Considerado uma guinada rumo a uma produção agrícola mais sustentável no Brasil e que teve o Rio Grande do Sul como um dos berços na década de 1970, o plantio direto começa a pedir socorro. O problema não é o sistema em si, mas a adoção incompleta de seus preceitos, como a falta de rotação de culturas e um período em que a terra fica exposta, sem cobertura vegetal, reabrindo o flanco para a erosão – drama que, há 50 anos, era uma das grandes ameaças à agricultura.
A percepção de que uma série de pontos precisam ser corrigidos levou o tema a ser um dos mais presentes nos debates programados durante a 19ª edição da Expodireto-Cotrijal, que começa nesta segunda-feira e vai até sexta-feira, em Não-Me-Toque, no norte do Estado. O assunto vai permear o Fórum Nacional da Soja, o Fórum Estadual de Conservação do Solo e da Água e um seminário interno da Cotrijal.
Entre as lacunas observadas por especialistas, preocupa o abandono do milho na rotação com a soja no verão. Com alto custo de produção, problemas de preço e maior sensibilidade ao déficit hídrico, a cultura teve nesta safra a menor área cultivada no Estado da história. Embora a equação econômica de curto prazo venha fazendo os agricultores plantarem sucessivamente a oleaginosa, ao longo do tempo, o preço cobrado pela degradação do solo tende a ser alto.
O pesquisador em agricultura de precisão Antônio Santi, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em Frederico Westphalen, lembra ainda que outra falha é o tempo que o solo fica sem cobertura. A situação se agravou com o avanço de variedades mais precoces de soja, levando as áreas colhidas a ficarem longo período expostas até a implantação da cultura de inverno.
– Temos tecnologia embarcada em sementes, máquinas precisas, técnicas de manejo fitossanitário. Mas precisamos de um solo de qualidade para receber tudo isso e termos rendimentos maiores. Em torno de 25% do tempo as áreas passam sem cobertura. Precisamos repensar o sistema de plantio direto e voltar a práticas que tínhamos há 40 anos, como a rotação de cultura. Pensando na cadeia da soja, não podemos abandonar a cultura do milho – diz Santi, que classifica a sucessão soja sobre soja como insustentável.
Embora não exista um levantamento quantificando a adoção incompleta do plantio direto na palha, Santi arrisca que, no Estado, não mais do que 40% da área utilize as premissas básicas.
Adoção com falhas
Com o olho treinado, o pesquisador da CCGL Tec Jackson Fiorin, e professor da Universidade de Cruz Alta (Unicruz), diz ser cada vez mais comum notar, às margens das rodovias, lavouras com sulcos de erosão, escancarando falhas na execução do processo. Para o especialista, o quadro se agravou “nos últimos seis ou sete anos”.
– É uma situação que tem vários motivos, mas o mais frequente é o aspecto da busca pelo lucro imediato – aponta o pesquisador, referindo-se à insistência em plantar apenas soja, em detrimento do milho, cultura que, a despeito das dificuldades de comercialização e sensibilidade à falta de chuva, traz ganhos agronômicos a longo prazo que levarão a soja, carrochefe das lavouras do Estado, à elevação da produtividade.
Ele observa ainda que, para evitar o chamado vazio outonal, entre a colheita da safra de verão e a implantação da lavoura de inverno, é possível até sobressemear – com a soja ainda com folhas, começando a maturar (amarelando) –, culturas como nabo forrageiro e pivotante, ervilhaca e capim sudão. Para Fiorin, identificar propriedades que apliquem o sistema de forma correta e mostrem os resultados financeiros na prática são a melhor forma de disseminar um plantio direto praticado de forma consistente.
O gerente de produção vegetal da Cotrijal, Juliano Recalcatti, observa que a insistência em plantar apenas soja eleva o risco de aparecimento de doenças e plantas daninhas resistentes, com aumento de custos – enquanto um plantio direto bem executado, com rotação com milho, cobertura do solo e produção de uma boa palhada traz resultados positivos ao longo do tempo.
– Precisamos ser proativos e evitar que este problema se alastre – avalia Recalcatti.
E como convencer os agricultores à retomar a rotação e melhorar a produção de palha, mesmo que isso signifique sacrifício imediato de margens? Recalcatti avalia que, o primeiro passo, é refletir sobre que propriedade o produtor quer deixar para os seus filhos.
Busca pela melhora da cobertura do solo
Aperfeiçoar a cobertura do solo após a colheita da safra de verão é o objetivo do agricultor Guilherme Knop, 34 anos, de Almirante Tamandaré do Sul, no norte do Estado. No último inverno, por problemas de preços, desistiu de cultivar trigo e optou pela aveia preta. Agora, a intenção é, encerrada a colheita da soja e do milho, entrar com mix de aveia preta, centeio, ervilha forrageira e nabo forrageiro para evitar que a terra fique em pousio no outono. Em outra parte da propriedade, a estratégia será salvar um pouco de milho para semente, e replantar para fazer cobertura. Quando a primeira geada matar a planta, será a vez de entrar novamente com aveia preta.
