a União por pelo menos três anos (os valores seriam cobrados no final do contrato), fôlego de R$ 11,3 bilhões ao caixa, e de passivos com organismos internacionais, calculados em R$ 1,594 bilhão no período. O Rio, que aderiu ao acordo, vai privatizar a Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae).
Com a privatização do Banrisul, o Estado receberia um valor muito maior por ação em relação ao plano de vender apenas o número de papeis até o limite da manutenção do controle, operação adiada na quarta-feira pela queda da cotação do banco na bolsa e instabilidade do mercado financeiro. Esse valor maior seria devido ao fato de o comprador poder ser o dono do banco, e não apenas minoritário.
Favorável à privatização neste momento, o presidente da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado (Fecomércio-RS), Luiz Carlos Bohn, lembra que, por ser estatal, o banco tem a diretoria indicada pelo governo, que costuma não se reeleger no Estado, o que leva à descontinuidade na gestão. O dirigente observa ainda que, em regra, o Banrisul não tem taxas de juros mais baratas em relação à média de percentuais praticados por outras instituições no mercado.
A questão da capilaridade não seria problema porque o espaço poderia ser preenchido pelas cooperativas de crédito, também presentes em pequenos municípios. Além disso, diz Bohn, no futuro será cada vez menos necessária a existência de agências físicas.
Avaliação de momento e finalidade
Há correntes que ponderam que este não seria o momento adequado para a privatização do Banrisul e que analisam a questão do ponto de vista do que será feito com o dinheiro.
O vice-presidente da divisão de economia da Federação das Associações Comerciais e de Serviços (Federasul), Fernando Marchet, avalia que, em uma eventual operação, o Estado teria muito mais a ganhar se não fizesse o processo agora.
O raciocínio é de que, como o país recém está saindo da uma recessão, o banco tende a melhorar seus números. Além disso, há negócios que ainda não estão maduros. Tenderia a se valorizar.
Com a economia melhorando, o Banrisul vai aumentar a concessão de crédito e, ao mesmo tempo, pela redução da inadimplência, reduzir provisões contra calotes.
Há ainda espaço para crescer no mercado na área de cartões, seguros (relativamente nova no Banrisul) e ganhos por melhorias internas com tecnologia.
Outro ponto apontado mesmo por quem se diz favorável à privatização é o uso do dinheiro. Se os recursos forem usados apenas para gastos de custeio, uma eventual venda do Banrisul não é vista como positiva. Seria um alívio de curto prazo e os problemas crônicos persistiriam.
A venda é considerada positiva se for utilizada para diminuir dívidas que sufocam o Estado e atrapalham suas funções básicas ou gerar investimentos estruturantes. É como empresa ou família que, endividada, vende um bem para quitar as dívidas. A questão é continuar com o comportamento que levou ao problema.