Um pulverizador com sensor que meça o vento e pare a máquina se a condição climática se tornar desfavorável para a aplicação já é viável do ponto de vista técnico. Só não foi fabricado até agora porque comercialmente ainda não é interessante. Hoje, o poder de decisão é do homem, e é com ele que o setor conta para combater o problema da deriva, e que hoje é um dos principais problemas da agricultura brasileira. Nos estandes das indústrias de máquinas e implementos agrícolas na 20ª Expodireto-Cotrijal, marcas prometiam reduzir a deriva (quando há desvio da gota e ela não atinge o alvo), com lançamentos que vendem cada vez mais precisão na aplicação, além da aposta no sistema eletrostático, mais comum na pulverização aérea.
As novidades se juntam a tecnologias já comercializadas, como sensores que detectam a presença de ervas daninhas e suspendem a execução na sua ausência. Na mesma lista, estão drones que sobrevoam lavouras pequenas para diagnosticar problemas e, depois, pulverizar apenas as áreas onde há necessidade e com ajuda da indução do vento produzido por suas hélices.
São inovações da agricultura de precisão que possibilitam aplicações localizadas de produtos e, consequentemente, reduzem a possibilidade de deriva.
Mas de nada adianta comprar o equipamento mais moderno se o operador não sabe regulá-lo e desrespeita as recomendações básicas para uma pulverização responsável. Condições de vento, temperatura, umidade do ar e tamanho da gota são fatores que interferem na eficácia. É fundamental que o operador esteja sensibilizado.
– Se o produtor se preocupar com a deriva, ele tem muitas informações à disposição para minimizar o problema – diz Marcio Albuquerque, presidente da Comissão Brasileira de Agricultura de Precisão (CBAP) e diretor da Falker.
Embora ainda não mandem na lavoura, as máquinas agrícolas já informam, por exemplo, se o vento está acima de 12km/h, limite máximo recomendado para minimizar a perda por deriva. Com tanta informação disponível, a decisão de prosseguir com uma aplicação que poderá resultar em prejuízo para o agricultor e risco para lavouras vizinhas passa a ser cada vez mais consciente.
– A responsabilidade quanto a isso vai aumentar e tem de aumentar – opina Albuquerque.
A diversificação da produção gaúcha é um dos fatores apontados por Albuquerque como motivo para trazer à tona a discussão sobre a deriva, inclusive na Expodireto. O evento, que costuma ser palco de mobilizações do setor defendendo uma mesma causa, testemunhou, nesta edição, discussões que colocam produtores em lados opostos.
O executivo cita o caso dos parreirais e pomares na Campanha que foram contaminados por agrotóxicos usados na produção de grãos. O episódio foi parar na justiça com laudos que comprovaram, no ano passado, a presença do princípio ativo 2,4-D em propriedades a quilômetros de distância de lavouras de soja.
– Alguns produtores costumam pensar que a questão da deriva era “o pessoal da cidade enchendo o saco”.
No momento em que o vizinho diz que o seu trabalho mal feito está prejudicando a produção dele, começa a surgir uma conscientização – diz o presidente da CBAP.
Produtores devem buscar informação de manejo
Na receita que soma inovações com conscientização, não se pode dispensar o treinamento, aposta do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-RS). No ano passado, a instituição lançou o programa Deriva Zero, que já realizou capacitações em 375 estabelecimentos na Campanha, com foco nas lavouras de grãos, as protagonistas dos episódios de contaminação. O coordenador de programas especiais da entidade, Alexandre Prado, cita mais um motivo para que os produtores voltem sua atenção para a questão desde já: o anúncio da nova geração de soja transgênica da Bayer, feito em janeiro deste ano. Com previsão de entrada no mercado brasileiro na safra 2021/2022, a Intacta 2 XTend é resistente ao herbicida dicamba, o qual a soja plantada hoje no Estado ainda não tolera.
Durante a Expodireto, realizada em Não-Me-Toque, na Região Norte, o Senar-RS promoveu oficinas de aplicações agrícolas, nas quais técnicos da entidade demonstraram a influência de variáveis como tipo de ponta do bico, velocidade de aplicação e tamanho de gota por meio de um simulador de pulverização. Quanto mais gotas por centímetro quadrado, por exemplo, maior o risco de o produto perder o alvo e viajar até uma lavoura alheia. Mas ao aumentar o volume de aplicação em busca de menos risco de deriva, o produtor pode perder em eficiência.
O desafio é equilibrar tantas variáveis. E mesmo com conscientização, capacitação e a ajuda das máquinas, a deriva zero ainda é miragem. Até porque, quem manda no clima é São Pedro.
Sistema eletrostático promete maior aproveitamento de defensivos
Na feira de tecnologias agrícolas de Não-Me-Toque, pelo menos duas marcas de implementos agrícolas, Jacto e Jan, apresentaram soluções para os problemas da pulverização baseadas na eletrostática. A lógica é baseada na lei da física segundo a qual os opostos se atraem. Ao carregar as partículas do líquido na máquina, o produto é atraído pela planta. Assim, o jato chega mais rápido ao destino, ficando menos tempo sujeito à ação do vento ou da evaporação. Além disso, há melhor aproveitamento do produto pela planta, já que a face inferior da folha, mais suscetível a doenças, também atrai as partículas líquidas.
