O adiamento para fevereiro da possível votação da reforma da Previdência não surpreende o mercado financeiro, mas pode elevar incertezas em torno da capacidade de o governo alcançar a aprovação do texto. Segundo analistas, a alta nas dúvidas relacionadas ao projeto deve desacelerar a velocidade de novos investimentos, considerados parte do processo de recuperação da economia nacional.
– A reforma já deveria ter sido votada. Com o adiamento, o país sinaliza a investidores que está empurrando para frente, mais uma vez, os seus problemas fiscais – afirma o economista Alexandre Espirito Santo, da Órama.
Nesta quinta-feira (14), após o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciar que a discussão da reforma ficará para 2018, a bolsa, que já vinha negativa, reforçou a queda. Ao fim da sessão, o principal índice, o Ibovespa, teve baixa de 0,67%, aos 72.428 pontos.
O dólar fechou em alta de 0,62%, a R$ 3,33. É o maior patamar desde junho.
Outro fato que repercutiu no mercado foi o temor de que agências de classificação de risco rebaixem a nota de crédito do país caso o projeto não seja aprovado. Em comunicado, a Moody's avaliou que o adiamento é um fator negativo e indica falta de apoio ao governo – o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciou que fará uma rodada para esclarecer que "há expectativa de aprovação".
– É natural que as agências passem a olhar ainda mais para esse aspecto. A chance de a reforma não ser aprovada é real. Assim, o país fica mais próximo de novo rebaixamento de nota – reconhece o economista-chefe da agência Austin Rating, Alex Agostini.
Apesar de ser visto como negativo por investidores, o adiamento das discussões não deve causar grandes mudanças no humor do mercado até o fim de 2017, dizem especialistas. Conforme o analista-chefe da Geral Investimentos, Carlos Müller, a projeção dos agentes já indicava que a possível votação da reforma ficaria para 2018.
– A surpresa seria a aprovação ainda neste ano. Nas últimas sessões, o mercado já havia reagido mal à ideia de que a votação não iria ocorrer em dezembro – frisa Müller.
Ano eleitoral pode dificultar articulações
Apontada pelo governo como medida nevrálgica do ajuste nas contas públicas, a reforma serviu para Michel Temer garantir a simpatia de investidores assim que assumiu a Presidência, em 2016. Segundo analistas, o adiamento da votação poderá causar ainda mais dor de cabeça ao Palácio do Planalto pelo fato de 2018 ser um ano eleitoral.
– Será um dos períodos mais complexos da história recente do país. O julgamento do ex-presidente Lula (em segunda instância) está marcado para 24 de janeiro. Os ânimos podem ficar exaltados, e o governo tentará votar a reforma logo em seguida – comenta Espirito Santo. – Em anos eleitorais, deputados e senadores costumam olhar mais para seus próprios interesses. O projeto de reforma não está bem explicado à população. O desafio do governo será maior – completa.
O adiamento das discussões na Câmara também repercutiu entre representantes de outros setores da economia. Defensor da reforma, o presidente da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), Luiz Carlos Bohn, considera que o governo terá a chance de fortalecer, até fevereiro, o apoio ao projeto:
– A nova data poderá trazer maior segurança de aprovação.