Entre as razões da crise no setor leiteiro gaúcho, que vê uma progressiva diminuição no número de produtores, está uma recente disparada na importação de leite e derivados. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços compilados pelo Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Estado (Sindilat) mostram um aumento de quase 70% no valor das importações de leite entre janeiro e setembro de 2023, em comparação ao mesmo período do ano anterior.
Os números oficiais apontam para um salto de US$ 478,67 milhões em 2022 para US$ 801,09 milhões agora. No caso das importações via Rio Grande do Sul, o leite em pó vindo principalmente do Uruguai (veja detalhes no infográfico abaixo), mas também da Argentina, é o que mais preocupa os produtores do Estado por multiplicar a quantidade de produto disponível a preços mais baixos, o que força o valor da produção gaúcha também para níveis inferiores.
— Mesmo quem está há mais tempo na atividade nunca passou por um momento como esse, de impacto no preço interno pelo acúmulo de importações que entraram com preço bastante abaixo do nosso custo de produção. Diferentemente de outros momentos, temos essa situação que complica. Estamos no aguardo de algum anúncio do governo federal, já que no âmbito estadual não tem muito o que se possa fazer em relação a isso — sustenta o secretário-executivo do Sindlat, Darlan Palharini.
Palharini afirma que os governos da Argentina e do Uruguai passaram a oferecer, recentemente, uma série de benefícios aos criadores daqueles países que acirram a competição com os colegas brasileiros e estimulam a importação em vez da compra local.
— Importações sempre ocorreram, mas em um percentual histórico de 2%, 3% do volume que produzimos (internamente). Em 2023, esse percentual vem chegando a 7%, 8%, quase 10%. Isso desequilibrou o mercado não só pelo volume, mas pelo preço (baixo) que entrou no mercado brasileiro — argumenta o secretário-executivo do Sindlat.
O governo federal publicou no Diário Oficial, na quarta-feira (18), uma medida que procura ampliar a competitividade da produção nacional e inibir as importações de lácteos. Para isso, melhorou as condições para a utilização dos créditos presumidos de PIS e Cofins concedidos no âmbito do Programa Mais Leite Saudável (PMLS).
O crédito de 50% só poderá ser usado por laticínios, cooperativas e agroindústrias que comprarem o produto nacional, em vez de importá-lo. Porém, a legislação só entrará em vigor em fevereiro de 2024. Ainda será publicado um outro decreto para criar um grupo de trabalho que deverá elaborar uma política específica de fomento ao setor.
Por meio de nota, a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) do Estado informa que "acompanha com atenção a situação enfrentada pela cadeia produtiva". A pasta destaca o repasse de recursos ao setor por meio do Fundo de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Leite do Rio Grande do Sul (Fundoleite). "São oito projetos aprovados neste ano que somam quase R$ 10 milhões e são de grande importância para o fomento da cadeia produtiva e para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul", diz o comunicado da secretaria.
Entre os objetivos previstos nos projetos, de acordo com a Seapi, estão o "desenvolvimento de ferramentas de apoio para melhoria dos rebanhos, assistência técnica para aprimoramento da qualidade, certificação de propriedades livres de brucelose e tuberculose e da capacitação de produtores rurais".
O governador Eduardo Leite e o secretário de Desenvolvimento Rural (SDR), Ronaldo Santini, ainda em agosto entregaram ao vice-presidente Geraldo Alckmin um ofício com sugestões para fortalecer a cadeia leiteira no Estado. O documento, elaborado pela SDR com a Emater e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS) incluiu medidas como a construção de um espaço de negociação no Mercosul, a curto prazo, para discussão sobre a entrada do produto estrangeiro no Rio Grande do Sul.
Propostas do setor para aliviar a crise
Sindilat defende adoção de medidas nacionais para beneficiar a produção de leite:
- Linhas de crédito - Refinanciamento de dívidas a vencer e vencidas de produtores de leite e indústrias de laticínio, por meio de linhas de crédito de BNDES, Banco do Brasil, Caixa, cooperativas e outras instituições financeiras, por prazo de 13 anos, conforme ação semelhante feita pelo governo uruguaio.
- Prêmio para escoamento de produto - Como há dificuldades para se impor alíquotas sobre produtos do Mercosul, a indústria leiteira propõe o uso de um instrumento chamado "prêmio para escoamento de produto" (espécie de subvenção econômica concedida a certos segmentos), com incentivo à exportação.
- Aumento do crédito de PIS/Cofins - Aumento do crédito presumido para 100% na compra de insumos (hoje as indústrias têm direito a 50% da alíquota de 9,25%, o que resulta em 4,625%).
- Criação de fundo nacional - Implantação de um Fundo Nacional de Sanidade do Leite (FNSL) com recolhimento de percentuais pela indústria e pagamento, por importados, para um Fundo de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Leite.