A decisão da Justiça dos Estados Unidos de condenar a empresa Monsanto a pagar indenização a um jardineiro californiano, que usou o princípio ativo glifosato por pelo menos dois anos e desenvolveu câncer, pode abrir precedente para casos semelhantes no Brasil. A multinacional terá de pagar US$ 289 milhões (R$ 1,1 bilhão) por danos à vítima, em fase terminal da doença.
Segundo o advogado ambientalista José Renato de Oliveira Barcelos, a decisão é importante porque coloca a vida em primeiro lugar e poderá provocar mudanças globais no entendimento judicial.
– Guardadas as devidas proporções, o nosso sistema jurídico contempla a possibilidade de obter indenizações por danos causados às pessoas e ao meio ambiente, incluindo danos individuais e coletivos – avalia Barcelos, especialista em Direito Ambiental, ressaltando que a decisão é parcial.
Membro da Associação Brasileira de Agroecologia, Barcelos considera provável que, devido à grande repercussão, o processo vá parar na Suprema Corte dos EUA. Na ação, um júri de San Francisco entendeu que a Monsanto falhou ao não alertar em suas embalagens que o agrotóxico poderia ser cancerígeno.
No interior do Paraná, há caso semelhante. Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) determinou indenização de R$ 350 mil para família de um agricultor morto em 2010 por intoxicação com agrotóxicos.
O advogado Aristides Garcia França Neto, especialista em Direito e Processo do Trabalho, avalia que a decisão americana não deve refletir no Brasil porque, provavelmente, será reformada nos EUA. Segundo ele, sentenças em primeiro grau podem ter motivações políticas.
– A pena é milionária e desproporcional, deve ser reformada ou readequada em grau de recurso – analisa França Neto.
A relação de agricultores com o glifosato é antiga. Há pelo menos quatro décadas, o produto é o mais utilizado no Brasil para eliminar pragas nas plantações. Conhecido também pelo nome comercial de RoundUp, é o agrotóxico mais usado em todo o mundo. Devido aos riscos à saúde, a União Europeia já proibiu a aplicação do princípio ativo na vegetação de parques infantis e jardins públicos.
– Além do câncer, segundo pesquisas americanas, já foram identificadas cerca de 25 doenças neurodegenerativas que o produto causa, entre as quais autismo, Alzheimer, Parkinson e esclerose múltipla – comenta o biólogo Francisco Milanez, presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).
Em nota, a Monsanto manifestou que já foram feitos cerca de 800 estudos e análises científicas por institutos nacionais de saúde americanos que “apoiam o fato de o glifosato não causar câncer”. A empresa, recentemente adquirida pela companhia alemã Bayer, informou ainda que apelará contra a decisão.
Segundo estudo do Instituto Nacional de Câncer (Inca), o Brasil lidera o ranking mundial do consumo de agrotóxicos. Mas pesquisadores do setor agrícola alegam que, se os números forem analisados considerando a extensão da área cultivada, o país cai para a sétima posição.