Após o primeiro ano da integração total entre Bayer e Monsanto, negócio que resultou na maior empresa de sementes e defensivos agrícolas do mundo, a indústria química alemã tenta atenuar os passivos herdados da multinacional americana.
— O investimento que a Bayer fez na Monsanto foi visando longo prazo. E nós vemos todo potencial que a empresa tem na junção das tecnologias — afirma Gerhard Bohne, presidente da Divisão Agrícola da Bayer no Brasil desde setembro de 2018.
Na Justiça dos Estados Unidos, a empresa tenta se defender da avalanche de processos movidos por pessoas que alegam efeitos cancerígenos com o uso do glifosato — herbicida mais vendido no mundo.
— Temos provas científicas para nos defender — aponta o executivo.
No Brasil, a disputa nos tribunais se dá com produtores rurais, que questionam a cobrança de royalties de tecnologias patenteadas pela empresa.
— A patente é um direito da empresa — diz Bohne.
Ao analisar o ano que passou e as perspectivas para 2020, em evento em São Paulo, o presidente da Divisão Agrícola da Bayer no Brasil falou também sobre a adoção de tecnologias digitais na agricultura e a reformulação do herbicida dicamba — usado na terceira geração da soja transgênica e polêmico por casos de deriva nos EUA.
Confira a entrevista
Neste ano, entidades como CNA e Aprosoja manifestaram preocupação com o uso no Brasil do herbicida dicamba, que nos Estados Unidos teve problemas com deriva. Qual a posição da Bayer a respeito?
A nossa terceira geração de biotecnologia, a Intacta 2 Xtend, tolerante ao dicamba, tem de ser vista como uma plataforma, que propicia ao agricultor novo patamar de produtividade. A biotecnologia é tolerante a dois herbicidas: glifosato e dicamba. A Intacta 2 Xtend está registrada no Brasil, mas ainda não na União Europeia e na China. Quanto ao dicamba, temos uma nova formulação, com a troca de um sal, que reduz a volatilidade do produto. Estamos submetendo para registro no Brasil. Além disso, adicionamos um adjuvante na calda e estamos trabalhando com empresas para adaptar bicos de pulverizadores. Estamos focados em treinamento e capacitação do produtor.
O uso do dicamba requer mudança do patamar de tecnologia de aplicação no campo
GERHARD BOHNE
Presidente da Divisão Agrícola da Bayer no Brasil
O dicamba pode ser alternativo ao 2,4-D, que também combate folhas largas. Os dois produtos são cercados de polêmica. Como a empresa vê isso?Há preocupação nossa de aprimorar técnica de aplicação, treinamento e capacitação para o uso correto do produto. E vou citar um exemplo onde isso já aconteceu: na ferrugem da soja. No começo, o produtor usava errado o fungicida. Ele usava de forma curativa, e a ferrugem requer a aplicação preventiva. As perdas com a doença na época foram enormes. Mas, com capacitação, o agricultor aprendeu rapidamente, em dois anos. Hoje você não ouve falar em perdas em razão da ferrugem. Com o dicamba será a mesma coisa, o produtor terá de aprender a usar.
Qual a previsão do registro dessa nova formulação?
Previsão de registro é algo complicado de estimar. Vai depender das autoridades regulatórias, não temos previsão. A tecnologia já foi registrada comercialmente nos Estados Unidos, onde sentimos a necessidade de modernizar a formulação do produto em razão dos casos de deriva.
O ano de 2019 foi o primeiro da integração total entre Monsanto e Bayer. Na fusão, a Bayer acabou herdando passivo de ações judiciais relacionadas ao glifosato. Como vocês avaliam esse impacto?
Temos o impacto das ações que estão em curso, mas acreditamos que temos provas científicas para nos defender diante desses processos
GERHARD BOHNE
Presidente da Divisão Agrícola da Bayer no Brasil
O investimento que a Bayer fez na Monsanto foi visando longo prazo. Acreditamos muito no investimento que foi feito. Temos o impacto das ações que estão em curso, mas acreditamos que temos provas científicas para nos defender diante desses processos.
Como foi a decisão de retardar o lançamento de uma tecnologia para o algodão em razão das ações judiciais de produtores que contestam a patente de produtos?
Para você trazer inovações ao mercado é preciso investir alto por volta de 10 anos. Pela lei, conseguindo a patente da tecnologia, você tem proteção de exclusividade, que inclusive licenciamos a outros parceiros. O dia em que os produtores, por meio de suas associações, começaram a nos processar nos questionamos se os agricultores querem inovações. Então a reação que tivemos foi segurar esse novo lançamento para o algodão. Os processos são em cima da nossa patente, e patente é um direito da empresa.
De que forma a agricultura digital revoluciona o campo?
Para você ser competitivo é preciso olhar custo e produtividade. A agricultura digital vem otimizar tanto a eficiência no custo quanto na produtividade. Na mesma propriedade, tem áreas onde se produz cem sacas por hectare e em outras, 40 sacas. Na média, o agricultor está produzindo 60 sacas por hectare e está feliz da vida. No momento em que coloca Fieldview (plataforma da Climate que congrega dados gerados na lavoura) e constata a diferença entre as áreas, percebe a oportunidade que está perdendo. Com a agricultura digital, o produtor poderá descobrir o que está acontecendo em cada área. Já temos tecnologia não somente para talhão, mas por metro quadrado ou planta isolada. Quanto à eficiência em custos, a tecnologia digital já propicia descobrir onde está o nematoide (doença que ataca a raiz da planta), aplicando produto somente no local afetado, e não em toda a área. .
O futuro é digital no agro, não tem escapatória. E o agricultor, em muitos casos, está atrasado
GERHARD BOHNE
Presidente da Divisão Agrícola da Bayer no Brasil
O que limitou esse avanço?
A falta de tecnologia. Mas nos últimos dois anos tivemos um salto, não somente na Bayer, mas no geral, incluindo multinacionais e startups. E na hora que você tem a tecnologia, qual é o gargalo? A adoção, que passa pela mentalidade do agricultor. Há toda uma mudança cultural para acontecer no campo. Estamos fazendo de tudo para mostrar ao produtor que o futuro dele é a agricultura digital. Estamos perdendo dinheiro com o Fieldview. O que a Bayer arrecada é nada comparado com o custo. Acreditamos muito nessa tecnologia, por isso apostamos nela.
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