A estiagem que desde novembro aflige a Zona Sul e parte da Campanha prejudica lavouras, faz o gado perder peso e leva mais de duas dezenas de municípios a acumular perdas de ao menos R$ 757,9 milhões. Devido à dependência da agricultura, diversas prefeituras decretaram situação de emergência. Cristal, Amaral Ferrador, Arroio do Padre, Hulha Negra, Morro Redondo, Canguçu, Cerro Grande do Sul e Pedras Altas já têm os casos homologados pelo Estado, além de São Jerônimo, na Região Carbonífera. A Defesa Civil analisa outros processos. O quadro é mais grave na Zona Sul, onde há 14,4 mil produtores rurais atingidos, conforme a Emater. Dos 22 municípios da região, 19 registram perdas. Na soja, lavoura de maior peso econômico, a quebra média é de 18%.
Conforme os laudos elaborados pelos escritórios municipais da Emater que embasaram os decretos de emergência, o prejuízo apenas com a soja na Zona Sul é de R$ 320,63 milhões. Na Campanha, os efeitos da falta de chuva se concentram em quatro municípios – Bagé, Candiota, Hulha Negra e Aceguá –, onde o que deixará de ser colhido da oleaginosa representará uma receita frustrada de R$ 68,31 milhões.
O assistente técnico regional de sistemas de produção vegetal da Emater em Pelotas Evair Ehlert lembra que, antes, a expectativa de produtividade era de 55 sacas por hectare. Hoje, seria cerca de 38. No caso do milho, em média mais de 40% da produção esperada foi perdida. Mas há casos em que a área sequer será colhida. Em algumas propriedades, o que foi plantado para grão será destinado para silagem ou mesmo apenas cortado para que os animais se alimentem.
O estragos no fumo também são significativos. Chegam a R$ 145 milhões. Na pecuária de corte, R$ 124,9 milhões somente na Zona Sul, mais R$ 19 milhões na Campanha. Para Ehlert, as perdas nas lavouras e criações podem ser maiores porque os dados de muitos municípios são ainda de janeiro.
O pesquisador de agrometeorologia Gustavo Trentin, da Embrapa Pecuária Sul, em Bagé, ressalta que a gravidade da estiagem atual é o longo período com chuvas muito abaixo do normal na região.
– A gravidade está na longevidade. É uma das cinco mais intensas desde 1960 – diz o pesquisador, referindo-se ao período de início das medições.
O agricultor Felipe Sangalli Dias tem duas realidades. Planta em Aceguá 215 hectare de soja. Do total, 55% é irrigada, onde espera colher entre 75 e 80 sacas por hectare. A área de sequeiro foi implantada em novembro.
As áreas na região cultivadas depois, diz, são as que mais estão sofrendo. Ainda avalia que a lavoura que depende da chuva tem potencial para 60 sacas. Mas, para isso, as plantas em florescimento dependem de chuva de pelo menos 50 milímetros em uma semana.
– Se não, pode cair para 30 ou 35 sacas – pondera.
O meteorologista Flavio Varone, da Secretaria da Agricultura, diz não existir, por enquanto, previsão de chuva volumosa para a Zona Sul e os municípios da Campanha mais atingidos pela estiagem. Podem ocorrer pancadas, mas esparsas, sem atingir a área mais afetada de forma homogênea. A expectativa é de que a situação comece a se reverter apenas a partir do outono.
Com o pasto nativo e cultivado sofrendo neste verão com a pouca quantidade de chuva e levando o gado à perda de peso, chega a hora de começar a planejar as pastagens de inverno, advertem os pesquisadores da Embrapa Pecuária Sul, de Bagé. O agrometeorologia Gustavo Trentin diz que existem prognósticos indicando que as precipitação começam a se reaproximar das médias na região a partir do próximo mês. Se a previsão se confirmar, é a chance de não deixar o gado entrar na estação mais fria do ano sem alimentação adequada.
Enquanto a chuva não chega, o pecuarista João Carlos dos Reis de Oliveira, do interior de Piratini, vem perdendo animais pela falta de alimentação causada pela seca. Com o campo nativo ressecado, o gado vem perdendo peso. Tem um rebanho de cerca de 180 bovinos. Seis já morreram. Além da falta de pasto, matar a sede também virou um desafio. A água de um açude, com o nível baixo, ficou barrenta e alguns animais a rejeitam.
A pesquisadora Márcia Silveira, da área de manejo de pastagens, lembra que, normalmente, pecuaristas que usam apenas campo nativo conseguem aproveitar o potencial das áreas naturais até boa parte do outono. Agora, com o campo rapado, é possível aproveitar para sobressemear a partir de março forrageiras como azevém, aveia, trevo ou cornichão.
– Isso vai diminuir o período de vazio forrageiro – diz Marcia, lembrando que, em anos com boa umidade, quem usa esta estratégia a adota em abril ou maio.
O mesmo vale para quem trabalha com pastagens de inverno cultivadas. O tempo para que os animais possam ser realocados, lembra, depende da espécie escolhida e do manejo da área.
Outro problema causado pela estiagem e que poderá ser melhor percebido nos próximos meses é o reprodutivo. A alimentação inadequada dificulta o cio nas matrizes, com reflexo na menor produção de terneiros.
AS PERDAS
Total: R$ 757,9 milhões
Zona Sul (19 municípios): R$ 663,749 milhões
Campanha (Bagé, Aceguá, Candiota e Hulha Negra):R$ 94,191 milhões
Soja
Total: R$ 388,94 milhões
Zona Sul: R$ 320,63 milhões
Campanha: R$ 68,31 milhões
Pecuária de Corte
Total: R$ 143,9 milhões
Zona Sul: R$ 124,9 milhões
Campanha: R$ 19 milhões
Fonte: Emater