Referência como a empresa que revolucionou a agricultura mundial com a implementação dos transgênicos, a Monsanto abre o foco dos negócios e tenta agora colher resultados em outro campo: o da agricultura digital. Desde segunda-feira, a multinacional passou a oferecer no mercado brasileiro a plataforma Climate Fieldview, produzida pela subsidiária The Climate Corporation, adquirida em 2013.
O mecanismo coleta e analisa dados referentes às propriedades, auxiliando na gestão e na tomada de decisão. Para chegar ao formato comercial, agricultores testaram a ferramenta durante dois anos.
Na primeira safra, participaram 30 produtores de soja, milho e algodão. No ciclo atual, o número subiu para 115 – dois no Rio Grande do Sul. Neste período, a tecnologia cobriu 400 mil hectares e mapeou mais de um milhão de hectares.
Em solo brasileiro, houve necessidade de ajustes. Mateus Barros, líder da The Climate Coporation na América do Sul, chama o processo de tropicalização:
– O dispositivo foi desenvolvido para um ambiente de alta conectividade e precisou ser adaptado à realidade do Brasil.
Como resultado, o Climate Fieldview passou a operar offline. Os dados coletados são transferidos para a nuvem quando há sinal. A Monsanto, adquirida pela Bayer no ano passado, em negócio que precisa ser aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), não informa quanto investiu no sistema. Mas a proposta começou a ser pensada com a compra, em 2013, da Climate Corporation, por quase US$ 1 bilhão.
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Em território americano, a plataforma já soma 100 mil usuários, com 35 milhões de hectares mapeados – 6 milhões em altíssima definição. Barros afirma que a expectativa é de que a adesão entre os produtores brasileiros seja na mesma velocidade:
– Quanto mais dados você tem, maior a possibilidade de gerar algoritmos. A grande riqueza de qualquer empresa desse segmento são os dados.
Teste comercial na safra
A primeira grande prova será na safra 2017/2018, quando os agricultores precisarão pagar para utilizar a tecnologia. Para rodar, o Fieldview exige a compra de um drive e o pagamento de licenciamento, por hectare, além do iPad.
– É difícil prever se a solução será de grande aceitação. Mas acredito na difusão da agricultura digital, ferramenta interessante para a sustentabilidade do agronegócio. Você trabalha com tomadas de decisão mais rápidas e redução de custos que permitem um ganho maior – observa o engenheiro agrônomo Sergio Marcus Barbosa, gerente-executivo da incubadora tecnológica EsalqTec, da USP.
Outras empresas do agronegócio e até mesmo da área de tecnologia da informação desenvolvem soluções na área, observa Silvia Maria Massruhá, chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária:
– É preciso ter mais sensores que emitam informações para que se possa usar esses dados para, por exemplo, adaptar irrigação.
Da cabine para a nuvem
O produtor Leandro Macagnan, 28 anos, de Pejuçara, no Noroeste, foi um dos 115 no país que testaram a plataforma digital da Monsanto. Instalou o drive em uma plantadeira e em um trator. E durante duas safras pôde conferir de perto como o mecanismo funciona. Foi por meio da ferramenta que a família, com
850 hectares de soja, milho, trigo e feijão preto, conseguiu diagnosticar, por exemplo, que a produção foi maior em algumas áreas.
– Teve um talhão de milho no sequeiro que produziu mais – conta Macagnan.
A partir daí, buscaram explicações para a situação. Vivendo a realidade de muitas propriedades, em que o sinal de internet é ruim, Leandro coletava as informações no campo, e os dados eram transferidos para a nuvem quando ele chegava em casa. Para o produtor gaúcho a ressalva é em relação ao modelo de cobrança:
– Os valores anuais que se deve pagar acabam deixando a coisa um pouco pesada.
Em Rio Verde, em Goiás, o produtor Fernando Orlando, 28 anos, mapeou a propriedade de 2,5 mil hectares cultivados com soja e milho. Ele já usava um sistema para coleta de dados da produção, mas viu uma evolução com a nova plataforma.
– Conseguimos comparar mais informações ao mesmo tempo e visualizá-las mais rápido. Antes, tínhamos de pegar o pen drive e levá-lo ao computador – detalha.
Apesar dos benefícios, ele diz que é preciso avaliar mais a ferramenta. E tem curiosidade em saber como as informações geradas a partir do Brasil serão utilizadas.
A Monsanto garante que tem acesso aos dados de maneira agregada, mas anônima. Ou seja, é possível diagnosticar um dado coletivo, mas não específico de determinado produtor.
* A colunista viajou a São Paulo a convite da Monsanto