Dos 600 hectares que cultiva, cem – ou 15% do total – foram reservados para o milho e, o restante, para a soja. Knop lembra que, no início da década de 1990, costumavam deixar metade da área para o milho, mas o percentual foi diminuindo aos poucos pelos problemas de rentabilidade da cultura. Agora, a extensão varia também de acordo com a previsão de chuva para o período de desenvolvimento das lavouras.
Knop lembra que a rotação de cultura com o milho ajuda no controle de ervas daninhas. Quando na safra seguinte é plantada a soja, a diferença de produtividade é nítida.
– Em torno de cinco sacas (por hectare) a mais – diz Knop.
A terra agradece com produtividade
Em dezembro, faltou chuva na lavoura de milho do agricultor e agrônomo Vanderlei Neu, 42 anos, de Quinze de Novembro, no noroeste do Estado. Mesmo assim, a colheita na área de sequeiro traz produtividade de 200 sacas por hectare, digna de pivô. Considerado um exemplo na adoção do plantio direto, Neu dá show de resultados. Em 2016, foi o campeão de produtividade no RS em um concurso do Comitê Estratégico Soja Brasil (CESB), em parceria com a Cotrijal. Foram 102 sacas por hectare.
O segredo é o plantio direto, conta o produtor, que desde a época de estudante se diz apaixonado pelo tema. O sistema, prossegue ele, permite pensar a propriedade como a soma de todas as culturas, em que uma deixa benefícios para as outras.
– Consegui armazenar no solo a chuva de novembro. Tinha muitos dias de reserva de água, apesar do veranico de dezembro. Nenhuma lavoura minha de soja dará mais rentabilidade do que esta de milho – calcula o agricultor.
Com a rotação de cultura se tem menos problemas de invasoras e pragas. O gasto com herbicidas e inseticidas é menor. E o adubo e o calcário se infiltram e permanecem no solo, a enxurrada não leva embora
VANDERLEI NEU
Agricultor e agrônomo
Todo ano, Neu reserva um terço da área total de 80 hectares da propriedade para o milho. A cultura produz grande volume de palha e, graças às raízes profundas, melhora a estrutura física do solo. Ao terminar de colher milho no final de fevereiro, o produtor começou a implantar nabo forrageiro na área, que depois receberá trigo.
Entenda o método e seus desafios
O que é
Sistema conservacionista de manejo do solo, o plantio direto começou a ganhar espaço no sul do país nos anos de 1970. Entre os seus preceitos está o revolvimento mínimo do terreno, manutenção dos resíduos das culturas que vão se sucedendo (palha) na superfície do solo, o que contribui para a adubação verde, melhora o solo e o protege do impacto da chuva, evitando a erosão e aumentando a capacidade de infiltração de água.
O que fazer
Retomar a consciência de que, a despeito da maior instabilidade do milho no curto prazo, a rotação leva a ganhos de produtividade ao longo do tempo – inclusive para a soja, com aumento da fertilidade natural do solo, maior capacidade de armazenamento de água e penetração de nutrientes, redução de custos com defensivos e fertilizantes químicos. A preservação do solo é ainda garantia de sustentabilidade da propriedade.
Deixar o solo com cobertura vegetal permanente tanto no inverno quanto na entressafra, depois da safra de verão. Após a soja, é possível implantar outras culturas antes das lavouras de inverno (trigo e aveia). Isso evita o vazio outonal. Culturas como nabo forrageiro e pivotante, ervilhaca e capim sudão, entre outras, podem ser implantadas logo após a colheita da soja. Ou mesmo antes, fazendo a sobressemeadura, quando a oleaginosa, ainda com folhas, inicia o processo de maturação (começa a amarelar).
Os problemas atuais
Falta de rotação
Chave no sistema, o milho tem área cada vez menor no Rio Grande do Sul, por seus problemas de preços e sensibilidade maior à falta de chuva. Como a soja é mais rentável, muitos produtores estão abandonando a rotação de culturas de verão e plantando sucessivamente apenas a oleaginosa. A soja deixa muito menos palhada em relação ao milho.
Importância do milho
É uma cultura que deixa maior volume de palha sobre o solo. Por ter raízes profundas, ajuda na descompactação. Isso facilita a penetração da água na terra, criando um reservatório que torna a lavoura menos suscetível a períodos de estiagem. Além disso, a rotação quebra o ciclo de plantas invasoras e insetos que atacam a soja. Isso evita o uso excessivo de agrotóxico e o aparecimento de pragas mais tolerantes ou resistentes.
Após o cultivo do verão
Como cultivares de soja de ciclo mais curto vêm ganhando espaço, em muitas propriedades o solo fica descoberto por um grande período, até a implantação do cultivo de inverno. É o chamado vazio outonal. Essa exposição contribui para a erosão. Além do solo, fertilizantes e outros químicos também acabam escorrendo, contaminando recursos hídricos.
Riscos no horizonte
A degradação do solo pode levar à estagnação ou redução de produtividade nas lavouras, maiores custos de produção por resistência de pragas e possibilidade de propriedades acabarem inviabilizadas.