Disposto a aumentar a pressão sobre o governo federal, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) deflagrou nesta segunda-feira (15) ao menos 27 ações em 14 Estados. As invasões, marchas e protestos ocorrem no mesmo dia em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anuncia a intenção de assentar 74 mil famílias até 2026.
A ofensiva eleva a tensão no Rio Grande do Sul, onde o MST mantém atualmente quatro acampamentos. No maior deles, em Hulha Negra, na Campanha, 800 famílias estão há seis meses sob lonas pretas à margem da BR-293. A movimentação no local é monitorada 24 horas por dia por produtores rurais da região. De um posto de vigilância montado a dois quilômetros de distância, eles tentam prevenir eventuais invasões de fazendas das redondezas.
— Nós vamos lutar. A gente entende que não há a prateleira da reforma agrária no governo e estamos aqui para reconstruir a luta de novo. Ocupações vão acontecer — diz Mariele Maciel, uma das coordenadoras do acampamento e dona de um lote de 22 hectares em Hulha Negra, onde mantém 25 vacas jersey.
Os sem-terra não descartam invadir a sede da Embrapa em Bagé, uma área com 2.850 hectares à beira da BR-153 e distante cerca de 20 quilômetros do acampamento. A iniciativa seria uma mobilização simbólica dentro do Abril Vermelho, jornada de invasões que lembram o massacre de Eldorado de Carajás, ocorrido em abril de 1996 e no qual morreram 21 sem-terra.
Em conversas com o governo, o MST avisou que faria uma série de ocupações a partir desta segunda-feira, mas se comprometeu em não criar problemas políticos para o Planalto. Por enquanto, o acordo foi cumprido, tanto que as invasões foram em terras públicas, como a área da Embrapa em Pernambuco e do Ministério da Agricultura na Bahia, além de propriedades já destinadas à reforma agrária.
Todavia, o movimento não pretende reduzir a pressão. No RS, há acampamentos em Hulha Negra, Taquari, Passo Fundo e Charqueadas, além de movimentações em Encruzilhada do Sul e no centro do Estado, como em Júlio de Castilhos e Tupanciretã. O objetivo é chegar a 2 mil famílias acampadas.
— Antes (nos governos anteriores) não tinha cenário favorável para abrir acampamento. Agora queremos trabalhar nesse governo o compromisso de assentar 250 mil famílias em quatro anos. Só aqui na região tem umas 12 áreas endividadas com o Banco do Brasil e com a Caixa Econômica Federal — aponta Ildo Pereira, membro da coordenação estadual do MST e um dos líderes do acampamento de Hulha Negra.
Antes (nos governos anteriores) não tinha cenário favorável para abrir acampamento. Agora queremos trabalhar nesse governo o compromisso de assentar 250 mil famílias em quatro anos.
ILDO PEREIRA
Coordenação estadual do MST
Na tentativa de apaziguar os ânimos, o governo lançou o programa Terra da Gente. A estratégia organiza áreas disponíveis para reforma agrária, como terras públicas, improdutivas ou confiscadas pela Justiça, entre outras, e promete beneficiar 295 mil famílias (74 mil assentadas e 221 mil com regularização de lotes). Na cerimônia de lançamento, o governo também formalizou a destinação à reforma agrária de uma fazenda com 433 hectares em Hulha Negra. No local, serão assentadas 22 famílias.
— Além de atender à reforma agrária, o programa vai promover a inclusão produtiva dessas famílias. Também vamos solucionar conflitos que vêm se arrastando há décadas, promovendo paz no campo e contribuir com o aumento de alimentos saudáveis, produzidos de forma sustentável pelos assentados — disse o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira.
Aliado histórico do PT, o MST reclama de falta de interlocução com o governo. Desde a posse de Lula, em janeiro de 2023, o movimento ainda não foi recebido em audiência formal pelo presidente e pretende subir o tom das reivindicações, alcançando um nível de pressão jamais visto nos governos petistas anteriores. Somente em 2023, houve 72 invasões de terra, ante 62 nos quatro anos do governo anterior.
No atual mandato, foram assentadas 10,9 mil famílias, mas o MST diz que o ritmo é lento e que em na maioria dos casos foi conclusão de processos remanescentes da gestão Dilma Rousseff que haviam sido suspensos pelos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.
Neste cenário, o Terra da Gente não atende às expectativas do MST, tampouco tranquiliza os ruralistas. Em Hulha Negra, das 800 famílias acampadas, 696 foram cadastradas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Grande parte é jovem e mulher, muitos são filhos de assentados, desempregados urbanos e trabalhadores de um frigorífico do município.
— Cerca de 80% têm algum vínculo com a terra, mas também tem muita família que já está meio de saco cheio de trabalhar de empregado — diz Pereira.
As invasões sempre vêm de acampamentos e acompanhadas de violência. Nenhuma propriedade está imune e não confiamos no governo.
PAULO RICARDO DIAS
Presidente da Comissão Fundiária da Farsul
Entre os ruralistas, o temor é de invasão de alguma estância da região. Para evitar serem surpreendidos, eles organizaram um rodízio no posto de vigília, com todo dia um sindicato rural diferente monitorando a movimentação no acampamento. Em fevereiro, tão logo detectaram a saída de vários ônibus do local, os produtores alertaram a polícia e acompanharam o comboio pela estrada até descobrirem que os sem-terra estavam indo para Vacaria, trabalhar na colheita da maçã.
— Acampamentos causam pânico, terror no campo. As invasões sempre vêm de acampamentos e são acompanhadas de violência. Nenhuma propriedade está imune e não confiamos no governo — afirma o presidente da Comissão Fundiária da Federação da Agricultura do RS (Farsul), Paulo Ricardo Dias.
Diante do crescimento do acampamento de Hulha Negra, a entidade entregou ao Ministério Público Federal um dossiê com supostas irregularidades em assentamentos da região. Conforme o levantamento, cerca de 400 lotes teriam sido abandonados, vendidos ou arrendados pelos titulares.
— Não há necessidade de invasão. Basta o governo retomar essas terras e reassentar. Mas se houver invasão, os produtores de todo o Estado estarão aqui. Estamos preparados — afirma Dias.
A ação do MST
- Para marcar o Abril Vermelho, o MST deflagrou uma série de ações no país nesta segunda-feira.
- São 27 invasões, marchas ou protestos em 14 Estados. As invasões ocorrem em áreas públicas ou já destinadas à reforma agrária
- A ofensiva marca as mobilizações do MST pelo massacre de Eldorado de Carajás, quando 21 sem-terra morreram em 1996.
- No Rio Grande do Sul, o MST mantém acampamentos em Hulha Negra, Charqueadas, Passo Fundo e Taquari.
- No maior deles, em Hulha Negra, há 800 famílias, 696 delas cadastradas no programa de reforma agrária do Incra.
- O local é monitorado de perto por produtores rurais 24 horas por dia.
A resposta do governo
- Com o objetivo de diminuir a pressão do MST, o governo lançou o programa Terra da Gente.
- A iniciativa pretende agilizar a distribuição de terras para reforma agrária, beneficiando 295 mil famílias.
- Em quatros anos, o programa prevê assentar 74 mil famílias, além de regularizar os lotes de outras 221 mil.
- Entre as terras destinadas estão áreas públicas, improdutivas, de devedores da União, confiscadas pela Justiça e doadas, entre outras.
- Até 2026, o governo quer ampliar em 877% o número de assentados em relação ao período 2017-2022, nos governos Temer e Bolsonaro.
- Para 2024, estão previstos R$ 520 milhões para a aquisição de terras.