Para acelerar esse caminho até o alvo, a Jacto combinou o sistema eletrostático à assistência de ar ao desenvolver o pulverizador Uniport 3030 EletroVortex. A corrente de ar vertical na barra promete ajudar no direcionamento da pulverização, que, na prática convencional, conta principalmente com a ação da gravidade. Segundo Lisandro Webber, agricultor que testou o protótipo da Jacto antes do lançamento e trabalhou em conjunto com a empresa por dois anos, o diferencial do equipamento está em combinar duas tecnologias que já existiam no mercado.
– O modelo se destaca nas aplicações de fungicidas para soja e trigo – afirma o administrador da Sementes Webber, que conta com área de 2,2 mil hectares em Coxilha.
A tecnologia permite a aplicação mesmo em condições desfavoráveis, segundo o professor de agronomia na Universidade de Passo Fundo Walter Boller, pesquisador parceiro da Jacto. Contudo, ressalta, o custo ainda é alto.
Modelo usado na aviação chega à aplicação terrestre
Comum na pulverização aérea, a eletrostática para a atividade no chão começa a receber atenção maior do mercado porque o contexto permite custos mais altos, além das pressões existentes pelas perdas por infestações, avalia Tárcio Andrade, responsável pela divisão de pulverização da Jan. Na aviação, os investimentos já compensavam porque a barra onde estão os bicos pulverizadores é menor e a área aplicada é maior.
A empresa gaúcha apresentou, também na 20ª Expodireto, a inovação desenvolvida pela TSB Jet, que pode ser acoplada em pulverizadores. A marca venderá equipamentos de série com a inovação, mas a tecnologia pode ser comprada separadamente. Diferentemente do modelo da Jacto, a indução não é feita no bico de pulverização, mas em um módulo externo. A calda, então, é carregada após sair do pulverizador. Andrade explica que o modelo permite controlar o tamanho da gota e a intensidade da carga, e assim definir seu alvo, se acima ou embaixo da folha.
– O maior benefício é em sanidade. Não é uma solução antideriva, mas ajuda. Até porque atribuir a uma ferramenta única a solução dos problemas de pulverização é uma irresponsabilidade – diz Andrade.
Produtor avalia soluções para reduzir variação da gota
Produtor de Palmeira das Missões, Dimas Binsfeld, 38 anos, foi para a feira em busca de tecnologias para serem aplicadas nas suas lavouras de milho, soja e aveia. Parou em alguns estandes da Expodireto e ouviu atento explicações sobre pulverizadores menos suscetíveis à deriva.
– É muito importante para nós soluções assim, que ajudem a diminuir a variação da gota. Estou conhecendo essas tecnologias agora. Depois, vou avaliar com calma qual se encaixa melhor na minha necessidade – disse.
Uma dessas ferramentas desconhecidas para ele estava na Stara. A solução, até então utilizada na plantadeira, foi aperfeiçoada para uso na pulverização. Por GPS, o sistema bico a bico, lançado em fevereiro, identifica áreas já pulverizadas e desliga automaticamente algumas ponteiras da barra para não haver sobreposição de produto. Agora, o equipamento ganhou mais um bico por torre, o suficiente para permitir que o pulverizador autopropelido ande mais rápido, sem comprometer a qualidade da gota. Segundo a fabricante, a linha dupla reduz a deriva.
– Antes, o produtor tinha que limitar a velocidade da máquina para não comprometer a qualidade da aplicação. E execução inadequada resulta em deriva – sintetiza o diretor gestor de Engenharia da Stara, Cristiano Paim Buss.
Quando o bico estoura sua capacidade de vazão, as gotas diminuem de tamanho e podem ser desviadas do alvo pelo vento. Esse sistema foi lançado para aumentar a precisão na aplicação e, assim, reduzir a possibilidade de deriva.
Dois bicos por torre prometem maior eficiência
Também pensando em uma aplicação mais precisa, a John Deere apresentou um pulverizador com dois bicos por torre. Chamado de sistema de pulverização inteligente, sua eficiência está atrelada a outras tecnologias, como a barra de fibra de carbono e a estação meteorológica móvel, agora disponibilizada em todas as linhas.
O sistema controla a taxa de aplicação bico a bico e faz a gestão da gota com compensação. No caso da John Deere, quando o pulverizador chega ao fim da lavoura e precisa fazer meia volta, a ponta da barra que fica parada solta menos agrotóxico do que a outra extremidade. Além disso, o equipamento, de acordo com o gerente de Vendas da John Deere Brasil, Eduardo Martini, oscila menos por ser mais leve.
Já a estação meteorológica móvel informa temperatura, velocidade do vento e umidade relativa do ar na lavoura, dados importantes para a tomada de decisão. Esses três parâmetros interferem na qualidade da aplicação e, por consequência, na deriva.
– Hoje, 60% da pulverização é feita fora desses parâmetros, ou seja, sem as condições ideais para aplicação – garante Martini.