Enquanto colheitadeiras trabalham simultaneamente nas lavouras do Rio Grande do Sul em abril, no auge da colheita da soja, ficam explícitos cenários opostos. Em Bagé, no Sul, onde a estiagem comprometeu o desenvolvimento das plantas, o produtor Gustavo Kalil está colhendo em média 1.200 quilos por hectare (20 sacas) – o pior resultado da década. A menos de 400 quilômetros dali, em Cruz Alta, no Noroeste, os primos Diogo Librelotto e Eduardo Braga alcançam média superior a 4.200 mil quilos por hectare (70 sacas) – marca histórica para a propriedade.
No ano em que faltou chuva em uma região e em outra ficou na medida, após cinco safras de tempo favorável para a cultura em todo o Estado, as diferenças entre o Norte e o Sul saltaram aos olhos – não apenas pelo clima, mas também pelos contrastes de tecnologia e de manejo do solo.
– A expansão da soja no sul do Estado ocorreu principalmente nos últimos cinco anos. Então, é um conhecimento que ainda está sendo gerado, tanto por parte dos produtores, quanto da pesquisa e da assistência técnica – avalia Guilherme Zorzi, agrônomo da Emater em Hulha Negra, um dos municípios da região da Campanha mais atingidos pela estiagem.
Boa parte das técnicas levadas ao Sul é inspirada no Norte – onde as áreas de lavoura são consolidadas e, consequentemente, recebem mais investimentos.
– Chegamos à conclusão de que não poderíamos mais correr o risco de colher pouco, por isso decidimos eliminar a principal variável de risco, que é a falta de chuva – conta Librelotto.
Do ano passado para cá, a propriedade da família quase dobrou o volume de lavouras irrigadas em Cruz Alta e Tupanciretã – chegando a 1,8 mil hectares, de um total de 2,5 mil hectares de soja e milho. O investimento fez com que aumentasse em 10% a 15% a produtividade da oleaginosa em relação ao ano passado, e em 50% o rendimento do milho. A abundância de água possibilitou também a alternância com o cereal em mais de um terço da área.
– A rotação da soja com o milho agrega muita palhada ao sistema, além de reduzir a incidência de plantas daninhas e pragas – explica Librelotto, que administra as lavouras ao lado do primo, do tio e do avô.
Neste ano, a propriedade familiar também concluiu a cobertura de 100% das lavouras com agricultura de precisão.
– Em vez de expandir a área, optamos por crescer verticalmente, adotando ferramentas que aumentassem a produtividade e nos dessem segurança – completa Braga.
Frustração tende a frear expansão por arrendamento
Desde que começou a investir na soja em Bagé e Aceguá, em 2005, o produtor Gustavo Kalil vinha dobrando a área cultivada a cada ano – chegando nesta safra a 1,6 mil hectares, dos quais mais de mil arrendados. Com a frustração pela estiagem, vai conter o avanço da agricultura no próximo ciclo:
– A ideia é equilibrar mais a lavoura com a pecuária, que tem menor risco e sofre menos em período de estiagem.
A partir da expansão da soja em áreas de campo nativo, as lavouras passaram a representar 70% do faturamento da propriedade, restando apenas 30% para a pecuária de corte. O desestímulo para continuar ampliando a área vem do resultado da colheita – 1.200 quilos por hectare. No ano passado, Kalil alcançou média de quase 3.600 quilos por hectare – três vezes maior.
– Ficamos mal-acostumados com uma situação anormal. A volta da estiagem nos fez lembrar da realidade – diz o produtor, referindo-se à irregularidade histórica no regime de chuva na região.
Além do prejuízo com os insumos da lavoura, o agricultor terá de arcar com os custos do arrendamento da terra.
– Essa condição de arrendatário acaba nos limitando na hora de investir mais, em irrigação, por exemplo – relata o produtor.
Na Campanha, onde são plantados 650 mil hectares de soja – três vezes mais do que há cinco anos –, cerca de metade dos produtores não cultiva soja em área própria, estima a Emater.
– E quando o arrendamento é apenas na safra de verão, não o ano todo, a integração pode ficar comprometida, com cada um tirando o máximo do solo em sua atividade – lamenta Eloi Pozzer, gerente da Emater na regional de Bagé.
O manejo correto do solo, tanto no verão quanto no inverno (veja mais página 6), pode minimizar em até 20% os prejuízos em período de estiagem, estima o técnico. A nova fronteira agrícola no Sul foi motivada pela alta do preço da soja, escassez de terras no Norte e tempo favorável nos últimos anos.
Ciclo de recordes sucessivos da soja é quebrado no RS
A estiagem voltou a atingir parte do Rio Grande do Sul após cinco anos seguidos de tempo favorável – que resultaram em sucessivas supersafras de soja. Com as perdas, a projeção é de que o Estado colha 17,12 milhões de toneladas – 7,83% a menos o que na safra passada, segundo a Emater. Os prejuízos maiores foram registrados na Campanha, em municípios como Bagé, Candiota, Aceguá e Hulha Negra, e mais ao Sul, em Arroio Grande e Jaguarão.
– A Metade Sul tem naturalmente uma condição complexa que exige muito mais do que a Norte, pela irregularidade de chuva e solo arenoso – destaca Alencar Rugeri, assistente técnico estadual da Emater.
O perfil e o manejo do solo, tanto químico quanto físico, ganha relevância ainda maior em períodos de estiagem, explica o pesquisador Julio Franchini, da Embrapa Soja:
– Um solo compactado infiltra muito menos água. Quando chove, a maior parte da precipitação é perdida por escorrimento artificial, não atingindo as camadas mais profundas.
Quando há deficiência hídrica, raízes de maior profundidade em solos estruturados conseguem formar reservatório maior, minimizando os danos. O que agrava a situação é um sistema de integração ineficiente, acrescenta Franchini:
– A soja é importante na integração lavoura pecuária, mas é preciso olhar o sistema como um todo.
A pastagem, acrescenta o pesquisador, precisa ser tratada como cultura, com boas sementes e adubação, e controle da carga de animais – além de intervalos mínimos entre a retirada do gado e a implantação da lavoura.
– Temos bons exemplos que seguem essa linha no Sul. O que precisamos é que esse comportamento seja natural, de maneira a consolidar a região como uma grande produtora, com planejamento e profissionalismo – conclui Rugeri.