No chiqueiro da produtora rural Anieli Wasem Gomes, em Poço das Antas, até o final da semana passada pendiam correntes de ferro ao nível do focinho dos porcos que alojava em sua propriedade para a cooperativa Languiru. Em algumas baias, vez por outra eram jogadas garrafas pet vazias. Essas foram algumas formas encontradas pela criadora para distrair os animais da sensação de fome provocada pelo consumo de ração comprometida pela falta de nutrientes. A crise econômica enfrentada pela empresa impediu a aquisição de toda a matéria-prima utilizada na comida dos bichos, que sentiram a barriga roncar e começaram a morder uns aos outros.
— A gente colocou as correntes e jogava uma garrafa pet, de vez em quando, pra ver se eles se distraíam e não se davam conta da fome. Em duas baias, estavam se atacando — explica Anieli, que entregou os últimos 600 animais alojados para a Languiru no último dia 7.
Como o frigorífico de suínos da empresa já interrompeu a produção, o último lote seria destinado à revenda para terceiros. Pelo sistema integrado de produção, a criadora se responsabilizava por engordar os porcos ainda jovens à base da ração enviada rotineiramente pela cooperativa. Com falta de dinheiro em caixa para adquirir todos os insumos necessários, os animais se debilitaram. Outra consequência foi uma disparada na mortalidade dos porcos — que chegou a aumentar sete vezes.
— Normalmente, perdíamos 1% dos animais, ou até abaixo disso. Desde que a ração começou a vir sem todos os nutrientes, chegou a 7% — lamenta a produtora rural.
A poucos quilômetros, o cenário se repetiu na propriedade de Arno Greeff. Ele ainda guardava alguns animais que não seriam encaminhados para consumo humano por problemas de desenvolvimento. Já mordidos, dois dos bichos precisaram ser apartados dos demais para não serem mutilados. Depois que forem embarcados, Greeff vai desistir da criação de suínos e desativar de vez o galpão com capacidade para 650 espécimes.
— Já estou com 75 anos, dos quais 40 trabalhando com a Languiru. Com tudo isso que está acontecendo, vou parar com os suínos e seguir com outras criações, como gado — conta o produtor.
Presidente da Languiru, Paulo Birck diz que a situação envolvendo rações de animais se agravou quando as contas da empresa foram bloqueadas, no final de junho, mas sustenta que o cenário vem sendo regularizado desde então:
— Em relação aos suínos, tínhamos 160 mil (alojados), mas já conseguimos tirá-los de campo e concluir os abates. Com o desbloqueio das contas, todos os produtores de frango já receberam ração.
Mas, nos aviários, a situação ainda estava longe de ser tranquila até a semana passada. Em Cruzeiro do Sul, o criador de aves e de suínos Ari Morari sustenta que o fornecimento de alimento seguia intermitente. Na segunda-feira, dia 9, por exemplo, os frangos amanheceram sem ração e sem previsão exata de quando chegaria nova carga. Em Poço das Antas, uma criadora de frangos que prefere não se identificar conta que, quando chega a comida, costuma durar apenas um par de horas pela manhã. Uma estratégia para aplacar o fastio da criação é manter as aves na mais completa escuridão. Dessa forma, se aquietam e dormem em vez de continuar bicando os pratos vazios.
— A gente costumava apagar as luzes por volta de umas 19h. Como falta comida, às vezes às 14h, 15h já deixamos as aves no escuro — conta a produtora.
Outra criadora de um município vizinho, que também prefere não se expor, conta que está dividindo a ração adequada para 24 horas de manutenção de seus 36 mil frangos em dois dias. Quando é forçada a fechar a canalização que conduz o alimento dos silos externos até os pratos no interior do aviário, também adota a tática de apagar todas as luzes.
— Já não me estresso tanto com essa situação porque não adianta mais. Estamos conseguindo alimentar as aves só para manter mesmo, não para engordar. Às vezes só temos o suficiente para duas horas de comida — relata.